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Fenômenos
de Materialização
autor: Manoel Quintão
Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1942
Ainda
para esse trabalho não se extinguiu, apenas se graduou a luz da sala, cujas
portas permaneciam fechadas. Dentro em pouco, sem vermos
qualquer sombra ou fantasma, ouvimos o marulhar da água, como se alguém a
agitasse no balde. Depois, pediram-nos que estendêssemos a mão e recebemos,
emocionado, esta flor delicadíssima, ainda quente, e em cujas pétalas podereis
distinguir as impressões digitais do manipulador.
O
fato de nos ser entregue ainda quente (e bem quente) é um desmentido a quantos,
mesmo no Pará, dizem que tais artefatos são adrede preparados e
artificiosamente conduzidos ao recinto das experiências. Entretanto, estávamos
todos nos entrevendo e fiscalizando ali. Ninguém se moveu dos seus lugares. E
como se aqueceria aquela prenda, tão frágil, antes que se não quebrasse nas
vicissitudes de um suposto esconderijo?
Da
probidade, da idoneidade moral dos circunstantes não falaremos. Não falaremos
da estultícia dessa presunção de que pessoas de critério reconhecido, sem interesse
material qualquer e com sacrifício mesmo de tempo e comodidades se reúnam pelo
só prazer de se mistificarem, mistificando os seus semelhantes. São valores de
apreciação com os quais não contamos nesta tese, tanto sabemos que, para certa
classe de gente, a integridade alheia só pode coexistir com a sua forma de ver
as coisas. Compreendemos, de sobejo, aquela zona lúcida de que nos fala o Dr.
Gibier (1), fora da qual o indivíduo nada vê, nada sente, nada
sabe. Acusando-se fatigado o médium, levantamos a sessão.
(1) Analyse des choses
Emprazado
para a segunda prova, a de materialização propriamente dita, a ela comparecemos
disposto, mais que nunca, à observação quanto possível rigorosa. Assim, novo
exame na sala, na mesma sala; minuciosa investigação da gaiola de ferro, da câmara
escura, da disposição das cadeiras, da lâmpada elétrica, das portas, de tudo
enfim.
A
assistência variou de algumas pessoas, cresceu de número, mas lá estavam as de
maior destaque, que haviam assistido à primeira sessão.
Pedem-nos
que examinemos a gaiola na qual fica encerrado o médium. Essa gaiola é um
quadrado de ferro, cujos varões tocamos um a um, experimentando lhes a firmeza
do conjunto e a integridade singular. As colunas angulares, sejam os quatro pés
da gaiola, assentam sobre um estrado de madeira inteiriço, ao qual, por
dispositivo especial, ficam solidamente parafusados, pelo sistema de rosca.
Perguntaram-nos se queríamos lacrar as porcas. Dispensamos essa precaução inútil,
uma vez que a sessão se faria com luz graduada e nós mesmo manejaríamos a chave inglesa.
Externamente, qualquer tentativa para desparafusar a gaiola seria de todos
percebida. Internamente, o "médium" jamais poderia manejar a chave
inglesa. E que o pudesse, para sair houvera de suspender a gaiola e o biombo
dentro do qual ia ficar.
Não
foi, confessamos, sem certa mágoa que vimos aquela senhora respeitável, de
fisionomia austera quão benevolente, trajando um costume azul escuro, entrar
para aquela prisão, na qual havia uma cadeira, em que ela se assentou, meio de
lado e debruçando-se no respaldo, tal como se vê nesta fotografia (1).
(1) Esta e outras
fotografias, bem como as luvas e flores de parafina, acham-se na sala da
Federação, para os que quiserem examiná-las.
Sobre
a gaiola, conduzida a um canto da sala (2), colocamos o biombo - uma
barraca de pano escuro, tendo na parte frontal uma cortina.
(2) Veja-se o desenho
já citado.
