b/b A Moral do
Espiritismo
No Espiritismo, a ideia dominante no
ensino doutrinário de sua moral é a de progresso, de evolução moral humana. Já
se disse que a moral não é nada se não for o elemento mais essencial e o mais
indispensável do verdadeiro progresso da humanidade. (4) É esse
progresso moral, como fator principal do progresso espiritual, que o indivíduo
deve ter em mira, sem que abandone o progresso em outros domínios, em outras direções,
como o que lhe traz a cultura intelectual, o progresso, enfim, que lhe traz o
conhecimento do verdadeiro e do belo. É um progresso geral que só pode ser
feito gradualmente de encarnação em encarnação, neste e em outros mundos
habitados mais evoluídos e na vida desencarnada, sempre se passando do inferior
para o superior, até que se chegue, ainda com a aquisição de novas qualidades,
desconhecidas e incompreensíveis para nós, à pureza, a uma perfeição, cujo
limite não nos é dado conhecer, mas que não pode ser absoluta, porque perfeição
absoluta só a tem Deus. Se o Cristo disse que procurássemos ser perfeitos como
o Pai celeste é perfeito (Mt. V, 18) não foi porque fosse possível atingir a
perfeição divina, o que seria igualar a Deus, mas para que mantivéssemos em nós
o ideal de perfeição. Sendo o Cristo o ser mais perfeito que já veio à Terra, é
justamente ele que deve servir de modelo e guia.
(4) Alfred
Loisy: La Morale Humaine, pág. III
É com a aplicação
do conhecimento de si mesmo e com o cumprimento de certos deveres, que esse progresso
pode ser realizado.
É pesquisa do conhecimento de si
mesmo, é, de fato, o melhor meio do indivíduo fazer o progresso de suas
qualidades morais. Para ter as regras de conduta moral, Sócrates fazia do
conhecimento de si mesmo um método filosófico. É indispensável que o indivíduo
se habitue a fazer, como disciplina, esse conhecimento, de tal modo que faça
dele também um método para o estudo e desenvolvimento de seu Eu moral, como ele é em psicologia,
estribado na reflexão e observação interior ou introspecção, um método para o
estudo dos estados de consciência.
É
nesse conhecimento que pode estar baseada a autoeducação que o indivíduo deve
procurar fazer. É no estudo moral interior, que o indivíduo deve fundar sua
autoeducação, que concorrerá para o seu aperfeiçoamento moral, desde que seja
feito com esmero e esforço constante. "Para uma autoeducação esmerada, diz
num livro excelente, um Espírito instrutor, é preciso permanente exame de
consciência, a fim de conhecer-se sempre, a todo o momento, o estado da própria
alma. Deste modo, resolvido a aperfeiçoar-se, o indivíduo não perde ocasião de
estimular o desenvolvimento das virtudes nascentes em si mesmo, e de afogar os
vícios e maus hábítos." (5)
(5) Angel Aguarod: Grandes e Pequenos Problemas, pág. 266.
Esse aperfeiçoamento moral é mesmo
um dever para o Espírito encarnado. É o que lhe pode dar o verdadeiro
sentimento de dignidade humana, ou o respeito de si mesmo. É um dever do
indivíduo para consigo mesmo.
De maneira que a moral espírita,
como a moral do Cristo, está toda na exaltação da alma. Isto sem querer dizer,
entretanto, que tudo na vida material seja sem valor. O corpo deve merecer um
cuidado especial, sendo mesmo um dever do indivíduo o da sua conservação, com
as preocupações de saúde e higiene e interdição do suicídio, visto ser ele o
instrumento da alma, visto
ter ele relações com a alma que é preciso manter em equilíbrio. O suicídio,
sendo a morte voluntária, determinada pela falta de coragem do indivíduo na
aceitação das coisas de seu destino, tem, segundo o Espiritismo, consequências
dolorosas na vida futura.
