terça-feira, 19 de junho de 2012

A Aurora da Redenção


“A Aurora da Redenção”
           
(Lucas 1,26 ss; João 1,14 ss)

            Embalada na verde solidão das montanhas da Galileia, dormitava uma aldeia pitoresca, por nome Nazaré. Nazaré significa broto, rebento.

            Achava-se situada num vale, cercada de uma cadeia de montes abruptos, que atingem a 165 metros de altura. O vale mede 2.000 metros de leste a oeste sobre 500 de norte a sul, ficando aberto apenas desta última parte; dos outros lados, está cercada de uma trincheira de rochas calcárias, cuja brancura contrasta singularmente com o verde das figueiras, oliveiras e ciprestes, e com o variegado matiz dos jardins e pomares que cobrem a planície.

            Nazaré não tinha importância histórica: o seu nome não ocorre nas páginas dos livros sacros do Antigo Testamento.     

            À beira da povoação, alvejava uma vivenda singela, e nessa casinha vivia uma jovem israelita, por nome Maria.

            Maria, ou Myriam (Mirjam), é antigo nome egípcio-hebraico, e significa: "querida de Deus".

            Profundos mistérios envolvem a vida de Maria. Sabemos apenas que era da estirpe real de Davi e, provavelmente, filha de Joaquim e Ana, piedoso casal, que, segundo a tradição, vivia em Jerusalém. Diz ainda a antiguidade cristã que, em pequena, costumava Maria trabalhar no templo de Deus, em companhia de outras meninas de sua idade.

            Mais tarde, encontramos a jovem israelita em Nazaré. Mas a sua alma ficara em Jerusalém, na casa de Deus. A humilde casinha serrana, à beira da povoação, era o seu santuário e o seu campo de trabalhos.

* * *

            Entrementes, chegara o dia tão ardentemente suspirado pelos videntes da lei antiga - dia em que desceria do trono excelso o Verbo Eterno, e, revestindo-se da humana natureza, viria habitar entre nós. Queria o Salvador nascer de uma mãe, criança inerme como todos os mortais. Mas, em sinal de sua divindade, quis ter por mãe uma virgem, como fora predito, cinco séculos antes, pelo profeta Isaías. "Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho".    Is 7,15.

* * *
             Era em princípios da Primavera. Ao longe, entre os recortes da serrania de Nazaré, despontava o primeiro sorriso da aurora. Penumbras envolviam ainda o aposento de Maria.

            De súbito, resplandece pela sala uma luz.

            Maria estremece ...

            De onde viria aquele estranho clarão? Do sol? Mas o sol ainda não nascera ...

            A claridade vinha do fundo do quarto.

            Mais uns momentos, e, do meio da luminosa nuvem, se destaca um ser misterioso.

            A jovem contempla, admirada, a estranha aparição.
           
            Nisto o ignoto arauto de outros mundos descerra os lábios e diz:

            "Eu te saúdo, cheia de graça... o Senhor é contigo... bendita és tu entre as mulheres"...

            Maria, percebendo semelhantes palavras, teme ainda mais, e poê-se a refletir o que viria a significar essa saudação... "Eu te saúdo? ...cheia de graça?". Nunca ninguém lhe falara assim. "O Senhor é contigo?...  bendita és tu entre as mulheres? por quê?

            Ainda estava ela a lutar consigo mesma, quando o mensageiro segue:

            "Não temas, Maria! encontraste graça diante de Deus. Eis que receberás e darás à luz um filho a quem porás o nome de Jesus. Será poderoso e chamado filho do Altíssimo; e o seu reino não terá fim.”

            Darás à luz um filho?...

            A jovem estranha a singular mensagem, e lembra-se do seu voto de virgindade, que fizera a Deus, no templo de Jerusalém: sabia que dera este passo por inspiração divina. Como, pois, conciliar as palavras do anjo com esse voto?  

            "Como se fará isto - respondeu, hesitante - se não conheço varão?"

            Tomou-lhe o celeste mensageiro:

            "O Espirito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te fará sombra. Por isto, o santo que de ti nascer será chamado Filho Deus."

            Ouvindo isto, inclinou-se Maria e disse:
           
            "Eis aqui a serva do Senhor! faça-se em mim segundo a tua palavra."

            E, neste momento, o Verbo eterno se fez carne e veio habitar entre nós.

            Acabava de realizar-se o mistério da encarnação predito pelos profetas da lei antiga, mistério pelo qual suspirava a humanidade por muitos séculos.


Huberto Rohden
in Jesus Nazareno
(Editora Livraria Lucerna Ltda - 1948)






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