O
"médium" ficou, destarte, duplamente enclausurado e, sala fechada,
mal concebíamos como suportava aquela temperatura, só compensada por um
ventilador fronteiro à câmara-escura.
Preparado
o gabinete, assentámo-nos em semicírculo e começou o fenômeno do transe
mediúnico, tal como o descrevem Crookes, Gibier, Aksakoff, Geley e tantos
outros. O "médium" ora gemia em surdina, ora respirava alto, e todos
ouvíamos esses haustos e gemidos, até que serenou.
Aqui,
releva ponderar que a hipnose não é espontânea. Ela se opera por magnetização
do Espírito desencarnado que superintende os fenômenos - neste caso,
"João", que foi tio carnal da "médium" nesta sua existência
terrena. "João", portanto, o
fantasma, adormeceu o médium, que caiu em transe, como em linguagem técnica se
diz. Entrementes, parecia haver-se estabelecido certa afinidade psíquica entre
nós e o "médium", como que os nossos pensamentos e sentimentos mais
recônditos eram por ele devassados. Assim, advertia: "é preciso ter menos impaciência";
"- mais atenção da esquerda". "João diz que devem moderar a
rotação do ventilador, etc." Depois, a cortina do biombo foi suspensa.
Houve, por conseguinte, ação mecânica.
Mas,
é preciso dize-lo, tudo isso se dá com luz atenuada, luz cujo dispositivo é este:
ao fundo da sala, uma lâmpada elétrica pendente do teto, interceptada por um
pano verde. Assim, velada a parte da sala em que transcorrem os fenômenos, a
luz da lâmpada se esbate do outro lado, na parede e, correndo por ela de alto a
baixo, reflete-se no ambiente, tanto quanto necessário para que todos se
divulguem. Dir-se-ia, para vos dar uma ideia, uma penumbra de cinema,
suficiente para se divisarem fisionomias, objetos, movimentos quaisquer.
A
ansiedade do auditório era grande, profundo o silêncio, quando alguém exclamou:
- Ei-lo, o fantasma, a desenhar-se no canto da câmara escura, á direita. Não o
vê? Não víamos... Olhe agora, ali, no outro canto, junto à parede.
Fotografia
obtida no dia 30 de janeiro às 9 horas
da manhã. Reconhece-se francamente a fisionomia do espírito de “João”,
confrontando-se já com o seu próprio retrato reproduzido na página 17, Grav. 3)
já com a do fantasma (pag 17, Grav.4).
De
fato, no ponto indicado, à nossa frente, oscilava como que um lençol,
esbranquiçada massa branca que se foi condensando e resvalando cosida à parede
- não havia três metros de distância da câmara ao lugar em que me encontrava
chegando ao ponto em que estavam os dois baldes já de nós conhecidos e mais uma
garrafa com aguarás, destinada a temperar a cera para a manipulação dos moldes
e flores.
O
fantasma, sempre mais nítido, insinua-se bem perto, estaca defronte do balde.
Fixamo-lo à vontade: era um homem moreno, orçando pelos seus 40 anos, trazendo à
cabeça um capacete branco. Pelas mangas largas do amplo roupão, também branco,
saíram-lhe as mãos trigueiras e grandes. Os pés não os divisamos. (*)
(*) Clichê do fantasma
(Gravura 2).
Chegou,
cortejou, apalpou os baldes, ergueu com a mão direita o que continha a cera
quente e com a esquerda, elevando a garrafa de aguarás à altura do rosto, como que dosou o
ingrediente. Depois, arriando o balde, como para confirmar o seu feito,
arrastou-o no chão, produzindo o ruído característico, natural. Os seus gestos
e movimentos eram perfeitos, naturais, humaníssimos, como se ali estivesse
criatura humana. Isso posto, afastou-se e conservou-se a um canto da câmara
escura, enquanto do outro canto surgia uma menina de seus treze anos, que dá o nome de Anita.