Mas há, acima de tudo, dois grandes
deveres para o indivíduo, que são os dois maiores mandamentos, como disse o
Cristo ao fariseu, doutor da lei, que o interrogou: o de amar a Deus e o de
amar o próximo como a si mesmo (Mt. XXII, 35-39; Mc. XII, 28-31; Lc. X, 25-21).
É, na verdade, um grande dever para
o indivíduo o de procurar despertar na sua consciência a intuição que ele tem
da existência de Deus e amá-lo na sua obra e na sua lei. Para o amar
verdadeiramente, o indivíduo deve procurar cumprir sua lei com todo o
interesse, com todo o rigor, isto é, deve preocupar-se sinceramente com o seu
progresso moral. Nisto, está realmente o amor a Deus, além da adoração e
veneração que ele lhe deve. Assim, nada ou pouco adianta a adoração a Deus, à
maneira das religiões, exclusivamente com a fé, se o indivíduo não cogitar de
pôr em prática sua lei moral, de aumentar seus valores morais.
No dever de amar ao próximo, está,
por assim dizer, enfeixado um conjunto de virtudes que o indivíduo deve
procurar possuir para o preencher. A caridade é a expressão mais perfeita desse
amor, não somente a caridade material, aquela que consiste em dar aos pobres aquilo
que lhes falta, como a caridade moral e sobretudo esta, mostrando-se o indivíduo
disposto a ser tolerante e indulgente com os defeitos de seus semelhantes, mesmo
de seus inimigos, a perdoar-lhes as faltas, em vez de encolerizar-se, a não julgá-los,
a ser afetuoso, benevolente e paciente nas suas relações com eles, na vida
doméstica, cotidiana ou social, a fazer-lhes, enfim, todo o bem possível, de
modo que, tudo resumido, importe na existência da humildade e ausência de orgulho
e egoísmo, que são os dois defeitos mais graves do homem. A caridade pode ir
até o sacrifício, a renúncia. Fora da caridade não há salvação, eis a divisa do
Espiritismo moral. Na caridade, estão contidos os princípios de fraternidade e
solidariedade, que devem existir entre todos os homens. Mas se todas essas qualidades
devem subsistir nas relações dos homens entre si,
claro está que eles deverão acatar os direitos uns dos outros. Nisso está o
dever de justiça, que fica ao lado da caridade, baseado não só no respeito
mútuo, como na identidade de natureza e fim.
Por outro lado, se é um dever para o
indivíduo fazer seu aperfeiçoamento moral, como afirmação ou imperativo
categórico de uma lei moral, que é a lei ensinada pelo Cristo, se ele tem a
liberdade de praticar todos os atos necessários para esse fim, tem também a de
não praticá-los, ou praticá-los de modo que se contraponham a esse fim. Pela
sua própria vontade, pode fazer o bem ou fazer o mal. Sendo o indivíduo livre,
assim como pode cumprir essa lei moral, também
pode
violá-la, tornando-se nesse caso responsável pela violação. Há, portanto, uma
liberdade dentro da qual o indivíduo pode mover-se, liberdade tanto mais limitada
quanto mais inferior espiritualmente ou moralmente for ele, e que se vai
alargando à medida que vai evoluindo moralmente ou espiritualmente. Há, assim, apenas
uma liberdade moral. A liberdade e a responsabilidade são, destarte, para o
indivíduo noções correIativas.
Estando a lei moral sujeita
livremente à observação ou violação, é preciso ver qual é o sistema de sanções
que ela acarreta. No Espiritismo, elas são de ordem espiritual puramente, sem
que, todavia, ele se, oponha às sanções de ordem material, as que aparecem por intermédio
das leis penais, contanto que não afetem a conservação pessoal, como, por
exemplo, a pena de morte e sejam mais educativas que punitivas. São a sanção chamada
natural pelos moralistas e a da vida futura. São sanções que existem, não para que a lei
moral seja cumprida, mas porque ela não foi cumprida, ou foi violada.
