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Não
nos propomos rememorar aqui as múltiplas vicissitudes advindas ao Cristianismo
através a selva espessa dos preconceitos, resistências e hostilidades que se
lhe opuseram e, na sucessão dos tempos, vieram por fim a deturpa-lo, desde que “no átrio do templo assentou seu pé o
espirito de seita e no presbitério o interesse passou a residir” (2), até chegar desfigurado aos nossos dias, o que reclamaria um longo
trabalho de crítica histórica demasiado complexo e, mesmo, exorbitante do
plano, bem mais restrito, desta obra. Limitar-nos-emos, por isso, a assinalar
a largos traços que, do mesmo modo que o Mosaísmo, em sua feição imperativa e exclusivista,
sobrecarregado ao demais de obsoletas práticas exteriores, se tornara
insuficiente para impulsionar o novo ciclo de civilização, que se ia pronunciar
do oriente ao ocidente - e daí a necessidade do rejuvenescimento doutrinário
trazido pelo Cristo - assim também, para desembaraçar da
extensa vegetação parasitaria, de que enferma, e restabelecer em sua pureza
originaria o ideal cristão, frustrado em suas mais belas promessas e fecundas
possibilidades pelos erros, secularmente acumulados, dos que assumiram o encargo
de o defender e propagar, um novo ensino, de que é portador o Espiritismo, veio
a tornar-se complementarmente necessário.
(2) , José Amigó y
Pellícer, ROMA E o EVANGELHO. Ditado de João Evangelista, págs . 186 (edição de
1913 da Federação Espírita Brasileira).
Nisso
ainda uma vez se patenteia a solicitude providencial de Deus por suas criaturas
e a intervenção que, ora oculta, ora ostensiva, não cessa de, por seus
mensageiros, exercer nos destinos do mundo, sobretudo no que se refere ao
alimento espiritual, representado nas verdades religiosas, mais que tudo necessário
aos homens.
Quando
uma religião, depois de ter produzido seus frutos, como solitamente acontece de
sua fase inicial ao apogeu, ele desloca do seu centro de gravitação, que é
sempre aquela Verdade absoluta, aquela Bondade suprema, de que todas procedem e
que em todas, mais ou menos parcialmente, se reflete, para se transformar num
instrumento de materialidade, isto é, de obscurecimento e decadência, como a
humanidade não pode, em sua ascensão evolutiva, prescindir desse farol que lhe
orienta a rota e lhe ilumina a vida interior, uma nova doutrina religiosa vem
substituir a que se extingue. Assim aconteceu à Revelação dada a Moisés, que
apenas subsiste em suas formas ritualísticas o que importa dizer, em sua parte inerte, propriamente sedimentária, nas tradições
do povo outrora "eleito ", hoje disperso, transfundidos os seus
princípios básicos - falamos do Decálogo - na Revelação cristã que a
substituiu; assim estamos vendo que sucede ao Cristianismo, com a diferença,
todavia, de que, longe de extinguir-se, religião definitiva que é em sua essência
e fundamentos, evolutiva por natureza e, por esse fato, susceptível de
infinitos desenvolvimentos é uma opulenta revivescência que de seus elementos vitais
se está operando em nossos dias, pelo advento da Revelação espírita, em que se
realiza a promessa de Jesus, não somente feita aos seus discípulos de então,
mas aos que no futuro, e particularmente na era nova, que alvorece, tais se
tornariam, no sentido de enviar o Consolador, ou Espírito de Verdade, que –
lhes disse ele- "vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o
que vos tenho dito (1) . "
(1)
João, XIV, 26.
Aos
discípulos de então e do futuro, dizemos, porque é indubitável que o Cristo,
Guia e Instrutor do mundo e não apenas de uma fração da humanidade, não poderia
limitar, definitivamente e para sempre, o seu ensino a uma determinada época da
história ou a um certo povo nem ainda, neste, a um reduzido núcleo de discípulos,
com exclusão de quantos à dignidade da mesma excelsa investidura viessem mais
tarde a aspirar por seu mérito e virtudes incessantemente adquiridas, mas havia
de forçosamente, Espírito sempre vigilante pelos destinos do rebanho que o Pai
lhe confiou, graduar e proporcionar as revelações ao estado espiritual da
humanidade e aos progressos no domínio da civilização por ela efetuados. Mais
ainda: em sua divina presciência, que devassava a bruma dos séculos remotos, de
antemão sabia que o seu Evangelho, em contato com as fraquezas e paixões dos
homens, longe de ser integral e religiosamente transmitido de geração a
geração, até a época do seu prometido complemento, viria a ser desfigurado pela
obra dos concílios, ora segregando-o estes do conhecimento popular, ora instituindo práticas
e dogmas que fariam esquecer, por seu espírito reacionário, o liberalismo e a
humildade fundamental de seus ensinos.
