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Lancemos
o olhar sobre o espetáculo maravilhoso do infinito.
O
que no precedente capitulo expusemos da constituição do sistema planetário a
que pertence a nossa exígua Terra, posto que encerre motivos de deslumbramento
para a nossa esmagadora pequenez não representa contudo mais que um minúsculo trecho
desse universo que acima das nossas cabeças se desdobra, desafiando, mais que a
nossa contemplação admirativa, os transportes de reconhecimento Daquele que, criando-nos
simples e ignorantes, nos outorgou entretanto sublimes faculdades, microscópico
reflexo das suas, com que possamos, na curva ascensional da nossa evolução e
pela mística transfusão em nós da sua
natureza, chegar por fim a entende-lo e ama-lo,
servi-lo e glorifica-lo, no conhecimento da sua obra e na obediência filial às
suas leis.
Ergamos
a vista às profundezas estreladas e ai, segundo nos informa a astronomia, a uma
distancia de 10 trilhões de léguas, iremos encontrar o sol mais próximo, isto
é, Alpha de Centauro cuja luz, varando o espaço com a prodigiosa velocidade de
75.000 quilômetros por segundo, necessita, não obstante, de 4 anos e 128 dias
para chegar até nós.
Dilatemos
o nosso campo de observação e, para todos os lados a que dirijamos o olhar,
veremos fulgir, em variadíssima policromia e intensidade luminosa, o majestoso
cortejo das estrelas.
Há
um ponto com tudo, mais que isso, uma região imensa que nos atrai particularmente
a atenção: uma faixa esbranquiçada abrangendo, como um arco gigantesco, de um
ao outro extremo do horizonte. É a Via Láctea.
"Apontemos
um telescópio para um sítio qualquer desse arco vaporoso, - diz C. Flammarion,
a quem preferimos ceder a palavra para a arrebatadora descrição - centenas,
milhares de estrelas se apresentarão no campo telescópico, como se fossem picadas
de agulhas na abóbada celeste. Esperemos alguns instantes, deixemos a nossa
vista habituar-se à escuridão do fundo e as pequenas centelhas faiscarão aos
milhares. Deixemos o instrumento móvel,
apontado para a mesma região, e lentamente passará diante da nossa vista fascinada
o exército longínquo das estrelas. Dentro de um quarto de hora veremos aparecerem
milhares e milhares. Willian Herschell contou 331.000 numa largura de 5 graus tomada na constelação do Cisne, que
parece muito leitosa até sem auxílio de instrumento. Se víssemos passar toda a
Via Láctea, aparecer-nos-iam dezoito milhões.
"Esta
sementeira - prossegue o ilustre sábio - se compõe de astros, que não podem ser
vistos separados, sem instrumento, inferiores à sexta grandeza, mas unidos de
tal forma que parece que se tocam e traçam o esboço nebuloso que os olhos da
humanidade, abertos para o céu, contemplam e admiram há milhares de anos. E
pois que se desdobra como uma cinta em volta do céu, estamos por conseguinte na
Via Láctea. O fato que logo se impõe ao nosso espírito é que o nosso sol é uma estrela da Via Láctea."
A
proximidade em que parece estar esses milhões de estrelas - apressemo-nos,
todavia, a acrescentar - ao ponto de apresentarem, a olhos desarmados, esse
aspecto esbranquiçado semelhante a uma gigantesca nebulosa, é apenas ilusória,
porque de fato entre umas e outras medeiam irregulares e colossais distâncias,
que se medem por trilhões de léguas. Se parecem unidas, é porque se projetam
umas adiante das outras em múltiplas direções.
Maravilhoso
é, sem dúvida, esse espetáculo de dezoito milhões de sói, intercalados ao
demais de nebulosas propriamente ditas, isto é, de imensas massas cósmicas de constituição gasosa, berços de futuros sistemas
planetários, mas inda assim não representa mais que uma limitada zona do infinito.
Fora da região da Via Láctea, os arquipélagos estelares se desdobram em todos os sentidos.
