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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
Aos Ministros
da Igreja
Eu não venho magoar
as almas dedicadas,
que inda guardam no
peito as flores do Passado,
embora sem perfume
e um tanto deformadas,
por terem-nas
assim, tanto tempo, encerrado,
sem receber os
raios do astro que se chama
Razão e que desfaz
o Erro e o Temor,
nascidos do veneno
Mentira em derrama
nos brandos
corações dos que creem com ardor.
Ó almas, como vós,
eu também consagrava
um afeto sincero à
crença de meus pais;
mas, um dia, a montanha,
que eu idolatrava,
tombou por terra e
não pude elevar-se mais.
É que meu pensamento,
a girar incansável,
costumava abranger,
com seu arguto olhar,
a base principal da
Fé inabalável,
Penetrando a
Doutrina em modo singular.
Mas, oh! nunca
julgueis que o ente que vos fala
tenha sido na Terra
um descrente, um ateu
(quando a crença é
robusta, nada a alue, abala;
nas não perdurará,
se do Erro nasceu)
Eu sempre acreditei
num Deus consolador,
que tinha para o
crime um gesto de perdão
e que amparava a
infância, com divino Amor,
acalmando a tortura
a todo coração.
Afagando ideal mais
reto e mais brilhante,
eu senti dentro
d'alma a Análise feroz
revoltar-se,
brandir, impávida, triunfante,
contra os erros do
Clero, o azorrague atroz.
Por isso, entrelacei
em rimas corruscantes
a Evidência, que
vinha, intrépida, mostrar
que desfazer podia,
em rápidos instantes,
a montanha dos
erros que estava a enterrar,
a consciência
humana em treva e no monturo,
como um verme que
teme a luz do Sol radiante;
sufocar, para sempre,
esse Passado obscuro,
p'ra não enodoar o
Porvir cintilante,
Mas, quando, na
velhice, nublava o viver
o véu da
enfermidade, eu muito padeci;
pressentindo o
momento em que ia adormecer
na campa, deplorava
aquilo que escrevi.
Eu queria dormir na
paz abençoada,
cerrar os olhos
meus sob a luz do Perdão;
por isso vacilei,
no fim de uma jornada:
julguei ter
maculado uma religião.
Mas, logo após a
morte, eu tive a felicidade
de poder devassar,
por entre os esplendores,
a face virginal e
austera da Verdade,
tão pura como o
odor que evola-se das flores.
E digo-vos, bem
alto: vós encarcerais,
ó ministros da
Igreja, em treva e no mistério,
envoltas no negror das farsas clericais,
as verdades que
emanam do esplendor sidério.
Jesus, bem
compreendeis, vivia pobremente,
e no mundo deixou o
exemplo da Bondade,
como um livro de
Luz, imenso e refulgente,
que dará instrução
a toda a Humanidade.
Mas, e vós, que
fazeis? Cumpris a lei sagrada?
Respeitais,
porventura, o nome de Jesus?
A crença é para vós
o mesmo que uma empada,
por isso negociais
esse manjar de Luz!
E digo-vos também,
sem faltar à verdade,
embora me lanceis
de novo a excomunhão:
se celebrais a
missa, pela Caridade,
embolsais,
entretanto, os lucros da função!
Eu bem sei que
existiram alguns missionários
da Igreja que
cumpriram grandiosas missões;
mas, estes, foram
pobres, simples operários,
e não se
enriqueceram com as orações,
pois tinham como
lemas a Fé e a Humildade;
enfrentavam com
calma os olhares hostis,
falando ao coração
da pobre Humanidade
na linguagem ideal
de Francisco de Assis
andavam andrajosos;
quando porventura,
maldosamente, alguém
chamava-os desvairados
por única resposta
riam com brandura,
com ar sereno de
homens bem aventurados.
Porém, estes
ensinos foram olvidados
pelo Clero, que tem
por única divisa
encher cada vez
mais os cofres recheados
pois nunca chega o
ouro que a Igreja precisa.
E semelhante
absurdo repugna à Razão.
A Igreja quer ter jus
a ricas oferendas.
e, para isto, exibe,
em santa exploração,
os mártires cobertos
de sedas e rendas;
Jesus, que
abençoava as sombras seculares
das árvores, viveu
contemplando a amplidão,
vive agora
escondido à sombra dos altares,
com uma coroa de
ouro, o báculo na mão!
E aos pés de uma figura
a Humanidade ajoelha,
a fazer o sinal da
cruz, maquinalmente,
no gesto glacial e
vago, onde se espelha
falsa credulidade
de um povo inconsciente.
E o Cristo, que
contempla do Alto estas baixezas,
derramando por
sobre a pobre raça humana
o seu pranto, onde
as mais seráficas tristezas
vibram na dor
imensa e soberana;
Ele, que lá dos
mundos seus, celinos,
derramou sobre mim
a luz da Inspiração,
Jesus, o protetor
dos pobres pequeninos,
Jesus também
reprova a torpe exploração!
E vós que procurais,
mesmo desencarnados,
interromper o curso
à Doutrina Sagrada,
eu vos afianço que,
ó pobres desvairados,
não podereis
manchar a esplêndida Alvorada!
1º de Fevereiro de 1929
NOTA - Estes últimos quatro
versos foram dirigidos a espíritos adversos que, presentes,
tentaram perturbar
a reunião, durante o tempo em que o Espírito de Guerra Junqueiro,
incorporado
na médium, declamava a poesia.
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