É
por isso que, dirigindo àquele punhado de espíritos por ele escolhidos como
fieis e dignos continuadores de sua missão, a promessa do Consolador, Jesus
abrangia em seu pensamento a humanidade, a que era extensiva, e a época atual,
em que somente seria possível realiza-la integralmente, indispensável que se
faria, para a perfeita compreensão de um certo número de ensinos, como por
exemplo os referentes à pluralidade de mundos e de existências da alma, que os
progressos da ciência e a emancipação, para o espírito humano, de certos
preconceitos lhes viessem proporcionar sólido esteio.
Não
o declarou ele abertamente? "- Eu
tenho ainda muitas coisas que vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora.
Quando vier, porém, aquele Espirito de Verdade, ele vos ensinará todas as
verdades, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos
há de anunciar as coisas que estão para vir (1)."
(1)
João, XVI, 12-13.
Ora,
"se o Espirito de Verdade - como, no EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, comenta
com irrefragável poder de raciocínio Allan Kardec - havia de, mais tarde, vir
ensinar todas as coisas, é porque o Cristo não revelara tudo; se viria lembrar
o que dissera o Cristo, é porque o esqueceriam ou não o teriam bem compreendido."
Pretendem
sem dúvida certos críticos, empenhados sobretudo em contestar ao Espiritismo a
função, que legitimamente assume e lhe foi pelos próprios espíritos reveladores
outorgada (1),de continuador histórico e doutrinário do Cristianismo, que não há
razão para o cumprimento d'essa promessa do Consolador a uma distância de
dezenove séculos, uma vez que - alegam eles - for a imediatamente depois da Ascensão,
realizada pelo Cristo em seus discípulos, na imponente manifestação do
Pentecostes, em que, sob a aparência de "umas como línguas de fogo, e em
meio de um estrondo como de vento que soprava com ímpeto e encheu toda a casa
onde estavam assentados (2)," denunciando - a explicação agora é nossa -
uma ostensiva e ruidosa intervenção espírita, se lhes desenvolveram as
mediunidades, que dai em diante lhes permitiriam uma frequente comunhão com os
poderes superiores do invisível.
(1)
Quando preparava Allan Kardec a primeira edição do EVANGELHO SEGUNDO O
ESPIRITISMO, por um de seus eminentes Guias espirituais lhe foi comunicado: ''Aproxima-se a hora em que deverás
abertamente declarar o que é o Espiritismo e mostrar a todos onde está a
verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo ." (OBRAS PÓSTUMAS, de Allan
Kardec, págs. 273, edição do Centenário. Não há nisso, em verdade, uma formal
consagração?
(2) ATOS DOS APÓSTOLOS,
II, 2 e3.
Não
sentimos, por nossa parte, nenhuma hesitação em admitir, cingindo-nos literalmente
aos textos evangélicos e tendo em consideração que se tratava de espíritos consideravelmente evoluídos, aptos assim para o
sagrado ministério a que eram, por escolha do próprio Cristo, destinados, que
neles se houvesse imediatamente cumprido, mas na medida compatível com os
conhecimentos humanos do seu tempo, a promessa do Consolador. Porque, de fato, além
dos já citados, e entre outros grandes, comovedores ensinamentos que constituem
o seu testamento de amor, na derradeira prédica, por ocasião da Ceia Pascoal,
terminante e positivamente lhes assegurava o Mestre (João, XIV, l5 a 17) :
"Se
me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará
outro Consolador, para que fique eternamente convosco: o Espírito de Verdade, a
quem o mundo não pode receber, porque o não vê nem o conhece; mas vós o
conhecereis, porque ele ficará convosco e estará em vós. "
Ora,
a não ser que se queira, por absurdo, atribuir ao Cristo a intenção de burlar
deliberadamente a expectativa confiante dos apóstolos, forçoso é admitir uma
primeira realização pessoal dessa promessa, em nada incompatível, todavia, com
o seu desdobramento e confirmação ulterior. A mesma distinção, ali enunciada,
entre a incapacidade do mundo, isto é, dos que na técnica sagrada são chamados
"filhos do século." ou indivíduos exclusivamente preocupados com as
coisas materiais, indiferentes às do espírito, para as quais se lhes conserva
fechado o entendimento, e a capacidade dos discípulos para conhecer o Espírito
de Verdade, em cuja intimidade eram dignos de permanecer como fieis receptáculos
de suas efusões, torna evidente a possibilidade a breve trecho para eles de,
quando a presença visível do Mestre lhes fosse retirada, entrar na comunhão
divina, interior e mística, traduzida naquela simbólica expressão.
