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Não
sem motivo, a primeira denominação que esta parte do continente americano
recebeu de seus eventuais descobridores foi a de Terra da Santa Cruz.
Dir-se-ia
que, inspirando por seus mensageiros esse título, a Providência, que com tão
opulentos dons se esmerara em favorecer este país, desde a benignidade do clima
e os esplendores de uma natureza incomparável à escolha dos espíritos que
haviam de, sobrepujadas as primeiras transitórias, mas inevitáveis convulsões
que acidentaram a sua formação étnica, vir a constituir mais tarde a sua
nacionalidade, quis desde o começo indicar que os destinos da nova terra se
achavam associados ao ideal de abnegação e altruísmo que o símbolo cristão, engastado
em seu próprio céu meridional, luminosamente representa.
Houve
sem dúvida quem, com um certo travo de injustiça, pretendesse que "neste
país, em que tudo é grande, só o homem é pequeno," Essa opinião,
entretanto, fundando-se no contraste entre a exuberância dos dons naturais que
a terra brasileira ostenta, representados nos prodigiosos tesouros acumulados
no seu solo, como nas entranhas do seu inesgotável subsolo, e a ausência de
iniciativa e de sistematizada atividade, que os tem deixado permanecer, durante quase um século de existência
autônoma, em estado pouco menos que latente, assim parecendo incapaz de os
possuir quem tão pouco resolvido se mostra a explora-los e deles extrair todos
os elementos de prosperidade e de grandeza que são chamados a proporcionar,
essa opinião - dizemos - de si mesma se invalida, por não apreender do fenômeno
mais que o seu aspecto exterior, sem ponderar os seus múltiplos fatores
justificativos, entre os quais avulta uma razão, que nos permitimos considerar
de ordem providencial e que adiante aduziremos.
Importa
antes de tudo considerar que a lei do menor esforço tem aqui, como por toda
parte, a sua aplicação. A necessidade é o estimulante por excelência da atividade
não somente do homem, senão de todos os seres, na luta pela vida, Ora, se ao
indivíduo, para obter o necessário à própria subsistência, basta um esforço
mínimo, é logico, é natural e humano que se abstenha de supérfluas fadigas. É o
caso das populações rurais e sertanejas, cujas modestas ambições, determinadas
pela própria simplicidade do viver, distanciado dos grandes centros de
civilização e, por esse motivo, isento das exigências que a mesma civilização
suscita, não ultrapassam tais limites, E se acrescentarmos que a indiferença
dos governantes, divorciados do seu dever primordial, que é instruir o povo e
promover o seu bem-estar, tem deixado essas populações não somente privadas de
instrução mas do preparo técnico para a cultura inteligente do solo, compreenderemos
porque, assim desamparadas de um precioso estímulo de engrandecimento ,e de
progresso, se tem elas até certo ponto desintegrado, pela ignorância, das
superiores, posto que ainda latentes, ou vagamente apenas esboçadas, aspirações da nacionalidade, às quais se
conservam de alguma sorte estranhas. Para isso não pouco tem contribuído a
vastidão do território, abrangendo uma área de quase nove milhões de quilômetros
quadrados, em que a deficiência das vias de comunicação impede o contato e a
assídua permuta de toda espécie de valores entre os núcleos de população
dispersos nessa esmagadora imensidade.
Já
na capital e nas metrópoles estaduais, como nas cidades litorâneas, em que a
frequência das comunicações com o exterior e a maior densidade das populações,
gerando novas necessidades, tem concorrido para intensificar
o ritmo da vida, a apregoada "Indolência nacional," sem ser, ainda em
virtude da apontada lei do menor esforço, inteiramente banida dos costumes, em
que se manifesta sob a forma de um certo comodismo dilatório até nas mais
prementes deliberações, recebe em todo caso satisfatório desmentido. A este
respeito não é inteiramente destituída de fundamento a opinião, um tanto
generalizada, de que os brasileiros, por uma espécie de instinto atávico da
raça, confiam mais na ação da Providência para encaminhar os seus destinos, que
na eficácia de sua própria iniciativa.
Será
contudo um mal, ou um bem, não ainda convenientemente ponderado, que o
progresso material do Brasil, tolhido pela inércia no desenvolvimento de suas
capacidades econômicas, de que imediata e visceralmente depende, tenha
caminhado com tamanha lentidão?
