Testemunho
da Hora
“Que cada um de vós saiba possuir seu vaso
em santificação e honra.” Paulo, 1ª Epístola aos Tessalonicenses,
cáp. IV.4
No tumulto das paixões que faccionam
a consciência do mundo, objetivando
conquistá-lo em penhor de melhores padrões de vida coletiva, sentimo-nos
tranquilos e à vontade para acompanhar os acontecimentos, sem neles nos
envolvermos, de outro modo e com critério outro que não o imposto pela noção
mais altanada da própria vida.
De fato, atidos ao conceito não já
conjectural mas experimental de uma sobrevivência progressiva ao indefinito e
conjugada ao ritmo de um determinismo providencial e imanente; sabendo que
nossa presença neste cenáculo é contingente e transitória; é óbvio que
deslocado temos o centro de gravidade de todas as possíveis atividades e aspirações
de ordem temporal, sejam quais forem os meios de ação e cooperação que o
destino nos assine e faculte.
Humanos, chamados ao testemunho da carne,
não raro angustioso por consequente de
tremendas faltas pregressas, sabemos, os espiritistas, que nada se alcança nem
dispensa na lei senão por força da lei.
Tentar a felicidade, própria ou
alheia, individual ou coletiva, à revelia da lei ou, o que é pior - em
detrimento da lei, que é Amor num sentido absoluto - será, quando muito, entrar
no jogo das forças inconscientes, que ainda testificam daquele escândalo necessário
a que alude o Divino Mestre, mas, não será legitimar a própria emancipação, na partilha
do legado que se auspicia ao mundo, já em novação de ascese, no concerto universal.
Em sentido mais estrito, poderia
objetar-se que ninguém ilude a lei de esforço e trabalho
terrenos, igualmente divina e que, de qualquer forma, bem ou mal, o terrícola participa
e serve aos desígnios de Deus: mas a verdade é que há duas formas de cooperação
nesses desígnios, ou sejam - ativa, consciente e ascendente, e passiva, cega e
descendente.
A primeira, ao nosso ver e para a
hora espiritual do planeta em reajustamento de ritmo universal, será a que nos
mantenha ao nível de uma renovada humanidade, nesta mesma esfera; a segunda, a
que nos relegue a planos inferiores, onde não deixaremos de instrumentar o
progresso, acorrentados, porém, às paixões que ainda aqui nos agitam e
consomem, em áscuas[1] de
morte.
As “trevas exteriores” da cita evangélica.
*
Estas perspectivas com este critério
serão, possivelmente, extravagantes e quiçá ridículas aos olhos dos leigos e de
quantos, não leigos, ainda se
aferram a sistemas religiosos metafísicos e abstratos.
Joguetes confessos de uma fatalidade
absurda, por igual indefinita, quais seixos rolantes ao sabor das correntes,
sem lhes saber da causa e dos rumos, quando muito, nutridos de pábulos míticos
que as realidades se incumbem de anular a todo instante, é natural que ao mundo
sirvam, exclusivamente, e só a ele e dele requisitem, a qualquer preço, o exíguo
quinhão de felicidade que mal entressonham e bem lhes foge em tenuidades de
sombra.
O crente espírita, entretanto, sabe
que essa felicidade não existirá no mundo, antes que
possa cada qual realiza-la em si e por si mesmo, no imo da alma.
Realizar um estado social de
harmonia, ainda que relativa, é hipótese só concebível mediante
uma compreensão integral do fenômeno da vida, não apenas no complexo acidental
das aparências, mas num sentido causal e mais profundo.
Ora, queiram ou não queiram os
nossos humaníssimos filósofos, pensadores, estadistas, duces e furers, ortodoxos
e heterodoxos de todas as gamas e matizes, só a Doutrina dos Espíritos, velha
quanto o mundo com os Profetas, mas renovada agora nos prismas da Terceira Revelação, pode propiciar ao
homem o conhecimento integral de si mesmo, em função dos seus destinos.
Radicada na tradição quanto apoiada
em fatos; falando ao coração quanto à razão; permeável
e acessível a todas as inteligências e consciências, só ela pode, de direito e de
fato, concretizar, para viver, praticamente, esse regime de paz, que se já
delineia em pruridos de aspiração universal.
Mas, para isso, não se requer, como
poderiam supor os menos advertidos, que abneguemos dos nossos deveres e
compromissos propriamente mundanos, ou que vamos violentar
a ordem social, politica ou material do mundo.
Basta que abneguemos de nós mesmos cada
qual no círculo de influência e atividades que se lhe depare, nada omitindo
como homem, mas tudo fazendo, primacialmente, como criatura de Deus.
Destarte, absurdo também fora supor
que o Espiritismo indisponha o homem para o
desempenho de quaisquer atividades terrenas, tanto mais quanto, sabemo-lo, tudo
se ajusta,
na vida de relação, às provas antecipada e livremente escolhidas.
No usufruto de uma liberdade
condicional e sempre relativa é que incide o perigo das
subversões e desvios, com agravo maior de responsabilidades, para quantos já conhecem
o alcance da palavra que diz: muito se
pedirá a quem muito se houver dado.
De promessas falazes e simbolismos abstratos
anda o mundo cheio; não faltam, nesta hora de sérios testemunhos, taumaturgos,
salvadores de almas e de povos; os espiritas, nos vórtices dos entreveros,
precisamos viver a doutrina, honrando lhe os princípios, sem de modo algum nos
esquivarmos ao tributo do mundo, mas, tanto quanto possível, sobranceiros às
paixões do mundo.
E para isso, em consciência, o que
mais importa é compreender e sentir; para exemplificar, antes de pregoar,
deixando aos lídimos Servos do Senhor
o amanho do alfombre para a germinação da semente.
A nós, o que nos compete, não é
deblaterar e combater a iniquidade; mas pedir a Deus que o tumulto de
iniquidades não nos esmoreça na fé, que, por misericórdia e de acréscimo já nos estrutura o Ideal em forais
de eternidade.
Fé que se não estima e equipara à matéria
plástica, por forjar-se e impor-se em
cânones de convenção, mas que se afirma patrimônio
da alma, espontâneo, inalienável e incoercível
em suas fontes divinas, sagradas, intangíveis.
Pois seja esta fé o nosso testemunho
da hora.
Editorial do Reformador (FEB)
em
16 de janeiro de 1937
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