domingo, 24 de junho de 2012

34. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'



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            VI   As vidas sucessivas, na opinião do eminentes pensadores. Documentação pelos fenômenos da psicologia experimental. O Evangelho dá testemunho d'essa verdade, proclamada pelo Cristo. Renascimento da água e do espírito.  Esquecimento do passado; conservação da memória substancial. Reminiscência excepcional de anteriores vidas. Exemplos.

            Vimos precedentemente que, a não ser para as almas timoratas que se não atrevem a buscar, fora do círculo implacável do dogmatismo religioso, a explicação da vida e a revelação integral, do destino humano, ou para certas mentalidades enfeudadas a um preconceito científico, já hoje indigno de atenção, que prefere admitir a intervenção do acaso a reconhecer uma suprema Inteligência na organização de todas as coisas no universo, tudo regulando mediante leis sábias e, por isso mesmo, inflexíveis, para todo aquele que com um entendimento desanuviado de paixões busca surpreender a harmonia, que necessariamente existe entre essas leis e as aparentes anomalias e singularidades que apresenta a vida neste mundo, só o princípio da pluralidade de existências para cada espírito aceito pela razão e documentado pelos fatos, como veremos em seguida, é capaz de satisfazer os reclamos de semelhante indagação, pondo em relevo aquela soberana Justiça, que é das mais nobres aspirações da consciência humana.

            Assim o entenderam grandes pensadores, cujo pronunciamento, antes que essa verdade passasse ao domínio das comprovações científica, atestar a clarividência do seu descortino, demonstrando ao mesmo tempo que, se para um século de materialidade, que erige o testemunho dos sentidos em critério exclusivo de certeza, só a prova direta e objetiva autoriza o conhecimento da verdade, esta  pode ser muito mais cedo percebida mediante o sentido íntimo do espírito.

            Com os depoimentos de tais clarividentes pensadores a favor das vidas múltiplas poder-se-iam encher volumes.  Contentar-nos-emos, por nossa parte, a título de ilustração teórica, com a citação de alguns mais expressivos.

            Jamblico, filósofo grego, em seu TRATADO DOS MISTÉRIOS EGIPCIOS, assim se pronuncia (1):

            (1) Ver A. de Rochas, LES VIES SUCCESSIVES, pags. 12.

            "A justiça de Deus não é a justiça dos homens. O homem funda a justiça em relações estabelecidas por sua vida atual (resultantes de seu estado presente: Deus a estabelece relativamente a nossas vidas sucessivas e à universalidade de nossas existências.
            Assim os sofrimentos que nos oprimem são muitas vezes a punição de um pecado pela alma cometido em vida anterior. A razão desse fato nos é por Deus oculta algumas vezes; nem por isso contudo o devemos atribuir menos a sua justiça."

            No ponto de vista do problema dos renascimentos, em si mesmo, não é menos positiva a opinião de Cícero, o eloquente orador e célebre escritor latino.

            "Quanto à origem eterna das almas - diz ele (2) - não vejo em que se possa pô-la em dúvida, se é verdade que os homens vêm ao mundo providos de um número considerável de conhecimentos. Ora, uma grande prova de que assim é, consiste na faculdade e na rapidez com que as crianças aprendem essas artes dificílimas em que há uma infinidade de coisas a compreender, o que permite acreditar que elas lhes não são novas e que o ensinar se Ihas não faz mais que lh'as reavivar na memória. É o que o divino Platão nos leciona."

            (2) Obra citada, pags . 13.

            Passando da antiguidade aos tempos modernos e omitindo, para não alongarmos demasiado as citações, entre os vultos daquele período vários outros significativos testemunhos, ouçamos em primeiro lugar Victor Hugo, que, com a eloquência da sua genialidade, assim respondia aos ateus, em 1866, num documento divulgado por Arsenio Houssaye (3):

            (3) Idem, ibidem, pags . 25 e 26.