Se
considerarmos que a felicidade e grandeza de um povo, do mesmo modo que o objetivo
da vida para o homem, não consistem na maior soma de gozos e vantagens materiais que a riqueza proporciona, mas acima de
tudo no grau de cultura moral de que resulte o liberalismo de suas instituições,
na austeridade dos costumes, na retidão de consciência em suma, traduzida na prática
das virtudes heroicas ou singelas, a opção pela segunda hipótese já não parecerá
decerto estranha. Porque, como o observou com justeza de apreciação critica um ilustre
historiógrafo e filósofo, "esquecem
constantemente os homens que nada há tão esterilizador como a opulência, e que
só são ricos os povos trabalhadores e pobres. A opulência é um vicio que
enfraquece o caráter do que a goza e o enche de um ignóbil orgulho, ao passo
que azeda e perverte o caráter do pobre com o fermento da inveja e
cobiça que faz Ievedar. A opulência das nações é o ocaso da sua vida.
Só há riqueza onde existe saude moral, e com esta não se compadece a adoração
do bezerro de ouro, fonte da miséria e das revoluções dos famintos (1).”
(1)
Oliveira Martins, O HELENISMO E A CIVILIZAÇÃO CRISTÃ, págs. 154.
Não
é que se deva abominar a prosperidade em si mesma, "que há de sempre
representar, quando sobretudo equitativamente repartida, o fruto da atividade
laboriosa e inteligente: mas cumpre não perder de vista um inconveniente de que
anda raramente desacompanhada e vem a ser que, incutindo o sentimento de uma
falsa grandeza exterior, pode ocasionar e frequentemente ocasiona, de par com a
intensificação dos prazeres dos sentidos e a ostentação do luxo, o
desenvolvimento do egoísmo e de uma arrogante superioridade, a que só uma sólida
educação moral, fundada nos princípios de simplicidade e desprendimento do Evangelho, é capaz de opor um
eficaz preservativo .
Ora,
ao povo brasileiro, ou por melhor dizer, à colônia de espíritos que foram
providencialmente encaminhados a esta terra de Santa Cruz, para testemunhar nos
atos de sua vida, pública ou privada, como em suas relações internacionais, a
excelência dos preceitos evangélicos, não convinha que, antes de os ter
positiva e definitivamente incorporado nos costumes, uma prematura opulência,
resultante da expansão de todas as suas forças econômicas, o expusesse aos
riscos de, cedendo a pendores subalternos, comuns à natureza inferior do homem, se
extraviar da missão exemplificadora a que o impele a diretriz dos seus
destinos.
É
por isso que as administrações que se tem sucedido, no Império como na República,
aparentemente por deficiência de visão dos homens, mas de fato pela razão de
natureza providencial a que aludimos, ora absorvidas na solução de problemas
político-sociais, desde a Independência à abolição da escravatura, ora
preocupadas em conter as paixões efervescentes e consolidar o novo regime
quando não divorciadas de sua função tutelar por incapacidade transitória, foram sempre claudicantes
ou omissas em face do problema econômico, abandonado quase exclusivamente às
eventualidades da iniciativa particular, de si mesma entibiada pela carência de
amparo e de coordenadora direção.
O
Império, sob a chefia suprema de um verdadeiro missionário, teve antes de tudo
por missão preparar, com a unidade e coesão politica, os fundamentos morais da
nacionalidade, já seja favorecendo, pelo exercício, o sentimento inato de uma
liberdade que não encontra paralelo em nenhum outro país, já seja estimulando
pelo exemplo, e assegurando-a pela vigilante fiscalização, a mais escrupulosa
austeridade dos costumes públicos, a que o esmero nas virtudes domésticas,
exemplificadas pelas matronas brasileiras, imprimia um singular relevo. Era
também o tempo em que a velha religião, satisfazendo as necessidades de crer do
maior número, ainda exercia um suficiente prestígio sobre as almas e contribuía
não pouco para incutir nas consciências o sentimento dos
deveres, fortalecendo os laços de solidariedade moral entre os membros da
grande família brasileira.