Não
temos, assim, dúvida em concordar que por suas condições de pureza e elevação
espiritual, pela fé que os animava e o entusiasmo que não tardaram a
desenvolver, desde que foram solenemente investidos no ministério da Palavra, a
promessa do Consolador se cumpriu
pessoalmente nos apóstolos, do mesmo modo que
sentimos do nosso dever advertir aos que hodiernamente acodem à renovação do
seu anúncio, que não é o simples fato de acreditar no Espiritismo, ou professar
mais ou menos abertamente os seus ensinos, que lhes pode conferir a assistência,
interiormente iluminadora, do Espírito de Verdade. Para isso, necessário se
faz, como na segunda parte o desenvolveremos a propósito da iniciação dos
crentes, sobretudo no que se refere à sua "conversão," que um longo
aprendizado e adequados exercícios os venham, pelo cultivo das virtudes e o
desenvolvimento do Ego divino, que em quase todos jaz ignorado, a colocar em
condições de fruir a mesma graça.
Mas,
se o Consolador, em fiel cumprimento à promessa de Jesus, permaneceu outrora em
seus discípulos, porque que eram dignos de sua santificadora comunhão - e dai
os assombros que produziam, tanto na iluminada e persuasiva eloquência, em
línguas que desconheciam, por toda parte suscitando a multiplicação dos
adeptos, como nas curas que operavam de toda a sorte de enfermidades, a exemplo
do Mestre, cuja virtude os inspirava - que motivo pode razoavelmente ser
invocado contra o advento do mesmo Espírito em nossos dias, tanto mais que -
seja-nos licito insistir - as promessas de Jesus, tinham sempre um duplo alcance e aplicação, imediato e ulterior?
Já
estará porventura de tal modo convertido o mundo a sua doutrina, e os que dela
se inculcam depositários serão portadores das mesmas virtudes e poderes dos apóstolos,
como eles culminando no esplendor da mesma fé e caridade, que se torne dispensável
uma nova efusão daquele Espírito divino?
Longe
disso, em presença da anarquia que lavra nas inteligências, desorientadas à
míngua de um ideal superior, nesta hora sombria que atravessa o mundo, em que
um tremendo cataclismo, desencadeado pela preponderância ,que vieram a adquirir
as ideias negativas e materialistas, assinala a maior crise que jamais a história
registrou, quem será capaz de contestar, a menos que feche os olhos aos sinais
dos tempos, ao demais preditos no Evangelho, a necessidade de uma renovação
religiosa?
Porque
só o sentimento religioso, que tem como pedra angular a certeza da existência
de Deus, de que decorre a consciência dos deveres e a noção das
responsabilidades, é capaz de incutir nos homens a obediência às leis divinas e
humanas e servir de norma guiadora às suas instituições, como às relações
fraternas, fundadas na justiça, que lhes importa cultivar. E é porque,
impotentes para dominar, ou sequer apaziguar, com suas vaniloquas (Que diz frases pomposas mas sem conteúdo) exortações, o tremendo conflito, que ameaça, em suas vortigens,
subverter as mais preciosas conquistas da civilização (1), as velhas religiões, não tendo sabido ou podido evita-lo, confessam
implicitamente a irremediável falência dos seus métodos, que se torna urgente
fazer ouvir de novo a voz do Cristo, não apenas em sua eloquente e persuasiva
singeleza, como outrora, mas robustecida pelo cortejo de provas, sob a sua
invisível e suprema direção trazidas pelo Espiritismo, por cujo veículo falam
não somente as altas entidades, prepostas à instrução espiritual da humanidade,
como os seres de diferentes categorias que, tendo deixado a Terra, vem por toda
sorte de fenômenos, por assim dizer, palpáveis fornecer aos homens o testemunho
da sobrevivência e adverti-los da necessidade de se preparar para a outra,
verdadeira vida.
(1) Eram escritas estas linhas em 1917.
Surgindo
no momento preciso em que os progressos intelectuais realizados, dilatando
consideravelmente a órbita dos conhecimentos dessa natureza, haviam preparado o
mundo ocidental para uma efusão mais ampla do Espírito de Verdade, que -
aduzamos aqui uma definição - deve ser entendido como o conjunto dos espíritos
puros, sob a chefia do Cristo, arautos do pensamento e do amor de Deus, o
Espiritismo reúne os característicos apropriados às necessidades contemporâneas
do espírito humano e, assim, da era nova que vem inaugurar.
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