            "Quem nos diz que eu não me encontro novamente na sucessão dos séculos? Shakespeare escreveu: "A vida é um conto de fadas que se lê pela segunda vez." Poderia ter dito: "pela milésima vez;" porque não há século em que eu não veja passar a minha sombra.
            "Não acreditais nas personalidades movediças (isto é, nas reencarnações) , a pretexto de que vós não vos recordais de coisa alguma de vossas anteriores existências. Mas como guardaríeis impressa a recordação dos séculos que se foram, quando já vos não lembrais das mil e uma cenas de vossa vida atual? De 1802 para cá têm havido em mim dez Victor Hugo. Imaginais contudo que eu me lembre de todas as suas ações e pensamentos?
            "Quando eu houver transposto o túmulo, para de novo encontrar uma outra luz, todos esses Victor Hugo me serão de alguma sorte estranhos; a alma, porém, será sempre a mesma.
            "Sinto em mim toda uma vida nova, toda uma vida futura. Assemelho-me à floresta que foi repetidas vezes derrubada; os novos rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Sinto-me subir, subir para o infinito. Tudo é radioso em minha fronte. A terra me fornece a seiva generosa, mas o céu me ilumina com o esplendor dos mundos entrevistos.    
            "Dizeis que a alma não é mais que a expressão das forças corporais. Porque então minha alma é mais luminosa, quando as forças corporais me vão dentro em breve abandonar? O inverno se ostenta em minha fronte, mas a primavera eterna me reside na alma. Aspiro nesta idade os lilases, as violetas e as rosas como aos vinte anos.
            "Quanto mais me aproximo do fim tanto mais escuto em torno as inextinguíveis sinfonias dos mundos que me atraem.
            "Venho há meio século escrevendo meu pensamento em prosa e verso : história, filosofia, drama, romance, legenda, ode, sátira, canção, etc.: tudo tenho experimentado; sinto, porém, que não disse a milésima parte do que está em mim. Quando repousar no túmulo, não direi como tantos outros: terminei meu dia. Não, porque meu dia recomeçará na manhã seguinte. O túmulo não é uma viela fechada, é uma alameda;  e torna-se a abrir-se ao repontar da aurora."

            Assim se exprimia o excelso lidador dos mais nobres ideais do século passado, na generosa França. Não menos convencido da imortalidade do espirito e da pluralidade de suas existências se mostrava esse outro gênio - que o foi, por sua vez, do pensamento eslavo - seu digno irmão no mesmo sonho de redenção e de igualdade humana, que se chamou Leon Tolstói.

            Numa entrevista concedida em 1908, dizia ele (1):

            (1) Ver obra citada, págs. 27.

            "Tal como os sonhos de nossa existência terrestre constituem um estado durante o qual vivemos de impressões,  de sentimentos e pensamentos relativos ao nosso viver anterior e fazemos provisão de forças para o despertar na sucessão dos dias, assim toda a nossa vida atual constitui um estado durante o qual vivemos mediante o KARMA da vida precedente e fazemos provisão de forças para a vida futura.
               
            "Assimn como vivemos de milhares de sonhos durante a nossa existência terrestre, identicamente é esta uma das milhares de vidas em que entramos ao sair da outra vida, mais autêntica e real, a que depois da morte regressamos.
            "Nossa vida terrestre é um dos sonhos de urna outra vida, mais real, e assim sucessivamente, até o infinito, até a derradeira vida, que é a vida de Deus."

            A seu turno Oliver Lodge, o eminente reitor da Universidade de Birmingham, a cujo testemunho em favor dos fenômenos espíritas tivemos ocasião de nos reportar no capítulo III, igualmente entrevistado, em 1906, emitiu a seguinte opinião, que tanto tem de original como de valiosa, pela autoridade científica do seu autor (1):

            (1) Ob. citada, págs. 28.

            "A ideia de que já existimos no passado e devemos existir no futuro é tão antiga como Platão. Nela não há novidade alguma. Disse um poeta que "nós somos bem maiores do que o pensamos;" significa isso que a totalidade do nosso ser jamais se acha encarnada. Parece-me que, ao nascer, um pouco desse amplo eu, que constitui meu ser, se encarnou e, à medida que o corpo se desenvolve e pode conter-lhe uma parte sempre maior, nele se vai infiltrando pouco a pouco, umas vezes menos, outras mais, Quando se infiltra muito e se ostenta vigoroso, costumamos dizer: "aí está um grande homem". Se ao contrario se infiltra pouco, bem pouco mesmo, observamos: "não está completo." Nenhum de nós está "completo."
            "E quando esse corpo fica u sado, vamos nos reunir à grande parte de nós mesmos; depois uma outra parte de nós mesmos reencarnará e assim por diante. As diversas partes do grande eu se unirão sucessivamente à matéria por um determinado tempo, a fim de receberem uma educação que, parece, não pode ser diversamente adquirida. É uma espécie de educação particular que se efetua em cada planeta, utilizando as partículas materiais que desse planeta extraímos pela nutrição e por outros meios diferentes.
            "Não é ciência o que neste momento estou fazendo; são hipóteses, mas baseadas em fatos, tais como os fenômenos de memória anormal, de personalidade múltipla, de transe, etc., os quais não estão ainda cuidadosamente estudados, e que, entretanto, o devem ser, se queremos aclarar esse problema da vida após a morte."