Com
a implantação do novo regime e a subversão, portanto, do velho edifício
político, necessitado, sem dúvida de uma vigorosa remodelação que ampliasse as
conquistas democráticas, pela abolição de todo privilegio, se os progressos
materiais ganharam novo surto, por outro lado uma certa anarquia, inseparável
de toda brusca mudança de instituições, gerando a indisciplina e a confusão dos
valores sociais e trazendo à tona os fermentos de desmoralização, indubitavelmente
até então contidos pela austeridade do Imperante, veio a produzir o que se tem
denominado "a crise do caráter" e que, entretanto - importa assinalar
- longe de ser um fenômeno local, ou peculiarmente brasileiro, não é mais que
um particularizado sintoma do mal de que, nesta hora de convulsionada
transição, vinham padecendo, quase todas as sociedades humanas, em vésperas
felizmente de uma transformação profunda e salutar.
Essa
transformação contudo não virá, como pensam alguns, nem para o Brasil nem para
o mundo, da simples e transitória exaltação dos entusiasmos cívicos e
guerreiros, despertados pela improvisação de exércitos chamados de toda parte a
se empenhar nesse gigantesco duelo que ensanguenta a Europa, travado contra as
alucinadas ambições do cesarismo pela coligação dos povos liberais. Desse
conflito, derradeira explosão da rebeldia à lei do Cristo, cujo reinado,
prestes a se implantar no mundo pela difusão do Espírito Divino que começara a
se operar, pretenderam os seus insufladores invisíveis obstar ou pelo menos
protrair, hão de certamente resultar consideráveis, posto que dolorosos, benefícios.
Passada, porém, a
tormenta, colhidas mais uma vez as amargas experiências
do falso rumo em que, por tantos séculos, se têm obstinadamente aventurado os
homens, restituídos os povos, restituído o nosso Brasil aos seus, pacíficos labores,
nem por isso estará resolvido o problema da regeneração e da felicidade
humanas.
Estas
só podem vir, e só virão, do conhecimento positivo, para os homens, de sua
verdadeira natureza, de seu papel no mundo e de seus destinos imortais,
realizáveis através de sucessivas e solidárias existências, como principalmente
- insistiremos em nosso ponto de vista - da perfeita assimilação e prática da
lei cristã, em seus mais amplos, e luminosos desenvolvimentos, tal como a vem
restabelecer o Espiritismo, com todo o seu poder de persuasão e de evidencia.
Ora,
nenhum povo apresenta melhores capacidades e predisposições para a realização desse
ideal que o brasileiro.
Não
o dizemos por espírito de vaidade ou de lisonja, sempre condenável, senão antes
para acentuar as responsabilidades que sobre ele pesam, consoante a sentença do
Evangelho: "mais se pedirá a quem mais se tiver dado." E o povo brasileiro
não tem somente a seu cargo aformosear esta abençoada região da terra,
convertendo-a na prometida Canaã em que, com ele, todos os forasteiros venham
saborear os frutos da abundância, transformadas em utilidades, por um trabalho
diligente e indefesso, as suas exuberâncias naturais. Cumpre-lhe acima de tudo,
para corresponder aos intuitos da Providência, que de tão singulares dons o fez
depositário, colocar o. nível de sua existência moral à altura dos compromissos
que tem implicitamente contraído, resultantes da preeminência que revela já
haver alcançado na senda evolutiva.
Queremos
dizer - e é neste sentido que entendamos a aplicação da máxima evangélica -
que, sendo o povo brasileiro composto, numa considerável proporção, de espíritos
apreciavelmente evoluídos, tanto no sentido intelectual como no moral, tem mais
que qualquer outro o dever de patentear, por uma severa disciplina e obediência
aos mais altos preceitos do Evangelho, que lhe vem ser de novo recordado, os
frutos de seu aproveitamento, eliminados os defeitos e corrigidas as
imperfeições de que uma deficiente educação moral e religiosa não lhe permitiu
ainda libertar-se.
Que
os brasileiros são espíritos intelectualmente evoluídos, prova-o a vivacidade,
surpreendente aos olhos do estrangeiro, de sua apreensão mental em todos os
ramos de conhecimentos humanos, a sua rapidez de assimilação, a sua capacidade
de cultura, prejudicada embora por uma certa descontinuidade na aplicação
estudiosa, que o faz perder em extensão e generalidade o que poderia adquirir e
consolidar em profundeza . É por isso que, entre nós, são raros os doutos e
mais raro ainda é o verdadeiro sábio. Mas essas aptidões intelectuais
disseminadas nas diferentes camadas sociais - e até entre os sertanejos, sobretudo
nas regiões do norte, quantas inteligências vivazes, posto que incultas, se observam!