Na sanção natural, resultante dos
atos praticados conforme a lei moral, surgem no indivíduo as consequências
felizes ou infelizes. Os atos bons trazem necessariamente a felicidade, mais
tarde ou mais cedo, como os maus a infelicidade. O indivíduo, que é justo com
seus semelhantes, tem sempre o melhor meio de obter a justiça para si mesmo.
Quando não há para o indivíduo a recompensa imediata, há pelo menos a de sentir-se
mais digno, há como que um "crescimento do ser".
Na sanção natural, está inserida a
sanção da consciência. A consciência tem sido tomada por um juiz infalível, que
"recompensa com as alegrias do dever cumprido ou pune com as torturas do
remorso", tanto na vida corporal como na. vida espiritual.
Na vida futura ou espiritual, é onde
aparecem as verdadeiras sanções decorrentes da lei moral. Aparecem na sua
plenitude e na maior intensidade. O Espírito, pela sua natureza fluídica,
apresenta-se na vida espiritual com suas sensações, percepções e faculdades
mais intensas, mais agudas, assim como com seus sentimentos mais fortes, de
modo que tanto o bem como o mal, tanto
as penas, que trazem o sofrimento, como as recompensas, que trazem a
felicidade, são mais vivas.
O sistema de sanções da vida futura
no Espiritismo é um passo a mais dado sobre o sistema de sanções que foi
pregado pelo Cristo, como este foi além do que pregou a lei mosaica. No Espiritismo,
as sanções espirituais são, sobretudo, baseadas em observações mediúnicas. São
os próprios seres saídos da Terra que vêm relatar as situações em que se
encontram na vida espiritual, quando violam ou seguem os preceitos morais,
descrevendo suas posições felizes ou infelizes. É preciso ler o Céu e o Inferno, de Allan Kardec, (6)
para se notar a triste e dolorosa situação dos Espíritos culposos que povoam o
espaço, ou já ter assistido às sessões espíritas de beneficência, onde se
procura dar alívio e consolo a esses Espíritos, para se ver como eles aparecem
com os sofrimentos, às vezes, os mais pungentes
(6) Allan Kardec: Le Ciel et L'Enfer ou Justice divine selon le Spiritisme, Paris,
1865.
No código penal da vida futura, que
foi publicado no Céu e o Inferno,
Allan Kardec define não só as sanções espirituais provenientes dos males feitos
na Terra pelos seres que se tornam depois Espíritos sofredores, inclusive as
sanções expiatórias, como as daqueles que praticaram o bem e que se tornam
Espíritos felizes, que merecem as recompensas. Deste modo, as sanções são sempre
proporcionadas ao grau de mérito ou demérito do indivíduo.
Assim como na moral espírita tudo se
resolve na lei do amor, nas sanções tudo se resolve em reações às violações
dessa lei. Mas como o desconhecimento dessa lei ou suas violações são
imperfeições do indivíduo, as sanções não são senão reações a essas
imperfeições. Por isso, Allan Kardec, depois de ter estudado detalhadamente
todas as sanções da vida futura, mostrando que seus elementos principais estão
no arrependimento, expiação e reparação, resume essas sanções na questão das
imperfeições individuais ou falta de progresso moral, em três regras
principais: 1ª - "O sofrimento está ligado à imperfeição moral"; 2ª -
"Toda imperfeição, toda falta que decorre dela, contém em si seu próprio castigo,
por suas consequências naturais e inevitáveis, sem que seja preciso uma
condenação especial, para cada falta e cada indivíduo"; 3ª - "Todos
podem desfazer-se de suas imperfeições pela vontade, podem afastar os males,
que são consequência dessa imperfeição e assegurar assim na felicidade
futura". (7)
(7)
Allan Kardec: Le Ciel et I'Enfer,
pág. 109.
por Chrysanto de Brito
in ‘Allan Kardec e o Espiritismo’
Ed. ECO – ano ?
Nenhum comentário:
Postar um comentário