"Podemos
considerar o universo visível - observa ainda C. Flammarion - constituído por
mais de cem milhões de sois, dispostos numa imensa aglomeração, de forma lenticular,
cujo diâmetro parece ser oito ou dez vezes maior que a espessura." E acrescenta:
"As aglomerações de estrelas apresentam todos os graus, tanto em o número
como na condensação das suas componentes. Há algumas que se compõem apenas de
algumas estrelas: outras formam uma associação de umas poucas de dezenas;
outras são constituidas por uns poucos de centos ou milhares."
Dessas
aglomerações, a mais conhecida, por visível sem auxilio de instrumento, é a das
Plêiades, pouco importante, quando assim contemplada a vista desarmada, mas que
se torna esplendida, observada com o auxilio de um binóculo, inda que seja de
pequeno alcance: parece que está uma pessoa a ver diamantes luminosos a
brilharem no fundo negro do céu."
O
mesmo se dá com outras aglomerações, cujo esplendor aumenta à proporção que a
objetiva telescópica as aproxima do campo visual do observador. Para se ter uma
ideia do deslumbramento que causa essa contemplação, baste-nos reproduzir ainda
esta animada, descrição do eminente astrônomo:
"As
Hyadas, que se podem admirar sem auxílio de instrumento, ao pé de Alclebaran; a
aglomeração do Câncer, que se distingue nesta constelação; a aglomeração de
Gêmeos, a de Perseu, a dos Lebreus e a de Hércules nos apresentam associações
de sóis, umas mais ricas que outras, visíveis em diferentes regiões dos céus.
Mas tudo isso é um prelúdio apenas do que a visão telescópica nos pode oferecer.
Quem é capaz de contemplar sem se comover, inda que seja na incompleta reprodução
de uma gravura fria, as aglomerações esteIares do Centauro, ou do Tucano, constituída por uns poucos de milhares de sois?
A do Centauro é sem comparação a mais rica e a maior de todo o céu e apresenta no centro
uma condensação deslumbrante: a do Tucano, que também se pode ver sem instrumento
ao pé da nuvem pequena de Magalhães, numa região do céu austral completamente desprovido
de estrelas, prolonga-se com estrelas menos condensadas; há uma estrela dupla
que se projeta nessa aglomeração, mas é provável que esteja muito separada e
não tenha com ela conexão alguma.
"Podemos
avaliar em dez a quinze mil anos o tempo que leva a luz para de lá vir até cá. No
Cruzeiro do Sul podemos admirar com indizível estupefação uma brilhante
aglomeração de 110 estrelas de sétima grandeza, ou ainda menores, das quais as
mais luminosas têm resplendores de todos os matizes: vermelho rubi, verde
esmeralda, azul safira, parece um estojo de pedras preciosas.
Na
contemplação dos céus não há espetáculo que seja tão grandioso, tão eloquente,
como o das aglomerações de estrelas. Na maior parte estão elas a uma distancia
tão grande de nós que com os melhores telescópios não podemos, ver mais que uma
espécie de poeira de estrelas... "
E
todavia - observaremos por nossa parte - se fosse apenas um mostruário de
esplendores inertes, por maior deslumbramento que a nossa vista provocasse esse
espetáculo, não exerceria sobre a nossa inteligência a comovedora impressão que
exerce, ao considerarmos que em torno dessa prodigiosa multidão de sóis,
disseminados no infinito, gravitam mundos em muito maior numero,
indubitavelmente povoados de humanidades que trabalham, pensam, amam, gemem,
sofrem e gozam, entoando por toda parte o hino grandioso da vida e glorificando
com essa mesma vida o seu Autor.
Cem
milhões de soes, portanto; e quantos milhões de mundos? Mas será tudo acaso?
Não, pois que essa gigantesca cifra apenas se refere ao universo que podemos
ver com o auxílio dos mais poderosos instrumentos e
"é possível que haja em torno do nosso universo visível um espaço imenso,
completamente vazio e deserto, além do qual, a distâncias incomensuráveis,
existem outros universos, e assim por diante ..."