- que querem dizer senão que se trata de espíritos amadurecidos por uma longa,
anterior peregrinação terrestre?
No
ponto de vista moral, o adiantamento dos espíritos encaminhados a povoar a terra
brasileira se manifesta por um conjunto de qualidades que imprimem à
civilização, que vieram aqui fundar, um cunho próprio e inconfundível. É certo
que, se a atenção do observador, limitada no tempo e no lugar, se demora, na
planície em que as paixões fervilham, a escrutar os pequeninos defeitos
individuais e restringe o seu exame a uma época, por exemplo, de transição como
a presente, há de por força verificar a mesma inquieta frivolidade e a mesma
penúria de ideal que o materialismo dissolvente inoculara no organismo das
velhas sociedades europeias. Dilatando, porém, o seu raio de observação e
elevando-se às culminâncias da história, verá surgirem, ao lado dos mais nobres
e altruísticos feitos que podem, ilustrando-o, recomendar um povo, as grandes figuras
dos heróis que, na guerra ou na paz, os consumaram.
Na
órbita da politica internacional, as suas relações com os povos limítrofes e
irmãos se afirmam sempre pela generosidade cavalheiresca, expressa em lances de
solidariedade libertadora de opressões e tiranias (1), como as suas transformações internas, operadas sem violentas
convulsões (2), atestam a índole pacifica do povo e a sua
capacidade de adaptação às mais adiantadas conquistas da civilização e do
progresso.
(1)
Exemplo: as campanhas levadas a efeito pelo Império, com o desinteressado fim,
demonstrado em seus vitoriosos desenlaces, de libertar a Argentina da ditadura
de Rosas e o Paraguai da ele Solano Lopez, terminada esta com a emancipação dos
escravos, e ainda recentemente o condomínio da Lagoa Mirim, altruística e
espontaneamente cedido pelo governo republicano ao Uruguai, pondo-se assim o
mais honroso termo a um litígio secular, o que representa uma página de
política internacional única na história de todos os povos e que só o Brasil
soube ter a nobreza de escrever.
(2)
Tais foram, para não remontar mais longe, a abolição da escravatura em 1888,
realizada entre júbilos e festas populares, e no ano seguinte a proclamação da
República, uma e outra sem provocar, como em alguns países, sanguinolentas
reações, nem prolongadas discórdias civis, antes, como uma necessária e
prevista evolução, passando ao domínio dos factos consumados e de boamente
aceitos mesmo pelos que mais diretamente foram atingidos pelos seus transtornos
econômicos ou políticos.
Como,
porém, ser de outro modo, se, fiel ao instinto de liberdade que dos aborígenes
herdou, liberdade que constitui, por assim dizer, o ambiente vital do Novo
Mundo, em que todas as ideias generosas encontram desembaraçado curso, isento do
aferro a tradições, que nem tiveram tempo de firmar-se, o povo brasileiro, ao
contato da majestosa natureza que o rodeia e representa uma perpetua sugestão
de liberalidade e de grandeza, havia e há de necessariamente refletir, em maior
ou menor grau, os esplendores ambientes mas afirmações de sua existência
coletiva?
Mais
do que, todavia, nas favoráveis condições geográficas ou climatéricas,
meramente exteriores, mais ainda que na
influência do idealismo vinculado a sua filiação étnica ou assimilado por uma
educação literária preponderantemente latina, é nas inatas predisposições dos
espíritos que o constituem, fruto, como o dissemos, de uma evolução anterior,
que se há de encontrar a razão determinante da fisionomia moral deste povo,
singularmente apto às mais formosas realizações cristãs.
Se,
com efeito, abstraindo-nos dos pequeninos defeitos individuais a que aludimos e
que de alguma sorte constituem um fundo comum à natureza humana demasiadamente
ainda escravizada à influencia da matéria e dos sentidos, observamos este povo nos
hábitos de sua vida social, verificaremos antes de tudo - como o têm feito
ilustres visitantes - que o sentimento de igualdade, o que importa dizer, a ausência
de preconceitos de raças e de castas, ainda subsistentes no seio dos povos que
mais civilizados se acreditam, preside às suas relações. É assim que brancos,
pretos e mestiços não somente fraternizam, sem o menor constrangimento, no
trato comum ou em reuniões públicas de toda natureza (1), mas gozam de idênticos direitos e concorrem desassombradamente aos
mesmos postos de evidencia e de atividade social.