            A esses testemunhos acrescentaremos somente os dois seguintes, joeirados entre dezenas de outros com que o doutor Th. Pascal abundantemente documentou a sua obra ESSAl SUR L'ÉVOLUTION HUMAlNE, o primeiro do fecundo escritor alemão Lessing, significativo pelo seu cunho de livre racionalismo, em matéria de crítica religiosa, e o último devido a Schopenhauer, que tão alho renome conquistou no domínio da filosofia contemporânea.

            Na EDUCAÇÃO DA RAÇA HUMANA, opondo veemente replica a um, pastor luterano anti-reencarnacionista, escreveu Lessing (1):

            (1) Ver a indicada obra do DR. PASCAL, págs. 292.

            "Todo homem tem que seguir, cedo ou tarde, a senda que conduz à perfeição. Pode isso realizar-se em uma mesma e única existência? É possível em uma vida ser-se ao mesmo tempo judeu sensual e cristão espiritualizado? Certamente não. Porque não haveria, pois, todo individuo de aparecer mais de uma vez neste mundo? Seria ridícula essa hipótese, porque é a mais antiga das que tem concebido a humanidade e porque a razão humana de pronto a compreendeu, nesses primitivos tempos, em que ainda se não havia debilitado com os sofismas das diversas escolas?
            “Porque já não teria eu passado por ,todas as fases do progresso humano, fases determinadas por punições e recompensas temporárias? E porque, estimulado pela esperança de uma eterna recompensa não teria eu passado, noutro momento, por fases superiores? Porque não voltaria outra e outra vez, tantas quantas venha a ser enviado, para adquirir maior conhecimento e realizar sempre novas obras? Terei já operado tais coisas que me seja inútil o voltar? Seguramente não. Será então porque esqueci já ter vivido; - e feliz sou eu com esse esquecimento!
            "A lembrança de minha vida anterior me impediria de fazer bom uso da atual; e se agora sou obrigado a esquecer o passado, provaria isso que ele está esquecido para sempre?"

            Quanto a Schopenhauer, de quem com razão diz, o Dr. Pascal que os seus contemporâneos e sucessores organizaram uma espécie de conspiração do silêncio contra a sua crença nas reencarnações, em sua obra PARERGA ET PARALIPOMENA (vol. II, cap. XV Ensaio sobre as religiões) assim se externou ele (2):

            (2) Obra cit., págs. 296-297.

            "Alguns dos absurdos mais evidentes dos dogmas cristãos se podem explicar pela união de dois ensinos tão diferentes como os do Antigo e do Novo Testamento. Disso temos um exemplo na doutrina da predestinação e da graça. Pretende S. Agostinho que a graça é concedida a um indivíduo, recusada a um outro, desde o nascimento, posto seja ela um privilégio que confere ao seu possuidor as maiores bênçãos espirituais. O absurdo e a malignidade dessa doutrina residem simplesmente na suposição, contida no Antigo Testamento, de que o homem é o produto de uma vontade desconhecida que o criou do nada.
            "Se, ao contrario, admitindo que o homem vem ao mundo com qualidades morais inatas, consideramos esse fato à luz da metempsicose bramânica e budista, outra, inteiramente diversa, é a aparência que ele toma. Porque, segundo a metempsicose cose, as qualidades inatas, que se encontram num homem e faltam noutro, não são o gratuito presente de uma ignota divindade, mas o fruto das ações pessoais de cada individuo, numa existência precedente.
            "A parte absurda e revoltante do dogma cristão, (1) de que acabamos de falar, é devida portanto unicamente ao teísmo judaico, à doutrina da criação ex nihilo e, por conseguinte, à negação incompreensível e funesta da doutrina, tão natural e esclarecedora, da metempsicose, na qual - excetuados os judeus - em todos os tempos a humanidade acreditou.

            (1) Da teologia dogmática da igreja - deveria antes dizer o eminente pensador. - Porque, como veremos adiante, esse princípio da pluralidade de existências da alma, familiar pelo menos aos judeus esclarecidos, que o viam consignados na KABALA e no TALMUD, foi proclamado pelo Cristo, em mais de uma ocasião. E entre os mesmos padres dia igreja, como igualmente se verá, alguns o admitiam abertamente, vindo embora a ficar abafada a sua clarividente opinião.

            "Pedisse-me um asiático a definição da Europa, e eu seria obrigado a lhe responder: É esta parte do mundo que vive atormentada pela inacreditável ilusão de que o homem foi criado de nada e que o seu atual nascimento constitui a sua primeira exibição na vida ... "




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