“Sejamos Iconoclastas.”
Que a Doutrina Espírita é o Consolador
Prometido, conforme narrado em João, não resta a menor dúvida. Quanto mais o tempo
passa, mais se confirma a asserção, não só no campo material (prático) como no
campo das ideias (filosófico).
A cada dia mais se avoluma o número
de criaturas beneficiadas pela Doutrina dos Espíritos, nas diversas casas
erigidas pelos pioneiros do Espiritismo no Brasil. Não há uma só cidade do país
onde não haja um Centro Espírita e que, paralelamente, um trabalho assistencial
não se desenvolva. Ora é um albergue noturno, ora um asilo para os velhinhos,
ora uma casa de crianças, ora um Lar-Escola, ora um prato de sopa, ora um
agasalho; enfim, todas
as formas de ajuda ao próximo são experimentadas. Isso, ainda que com algumas
imperfeições na sistemática, dá bem uma mostra do que o Espiritismo tem feito
para acalmar a fome e a dor das criaturas.
No campo dos esclarecimentos filosóficos,
perdemos a conta das inúmeras pessoas que se livraram do suicídio, do desespero,
da apatia, por terem lido um livro espírita. Também sem conta são os que se
abateram pela perda de um ente querido e que, através da mediunidade, voltaram à
esperança, porque viram seus mortos falarem ou escreverem. São famosos os casos
de identificação de espíritos pela mediunidade de Chico Xavier, Divaldo Franco,
Ivone Pereira e tantos outros, citando apenas os mais recentes.
Indubitavelmente, é a Doutrina Espírita
o Consolador que o Cristo de Deus prometeu aos homens. É o Paracleto que veio
para ficar eternamente conosco.
Com o correr dos anos, porém, na prática
doutrinária, surgiram algumas “adoções” que merecem ser estudadas, a fim de que
se compreenda bem o papel consolador do Espiritismo.
Por exemplo: na atualidade doutrinária,
erigiu-se à água fluidificada, ao passe e, às vezes, à prece, um verdadeiro
altar de devoções, em detrimento do próprio conhecimento da Doutrina.
Assim, muitas pessoas procuram o Centro
Espírita para receberem o passe, a água fluidificada e assistirem aos trabalhos
doutrinários. Quantas vezes já ouvimos de pessoas nossas conhecidas a seguinte
frase: “Toda quarta-feira eu vou ao Centro. Ah! eu não posso ficar sem os trabalhos!”
Outros, nem bem alguém se arrepie por qualquer circunstância, vêm logo
com a observação: “Você precisa desenvolver mediunidade”. Já ouvimos também: “O
Guia do Centro mandou que eu tomasse 3 passes toda sexta-feira e água fluidificada
diariamente, antes das refeições”.
Ora, convenhamos, está se erigindo uma
idolatria dentro da Doutrina Espírita, substituindo-se
o que é perene, duradouro, pelo transitório, material.
Senão vejamos: não é a Doutrina o Consolador
Prometido, para nos esclarecer, nos orientar, alertando-nos contra os nossos
vícios e as nossas mazelas? Não é a Doutrina uma doutrina de Causas, mostrando-nos
de onde nos vêm os males e ajudando-nos a evitar os efeitos?
Se assim é, de nada adianta tomarmos
água fluidificada, passes, e fazermos orações no Centro, se não modificarmos a
nossa conduta, que é a causa de todos os nossos malefícios.
Se alguém vai ao Centro perseguido pelo
espírito das trevas, receberá, sem sombra de dúvidas, auxílio e socorro. Deverá,
porém, modificar os seus hábitos e a sua conduta, para ficar livre, de vez, do seu
inimigo espiritual. De fato, a Doutrina Espírita nos alivia, porém, não realiza
por nós o trabalho que nos compete. Se voltarmos a incidir nos mesmos erros, os nossos
males voltarão.
Assim, achamos que muita gente tem tomado
o secundário pelo principal, o acessório pelo essencial, porque o substrato, que
é a Doutrina dos Espíritos, tem ficado para trás.
Perguntar-nos-ão: você é contra os passes,
a água fluidificada e as orações?
De forma nenhuma. Quantas vezes já os tenho procurado, como recurso para os grandes
males. Acho que são terapêuticas espirituais de emergência, aplicáveis nos casos
específicos a que se destinam.
O que me preocupa é o fato de se erigirem
falsos ídolos na Doutrina, buscando-lhe as palavras apenas, e se esquecendo do
Espírito que nela se encerra...
Lamento quando o meu irmão se beneficia
da Doutrina, mas não toma conhecimento
dela, iludindo-se supinamente. O que nos liberta, afinal, é o conhecimento da
Verdade.
Convoco, pois, meus irmãos a sermos iconoclastas
de falsas práticas, evitando, com isso, que a parte principal da Doutrina
Espírita, que é a Verdade nela encerrada, possa ficar esquecida, em desuso.
Atentemos para o ensino da Codificação:
“Conhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral”.
Não está claro?
por Felipe Salomão
Brasil
Espírita (FEB)
Jan 1971
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