(1)
Discorrendo sobre "a fraternidade universal," numa de suas conferências
realizadas nesta capital em 1910, o notável teósofo Dr. Mario Roso de Luna, teve
ocasião de se congratular com o auditório por essa mescla de raças que ali
observava, e o assinalou como um evidente e lisonjeiro sintoma de que o Brasil
se mostrava assim afortunadamente apto à realização daquele magnífico ideal,
que é um dos objetivos da Sociedade Teosófica.
Como
um desdobramento desses hábitos de fraternidade igualitária, o povo brasileiro
se caracteriza por uma afabilidade acolhedora e carinhosa, que não é das menos
gratas impressões recebidas pelos forasteiros que o visitam. Acrescente-se a isso
a doçura dos costumes, em que a indulgência, isto é, o perdão e o esquecimento
das ofensas, até mesmo dos mais graves atentados políticos e civis, ocupam uma
larga parte, ao ponto de com razão se asseverar que "no Brasil tudo se esquece e
minguem se inutiliza para sempre;" observe-se, ainda que o brasileiro, perdulário
como nenhum outro, pratica o desprendimento, o desprezo dos bens materiais, de tal modo que nas próprias
classes proletárias é quase desconhecida a noção de economia, como a dar testemunho
de confiança naquela Providencia que - Jesus o disse -alimenta os pássaros do
céu e veste de galas os lírios dos campos, quanto mais aos que, consciente ou
intuitivamente, a sua desvelada solicitude se abandonem; veja-se por fim como,
alheio a orgulhosas presunções, no dizer de alguns, por desapreço ao que é seu
e cujo valor, em sua nativa ignorância, desconhece, mas não errará quem o
atribuir a um sentimento de imparcialidade, senão de humildade, que de modo algum
o desabona, o brasileiro se inclina, sem mesquinhas invejas nem desrespeitos,
em mostras de admirativo entusiasmo por tudo o que aos seus olhos representa a
superioridade de outros povos mais adiantados, ou apenas mais velhos, em
civilização; reúnam-se todas essas manifestações denunciadoras de uma índole
espontaneamente afetuosa e doce, a que não falta contudo a bravura nas horas de
perigo, e poder-se-á perguntar, como o fazemos, que é o que falta a este povo
para ser o primeiro em toda a Terra e para exemplificar, como lhe cumpre, a
vida cristã em toda a sua pureza e esplendor.
Simplesmente
uma coisa: que de incultas e dispersas que se têm conservado, em consequência
mesmo de se encontrar ele ainda no período preparatório de sua formação étnica,
aquelas excelentes qualidades se convertam em virtudes conscientes, reflexivas
e disciplinadas. Falta-lhe, numa palavra, a sólida preparação moral, de que a
educação cívica, em que parece repousarem as esperanças de quantos entre nós se
preocupam com os assuntos de ética social, não é mais que o seu desdobramento necessário.
Sem aquela base, em que unicamente podem com segurança repousar as construções
políticas ou de qualquer outra natureza, e sem a infiltração da cultura às mais
profundas camadas populares, todas as
tentativas de melhoramento e de reformas, como de resto o tem a experiência demonstrado,
hão de ser sempre ilusórias na concepção e frustrantes em seus resultados.
O
problema, de fato, abrange dois aspectos: instrução popular que, reduzindo ao
mínimo, quando não anulando por completo, a fabulosa e entristecedora percentagem
de analfabetos que as estatísticas registram, descerre para todos os filhos
desta pátria o conhecimento de sua história e a antevisão de seus magníficos
destinos, integrando-os efetiva e conscientemente na comunhão nacional:
educação moral e religiosa que, começada no lar, onde se forjam as primeiras
interiores armaduras do caráter, e prosseguida metodicamente em todas as idades
como um adestramento indispensável do espírito, venha a refletir na vida pública
de todos os cidadãos, dos mais elevados aos mais humildes e obscuros, os seus insubstituíveis
benefícios.