Assim,
tivemos uma dupla manifestação. Visíveis ao mesmo tempo, "João" - um
homem e "Anita" - uma quase criança, enquanto ouvíamos
intervaladamente o médium suspirar na câmara escura! E note-se, na assistência
ninguém havia que pudesse fingir de criança...
Anita
caminhou graciosa para o balde e em breve nos entregou esta delicada flor,
(mostrando) que tem o caule virado. Regressando "Anita" à câmara,
pelo mesmo trajeto, antes que se esvaecesse, "João" diz como para o
médium - "Vou operar". E aproxima-se e opera. Vemo-lo abaixar-se e alternativamente
mergulhar a mão num e noutro balde. O que não vimos - e isto dizemos para que
considerem que não fantasiamos nem exageramos - foi o desmaterializar da mão
para sacar a luva, pois neste comenos João voltou-se para a parede e o processo
foi rapidíssimo, quase instantâneo. O "médium", lá do gabinete,
mandou que estendêssemos a outra mão (na direita conservávamos
a flor e ... aqui está o molde da mão de "João". (*)
(*) Molde da mão
(Gravuras 3 e 4)
Certo,
já compreendestes, Senhores, a correlação intencional do fenómeno;
"Anita" veio, manipulou e nos entregou esta flor; "João",
em seguida, modela a sua mão desta forma, isto é, juntando o polegar ao
indicador, como a significar que é dele a oferta da dita flor! Agora, é caso de perguntar a todos os físicos e
químicos: como é possível tirar a mão de um molde assim talhado, sem o quebrar? Ah! senhores,
já houve sabincha imaginoso, um cérebro fecundo na sua caturrice de "espírito
forte", que aventou a hipótese de umas luvas de borracha cheias de agua
fria. Então, esvaziada a luva... Somente o genial contraditor se esqueceu de
que a borracha não só não resistiria à temperatura da cera, como,
principalmente, que estes moldes cheios de gesso dão um órgão anatômico
perfeito, a ponto de apresentarem sinais ou defeitos, que os
defuntos tinham em carne e osso.
Molde da mão, (Gravuras
3 e 4)"
Não
nos detenhamos, contudo, em refutar puerilidades. Aqui tendes a prova documentaI
do fenômeno e vamos resumir porque a hora vai célere e adiantada.
Em
seguida, do gabinete, diz o "médium" que procurássemos reconhecer a
entidade que ia materializar-se. "E para logo toma vulto uma linda
criatura. Era uma moça esbelta, loura cabeleira solta, trazendo a tiracolo, sobre
as vestes alvas, uma faixa azulada. (Note-se que o "médium" é moreno,
tipo acentuadamente nortista, de cabelos pretos e, por sinal, rigorosamente
penteados.) Caminhou até bem perto de nós, que lhe vimos os traços fisionômicos
bem nítidos, o brilho da linda e basta cabeleira.
Depois
de nos encarar e cumprimentar a assistência, em graciosa curvatura, afastou-se
até ao centro da sala, parecendo indecisa... Aí ouvimos todos, não o
"médium", mas "João" dizer: - abram alas. Interessante,
senhores, a voz do além tumulo: a articulação das sílabas é perfeita, mas
falta-lhe o timbre nasal, pastoso, da voz humana. É um som metálico, por dar
uma ideia aproximada, visto que não encontro nada que lhe corresponda
exatamente.
Ao
"abram alas", de "João", rompeu-se o círculo de cadeiras em
dado ponto e foi quando novamente ouvimos a ordem de "João", incisa e
rápida "- Vá por minha conta."
E
logo a visão, que antes parecia pouco segura do seu corpo, caminhou resoluta
até ficar sob a lâmpada, percorrendo a sala em todo o seu comprimento. Um
assistente (1) que, por dispositivo da colocação primitiva, lhe
ficara mais próximo nessa surtida, disse-nos depois: "Eu vi até os cabelos
dos braços e as veias da pele, quando "ela" estacionou sob a lâmpada."
