sábado, 23 de junho de 2012

O Consolador



 O Consolador
                                                                 
por  Rodolfo  Calligaris


            Durante dezenove séculos tem-se ensinado aos cristãos a crença em um Deus antropomorfo, rancoroso e vingativo, cuja cólera contra a espécie humana, motivada pela desobediência do primeiro homem, só pode ser extinta com o sacrifício de Seu Filho; um Deus que, residindo lá no Alto, se mantém indiferente à sorte de Suas criaturas, contentando-se em receber, depois da morte, pequeno número delas em um céu fabuloso, onde, por toda a eternidade, não teriam outra ocupação senão contemplá-Lo e cantar-Lhe louvores, enquanto as demais seriam lançadas a um inferno de tormentos indescritíveis e sem término!

            As causas que privariam estas últimas dos gozos (?) do paraíso seriam, quanto a uns, a falta de fé, ou seja, a falta de capacidade intelectual para aceitar certos dogmas estabelecidos conforme interpretações dilatórias da Bíblia (repositório de revelações graduais em que cada seita escolhe o que lhe agrada, rejeitando o resto), e, quanto a outros, a queda ante as ciladas e artimanhas do "demônio", que, mais sagaz que o Criador, frustra-Lhe os propósitos de salvação universal, arrebatando-Lhe a imensa maioria de suas criaturas!

            Uns e outros, entretanto, - segundo as igrejas ortodoxas - poderiam comparecer instantaneamente à presença de Deus, expungidos de todas as fraquezas e imperfeições humanas, desde que, no último momento, se submetessem aos cânones delas ou demonstrassem sincera contrição, como se o consentimento a opiniões dogmáticas tivesse o poder de purificar as almas e uma vida sensual e criminosa pudesse ser resgatada por um simples grito de arrependimento no leito mortuário!

            O Consolador, divergindo profundamente dessas concepções arcaicas, engendradas por teólogos de gerações menos desenvolvidas, não nos fala de um céu de torpor eterno, mas sim de uma atividade útil, evolutiva e incessante, em que cada ação produz seus próprios efeitos, sendo, pois, a felicidade, diretamente proporcional ao exercício do bem e ao progresso realizado.

            Esclarece-nos também que não há outro inferno senão o que está na alma aflita, acabrunhada de remorsos e de angústias pelas suas prevaricações.

            O "castigo", para usarmos o termo comum, é apenas o efeito mediato e natural do pecado consciente. Não é uma pena aplicada ao arbítrio de Deus, mas o resultado inevitável da violação da lei que rege as ações; corresponde sempre à natureza e gravidade da falta, e sua duração depende do arrependimento do espírito culpado. Esse arrependimento, é claro, não o isenta da expiação, isto é, dos sofrimentos resultantes das faltas cometidas, porque as consequências da transgressão não podem ser evitadas, nem tampouco o dispensa da devida reparação, que consiste em fazer o bem àqueles a quem haja feito o mal; todavia, é o primeiro passo de sua libertação. Tão logo tome melhores disposições e se torne sensível às influências do bem, sua atmosfera espiritual muda e almas bondosas se apresentam para auxiliá-lo a redimir-se e a progredir.

            Assim como aqui na Terra há criaturas abnegadas e generosas que se dedicam à tarefa de ajudar os abandonados e os que se aviltaram nos chavascais do vício e do crime, salvando-os da degradação e conduzindo-os ao bom caminho, também no mundo espiritual há seres puros e devotados cuja missão é socorrer as almas infelizes e degradadas, guiando-as no conhecimento de Deus e amparando-as em sua purificação através das esferas de provança.

            Diz-nos ainda o Consolador que nenhuma religião terrestre sobreleva as outras, senão pela soma de boas ações que haja inspirado a seus prosélitos; que ninguém é punido por haver crido desta ou daquela forma, eis que o caráter e a pureza de sentimentos é tudo.

            Estas revelações do Espiritismo, que tanta luz projetam em nossas mentes e tão grandes consolações proporcionam às nossas almas, pois são o complemento dos ensinos de Jesus, para outros, os aferrados às velhas crenças, não passam de heresia, de doutrina demoníaca. Não é de estranhar. A pretensiosa ignorância sempre se insurgiu, em todos os terrenos, contra as coisas novas, na persuasão de que os seus conhecimentos eram suficientes, irreformáveis, absolutos, aos quais nada se poderia acrescentar.

            Não aconteceu o mesmo a Jesus? Os que observavam o moisaísmo, repleto de formalismos e preceitos vãos, repudiaram o Mestre, perseguiram-no e o crucificaram porque - gritavam - desrespeitava a Lei e ultrajava a Deus, quando ele apenas destruía ordenações humanas a fim de poder purificar os mandamentos divinos.

            Igualmente o Espiritismo, que é o Consolador, o que faz não é destruir a doutrina cristã, mas desembaraça-la das excrecências que a desfiguram e das fábulas que já não satisfazem às necessidades espirituais da Humanidade, para oferecer ao mundo uma fé mais nobre, mais racional e mais pura.




Reformador (FEB) Janeiro 1971



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