Digamos,
pois, ainda com Flammarion:
"Sem
dúvida o universo visível, com os seus cem milhões de sóis, representa apenas
uma parte infinitesimal da totalidade do universo, cio infinito; é uma aldeia
numa província, ainda menos. Por outro lado, os milhões de anos, ou antes, os
milhões de séculos com que nós tentamos exprimir o desenvolvimento progressivo
das nebulosas, dos sóis e dos mundos não são mais que um rápido instante na
duração eterna. Impossível nos é, por conseguinte, quando tentamos conceber
estas grandezas, deixar de convir que o nosso campo de observação ,é
insuficiente e que o universo é incomparavelmente mais vasto, mais prodigioso e
esplendido que tudo o que a ciência nos revela, que tudo o que a imaginação pode
sonhar."
Pois
bem, simultaneamente dentro e acima desse universo infinito, animando-o com a
sua presença, vivificando-o com a sua vida eterna, de que é o onipotente foco,
palpita o Espírito de Deus, incognoscível e insondável, se em sua majestosa
infinidade o pretendesse apreender o nosso limitado e obscurecido entendimento,
objeto contudo de nossas mais puras e elevadas aspirações, Centro de Amor e de
Verdade, para o qual portanto nos sentimos chamados a gravitar por toda a eternidade.
Gravitar
para Deus quer dizer aproximar-se d'Ele. De que modo? - Por uma dupla
contemplação: pela inteligência e pelo coração.
À
inteligência nos fala Ele no espetáculo maravilhoso da criação, e não somente
no descortino dos céus, que nos deixam extasiados e aturdidos, senão também nas
menores palpitações da vida que em torno de nós, a cada passo, nos desafia e
cativa a atenção, o que fez o grande Lineu, "depois dos seus admiráveis
trabalhos sobre as plantas (1), exclamar:
(1) O
ESPÍRITO CONSOLADOR, 5ª efusão, págs. 48.
"0
Deus eterno, imenso, que tudo sabe e tudo pode, passou por diante de mim. Eu
não o vi face a face, mas esse reflexo dele, surpreendendo a minha alma, lançou-a
no auge da admiração. Tenho seguido aqui e ali os seus passos por entre as
coisas da criação, e em todas as suas obras, até nas mais pequenas, nas mais
imperceptíveis, que poder, que sabedoria, que indefinível perfeição! Tenho
observado como se sobrepõem e encadeiam os seres animados no reino vegetal lei
os próprios vegetais aos minerais que estão nas entranhas do globo, ao passo
que o mesmo globo gravita numa ordem invariável em torno do Sol, ao qual deve a
própria vida. Vi finalmente o sol, e todos os outros astros, todo o vastíssimo
sistema sideral, incalculável na sua infinidade, mover-se no espaço, suspenso
no vácuo por um primeiro motor incompreensível, que é o Ser dos seres, a Causa
das causas, o Guia e o Observador do Universo, o Mestre e o Operário de toda a
obra do mundo. Todas as coisas criadas dão testemunho da sabedoria e do poder
divinos, ao mesmo tempo que são o tesouro e o alimento da nossa felicidade. A utilidade
que tem atesta a bondade d'Aquele que as fez, a sua beleza demonstra a
sabedoria, ao passo que a sua harmonia, a sua conservação, as suas justas
proporções e a sua inexaurível fecundidade proclamam o poder desse grande Deus.
"
É
assim, com efeito, em presença desse espetáculo augusto da criação, que é a
expressão visível do seu invisível Amor; que não já o homem simples, ignorante
e crédulo, mas o próprio cientista se torna religioso, de tal sorte que a única
atitude a que se sente irresistivelmente compelido é a de prosternar-se em
pensamento, para adorar o Espírito divino, que já lhe não fala então somente à
inteligência, mas simultaneamente ao coração.
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