A
primeira é a tarefa dos dirigentes (1), isto é, dos
que nos ramos superiores da administração pública desempenham o mandato,
verdadeiramente providencial, posto que em sua maioria o desconheçam e
deturpem, de guias e servidores do povo. Para imprimir à segunda um cunho nobilitante
e exemplar, isento de hipocrisias formalísticas, pela supressão das ilusórias
exterioridades suntuárias, é que surge o Espiritismo a anunciar o Evangelho aos
homens, restabelecendo-o em sua pureza e espiritualidade originária - feição que, já o dissemos, reveste e, como
se vê, não podia deixar de revestir, particularmente, no Brasil.
(1) O
que de modo algum deve excluir a colaboração que à iniciativa individual pode
caber na solução do magno problema, como o tem brilhantemente praticado a
"Liga contra o analfabetismo" e como ás associações espíritas
regularmente organizadas cumpre igualmente fazer, incluindo em seu programa de beneficência,
consoante os moldes que indicamos na segunda parte, a instrução gratuita e
popular.
Instrução,
portanto, e educação: disciplina da inteligência, disciplina da consciência e
do sentimento, eis o que falta a este povo para que, suprimidos os hiatos de
irreverência e de insubordinação que não raro apresenta em sua fisionomia
coletiva, e iniciado, por outro lado, na obediência às injunções austeras do dever, se
mostre à altura, não somente das responsabilidades que traz do seu longo
passado evolutivo, mas da missão que é chamado a desempenhar, na era de renovação espiritualista
que alvorece.
"Estamos
no momento supremo da história do mundo" -- disse-o num memorável
documento o chefe de um grande povo, que se tem revelado ao mesmo tempo um eminente
pensador e um homem profundamente religioso (1). E, com efeito, jamais como nestes dias tormentosos o eterno conflito
entre o bem e o mal, também classificados a virtude e o vicio, a verdade e o
erro, ou, como no atual momento, a civilização e a barbaria, revestira tão acentuadas,
resolutas e devastadoras proporções. Dir-se-ia que os homens foram acometidos
do delírio de destruição.
(1)
Wodrow Wilson, final de sua mensagem ao Congresso Legislativo Norte-Americano,
em 5 de dezembro de 1917.
Mas
dessa prova culminante, a que foi submetida a raça humana, o que vai resultar
não é, como se afigura aos visionários do passado, a falência dos ideais de fraternidade
e de paz universal que haviam, nos últimos anos, começado a abrir caminho nas
inteligências e conquistado os mais nobres e generosos corações em todos os países.
Aos horrores -da conflagração internacional é possível, senão talvez provável,
que venham ainda a suceder - a menos que a clarividência dos estadistas os
aconselhe a antecipar-se no reconhecimento e na satisfação dos direitos, das
aspirações, e das necessidades populares - tumultuárias agitações interiores,
tendentes a fazer vingar as reivindicações dias classes oprimidas; porque é
preciso que do mundo velho, argamassado de preconceitos, de iniquidades e
injustiças, não fique pedra sobre pedra. Encerrado, porém, o doloroso ciclo, o que desse caos tremendo,
em que estão ameaçadas de se debater por muitos anos as velhas sociedades europeias,
há de por último surgir é um mundo novo, edificado na justiça, na paz e na fraternidade.
Até
lá, e na intercorrência das calamidades que - é lícito prever - atormentarão a
existência dos povos que, pela acumulação dos erros de um longo passado, as
houverem atraído, provocando - quem sabe? - o êxodo de populações espavoridas,
importa e urge que deste lado do Atlântico, braços, coração e território
amplamente aberto para receber os foragidos de toda parte, o povo brasileiro,
tornado eco do Evangelho do Amor que deve ser para ele mais que nunca a Lei das
leis, faça bem alto ouvir a sua voz, numa acolhedora saudação:
-
Sede bem vindos, irmãos de todas as latitudes! Recolhei-vos a esta hospitaleira
terra, em que há lugar para todos os de boa vontade, fartura para todos os
diligentes, liberdade para todos os oprimidos, piedade e amor para os
repudiados de toda sorte, uma pátria em suma para os proscritos de todo o mundo.
Recebei o ósculo de paz. Vinde, conosco, abrigar-vos à sombra do Cruzeiro e,
sob as bênçãos de Deus e do seu Cristo, preparemos aqui a sua Jerusalém
celeste, enquanto não soa a hora, que não pode estar distante, de ser, para
felicidade do gênero humano, estabelecida em toda a terra.
Natal de 1917.
Fim
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