Ao regressar, vimos o seu andar naturalíssimo, o passo cadenciado e, por curto
o vestido, as botas de atacar, de cano alto e cor marrom claro.
(1) Adalberto Macedo,
funcionário do British Bank, em Recife.
Esta
circunstancia é digna de nota especial, pois que, em regra, as descrições e
observações clássicas dizem que os fantasmas deslizam e dificilmente se lhes
distinguem as extremidades inferiores. Nós vimos os sapatos e até os cordões
dos mesmos!
O
que, seja dito, não conseguimos ver nitidamente, nos fantasmas, foram os olhos,
que eles -- ao que parece -- procuram resguardar. A propósito, disse-nos o Sr.
Eurípedes Prado que "João" chegara mesmo a solicitar que desistissem
de o fixar com insistência, sem, contudo, arrazoar o motivo de tal solicitação.
Será que o fluido magnético humano, focalizado e projetado em feixes, exerça
ação dissolvente, como a luz artificial, sobre o perispírito condensado do
manifestante? É uma pergunta que não ficará sem resposta oportuna e ninguém se
admire desta ou de outras obscuridades, em se tratando de leis que mal
começamos a entrever e estudar.
"João"
ainda veio a nós e apertou-nos a mão, tendo antes recomendado, pela voz do
médium, que não fizéssemos qualquer
pressão, para que ele médium não se magoasse. Disto, não há concluir que o
fantasma seja o duplo mediúnico, porém que a ele está substancialmente ligado,
vivendo, por assim dizer, da vida orgânica do "médium."
Em
seguida a essa materialização, tivemos a de um sacerdote encanecido e de
fisionomia austera. Caminhou vagaroso ao centro da sala e ai esteve parado,
Imóvel, cerca de cinco minutos. Devido ao hábito negro, apenas lhe pudemos
divisar o rosto, as mãos, a cabeça encanecida, coroa aberta. Com o mesmo passo
lento e grave recuou e, inclinando a fronte como em respeitoso cumprimento,
desapareceu na câmara.
Ato
contínuo, diz o médium: "João está pedindo que toquem piano." O
maestro Bosio dá suas ordens para cima e em breve ouvimos as harmonias de uma
valsa lenta. E "João" cadencia os passos, dança graciosamente e canta
em surdina, acompanhando o piano dolente. Maravilhoso!
Terminada
a valsa, ainda falou, na sua voz metálica: - Olhe o Dubois. Depois, alegando fadiga do médium, iniciou as
despedidas a todos, cortejando e acenando com as mãos, graciosa, naturalmente.
Por fim genufletindo, solene, ergueu os braços ao alto, no gesto expressivo de
quem dá graças a Deus. E, rápido desmaterializou-se, deixando-nos na alma
embevecida uma dulcíssima impressão de reconhecimento e saudade.
Ainda ouvimos a impressão dos seus dedos a estalidarem delicadamente na face do médium,
por despertá-lo. A' voz de "pronto", aclarado intensamente o
ambiente, puxamos. do relógio. A sessão durara 2,5 horas.
O
"médium", retirado o biombo, patenteava-se exausto, mas calmo,
acusando apenas entorpecimento das pernas. Desparafusada a gaiola, acercando-se
solicito o venerando Dr. Bacelar, ousamos perguntar-lhe se verificava qualquer
anormalidade fisiológica, ao que ele nos respondeu: - Nada, apenas uma ligeira
depressão do pulso.
De
fato, dentro de dez minutos a Exma. D. Ana Prado gesticulava e conversava
naturalmente. Devo ainda confessar que, em nenhum dos assistentes notei
impressão de alarme ou constrangimento; -bem ao contrário, todos se
manifestavam prazerosos, como se houvessem assistido a uma das cenas
consuetudinárias da vida de relação.
Tudo
natural, naturalíssimo.
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