Lincoln
e o Espiritismo
por Clémens
Reformador
(FEB) Abril 1947
Miss
Nettie Colburn morava em Albany, onde fazia sessões, falando os Espíritos por
seu intermédio.
Era
considerada pessoa muito simples, tímida e perfeitamente honesta.
Durante
a guerra de secessão, seu irmão, havendo adoecido, obteve licença, mas perdeu o
respectivo documento. Nettie, que tinha vindo a Washington, em companhia da
mãe, para cuidar do enfermo, ficou muito aflita, porque a perda da licença o
obrigava a voltar ao serviço para justificar a falta.
Achava-se
ela em casa de correligionários, e estes
conheciam alguém que, na Casa Branca, muito se interessava pelos fenômenos
espíritas.
Era
a própria esposa do presidente, a qual entretinha relações com alguns médiuns. Falaram-lhe na jovem Nettie que, em estado de
inconsciência, fazia curiosas revelações.
A
mulher do presidente manifestou desejo de vê-la, e como Nettie se lhe
apresentasse com os olhos avermelhados pelas lágrimas, que a ocorrência
relativa ao irmão fazia-a verter, foram logo tomadas as necessárias providências
para ser sanada a falta.
Miss
Nettie, a quem essa boa notícia restituiu a tranquilidade, achava-se em ótimas condições para realizar a sessão, e, depois de
ouvi-la, a senhora Lincoln pediu-lhe que ficasse em, Washington, a fim de
apresentá-la ao marido.
Refere
a nossa médium, na história de sua vida, a grande comoção que sentira, quando, toda trêmula, se apresentou nessa recepção, em
palácio, na qual devia encontrar o primeiro magistrado da República.
Entretanto,
quem a recebia com muita amabilidade era a senhora Lincoln e a apresentava em
seguida a duas outras pessoas.
Esperavam
o presidente, que já tardava.
A
amiga de Nettie, a senhora Milles, que também era médium de fenômenos físicos,
sentiu-se impelida para o piano, que se achava aberto.
Sentou-se
ao mesmo e, durante algum tempo, ficou com os dedos imóveis sobre as teclas à
espera da ação dos Espíritos... De repente, fez ouvir uma marcha triunfal,
tocada como se fosse por mão de mestre. Às últimas notas, Miss Nettie olha
fixamente para a porta: entrava o presidente.
Ele
fez algumas perguntas à médium, que, perturbada e confusa, como uma acanhada
menina de escola, respondeu-lhe com os monossílabos "sim" e
"não".
Afinal,
inquire o presidente, de que modo procedeis para falar "aos
Espíritos"?
Intervém então a amiga de Nettie, sugerindo a
ideia de formar-se um círculo, não havendo, porém, necessidade da cadeia de
mãos, como se costumava praticar. Foram estas as últimas palavras ouvidas pela jovem Nettie, que
caiu logo em estado de inconsciência.
Eis
o que se passou em seguida:
Essa
franzina mocinha, que, ainda há pouco, comovida e tímida, não ousava articular
outras palavras mais que "sim" e "não", quando a interrogava
o presidente, dirigiu-se ao mesmo e falou-lhe com voz firme.
A
princípio ocupou-se de certos assuntos, que somente Lincoln parecia
compreender. Depois a voz, adquirindo um acento forte e másculo, abordou o
problema do dia - a Proclamação da Emancipação, declarando ao presidente que
não modificasse de modo nenhum as suas intenções, e, servindo-se de uma
linguagem enérgica e solene, intimou o chefe da nação para que a data da
proclamação não ultrapassasse o fim do ano (1), devendo ser esse ato o
coroamento de sua legislatura e de sua vida.
(1) Era em Setembro
de 1862. A proclamação foi publicada em 1º de Janeiro de 1863.
O presidente Lincoln
foi assassinado no teatro, em Washington, pelo ator Booth, no dia 14 de Abril
de 1865.
Cumpre
não dar ouvidos, dizia a inspirada, àqueles que aconselham o adiamento; cumpre
permanecer firme em suas convicções, executar a tarefa, realizar enfim a missão
que a Providência lhe há confiado."
Declararam
testemunhas presenciais que "com tanta majestade foram pronunciadas as últimas palavras, com tanta eloquência e em
termos tão nobres e alevantados que pareciam ordens emanadas de algum arcanjo."
Voltando
ao estado normal, Miss Nettie deparou com o presidente, que se - assentara e,
de braços cruzados, fixava-lhe o olhar admirado.
Cheia
de perturbação, a médium, procurando recordar-se do lugar em que se achava,
afasta-se, no meio do profundo silêncio que todos guardavam.
Afinal,
um dos assistentes, amigo íntimo de Lincoln, perguntou-lhe à meia voz se não
havia notado alguma coisa de especial no modo de discorrer do orador, a quem
acabavam de ouvir. O presidente teve um
estremecimento, como se saísse de um sonho, e, erguendo a mão - foi esta a sua
silenciosa resposta - apontou para um retrato que pendia da parede. O retrato
era do ardente chefe de partido, o grande Daniel Webster, cuja eloquência
irresistível vibrara outrora no Senado e sempre sobre o interminável problema
da escravidão.
-
Se não me julgais indiscreto, murmurou o Sr. Somes, poderei perguntar se
efetivamente, Sr. presidente, houve pressão, como a voz revelou, para ser
adiada a proclamação?
Com
um sorriso benévolo, respondeu Lincoln:
-
Nas atuais circunstâncias a pergunta vem muito a propósito. Posso dizer que me
é preciso empregar toda a minha vontade e todos os meus esforços para resistir
a essa pressão que exige o adiamento...
E,
voltando-se para a jovem médium, disse:
-
Minha filha, possuís um dom verdadeiramente extraordinário. Que ele venha de
Deus, não o duvido. Agradeço a vossa vinda até aqui, esta
noite. É mais importante do que podem supor todas as outras pessoas presentes. Espero
ainda ver-vos.
E
retirou-se.
(De L'Intervention des Invisibles dans l'Histoire Moderne.)
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