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Sem descairmos dessa dupla e
remontada contemplação, antes nela permanecendo como o mais seguro guia para
nos orientarmos na cogitação dos divinos atributos, vejamos que noções nos é
possível adquirir a tal respeito.
Não
se trata evidentemente - já o assinalamos no começo - de definir o indefinível;
que tanto valeria a pretensão de, em si mesmo, penetrar as manifestações do Ser
eterno, senão de as apreciar tais como ao nosso mesquinho entendimento se afiguram.
Dir-se-á
que isso é puro antropomorfismo. Que outra coisa, porém, tem sido e será
possível ao homem senão conceber tal Divindade através o prisma de seus próprios
conhecimentos, de suas capacidades e percepções, apenas exaltadas? É por isso
que a noção de Deus tem variado consoante o grau de progresso intelectual e
sobretudo moral da Humanidade. Para os povos bárbaros o Ser Supremo é a suprema
representação da violência, a essa regra não fazendo exceção o povo hebreu, que
nele via o "Deus dos exércitos," vingativo, exclusivista e implacável,
inimigo das demais nações, reservando unicamente os seus favores, para o "povo eleito,"
senão mais restritivamente, dentre este, para os que o temessem e aos seus imperativos
mandatos se curvassem. Já o Deus que o Cristo revelou aos homens é o Pai de
misericórdia e de bondade, cheio de solicitude providente por tudo o que criou.
O amor e a justiça, como o veremos em seguida, são os seus atributos fundamentais:
O
Espiritismo, apoiado no Evangelho, vem ampliar essas noções e, coincidindo numa
época de maior desenvolvimento do senso moral e da mentalidade humana, fornece
dos atributos divinos uma concepção que se pode considerar a mais completa e
satisfaz por isso as mais elevadas aspirações do nosso coração.
Deus
- expôs Allan Kardec, com aprovação dos espíritos reveladores (1) - é único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente
justo e bom, infinito em todas as suas perfeições. "
(1) O LIVRO
DOS ESPÍRlT0S, parte 1ª, cap. I, "Atributos da Divindade. "
Os
dois primeiros desses atributos -decorrem logicamente do que acerca da criação tivemos
o cuidado de previamente expor até aqui. Não é verdade que a harmonia que se observa
no Cosmos e até nas mínimas coisas, revelando a unidade de lei que as regule
mantém, a tal ponto que os movimentos de rotação e translação efetuados pelos
astros gigantescos são identicamente descritos pelos átomos, no domínio do
infinitamente pequeno, atesta a unidade da Causa que os produz?
Sendo
único, Deus é também eterno, pois que, sendo eterna e incessante a criação - e,
por mais que a noção de eternidade ultrapasse a nossa capacidade perceptiva, o
que é impossível é concebermos um tempo em que nada existisse, do mesmo modo
que nos repugna imaginar um outro tempo em que tudo o que existe cesse de
existir, a não ser substituído por novas criações (2) - o seu Autor preexistente de toda a eternidade e por toda a
eternidade subsistirá como causa primaria, razão de ser, alfa e ômega de tudo
quanto por Ele foi, é e há de ser.
(2) Referimo-nos ao aspecto visível e material do Universo;
porque no que se refere às coisas invisíveis e imponderáveis, sabemos que se
podem transformar, mas não desaparecer; e no que se refere ao espírito, sabemos
também que, imortal, pode se transfigurar no curso de sua evolução, mas
permanecerá eternamente.
Deus
é imutável ,e imaterial. Imutável se revela Ele na constância e estabilidade
das leis que regem o universo, e sobre as quais repousam todos os cálculos e afirmações
da ciência positiva. Se, ao demais, fosse passível de mudanças, podendo cessar
de ser num tempo o que tinha sido noutro, já não seria o Absoluto, o
Perfeito. Ora, o relativo e o perfectível não se entendem senão do que é
transitório e parcial. O contingente muda, mas o necessário, o Absoluto fica,
sempre idêntico a si mesmo. Imutabilidade e imaterialidade são ideias que intimamente
se associam, por isso que tudo o que é material está, por sua natureza, sujeito
a mudanças e transformações. O Imutável tem, pois, que ser forçosamente imaterial.
Deus
é onipotente, porque é único e eterno. Não é Ele o autor de tudo quanto existe?
Onde reside, senão nele, a força que mantém no infinito a infinidade dos astros
que o povoam, a soberana Inteligência que lhes regula as órbitas e faz por toda
parta palpitar o movimento e a vida, que de sua proporia vida se alimenta? Se,
portanto, não tivesse o poder absoluto, outro poder existiria que lhe fosse
igual ou superior em tal caso já não seria único. Animando a eternidade e o infinita com sua
presença incessantemente ativa, as suas obras, que atestam a unidade de
substancia e a unidade de lei organizadora e criadora, atestam, por conseguinte,
ao mesma tempo, que Ele é todo-poderoso.
Sobre
esses atributos, cuja ,apreciação pertence ao domínio filosófico puramente
especulativo, culminam os que se relacionam com a ordem moral, que mellhor diríamos
espiritual ,da criação, (1) para nós de
tanto maior importância quanto, não somente a essa ordem se acham subordinados
todos os fenômenos e todas as operações vitais do Cosmos, senão que - e esta
razão, como suprema orientadora das relações entre a criatura e o Criador,
interessa fundamentalmente a nossa consciência - de bem nos fixarmos sobre
esses atributos, em sua conexão com a nossa própria vida, depende a natureza do
sentimento que em nós desperte o Ser Supremo. Assim, por exemplo, o Deus
iracundo e justiceiro do hebraismo, a que acabamos de aludir, poderia
certamente ser temido, constrangendo à obediência ; mas só o Deus
misericordioso e paternal, que o Cristo revelou, pode ser verdadeiramente amado
e obedecido com filiais extremos.
(1) Não
quer isso dizer que dos atributos divinos sejam maiores ou mais excelentes uns
que outros, Em si mesmos, se assim os pudéssemos apreciar, são necessariamente
idênticos em natureza e infinidade. A distinção que ousamos estabelecer
entende-se apenas do ponto de vista humano, relativo, em que nos colocamos para considerar a influência (que mais direta e
particularmente sobre nós exercem, à qual corresponde o maior ou menor grau de
interesse que para nós reveste o seu conhecimento. Assim, mais nos comove a
bondade de Deus, que em nossa vida se reflete, do que, por exemplo a onipotência.
cujas extrínsecas manifestações só pelo
pensamento e não pelo coração podemos .apreciar.
Dizendo,
pois, que Deus é soberanamente justo e bom, ao que, para suprir por uma fórmula
suficientemente ampla a deficiência naturalmente insinuada na enumeração de
seus atributos, acrescenta que é infinito em todas as suas perfeições, isto é,
mesmo naquelas de que não podemos ter ideia, o Espiritismo indica os títulos
por excelência com que Ele se impõe aos mais profundos, aos mais comovidos
surtos adorativos do nosso coração.
O
princípio de justiça constitui uma aspiração ideal do espírito humano, tanto
mais imperiosa e esclarecida quanto mais se eleva ele na escala evolutiva. E,
se o homem, ser criado, aspira à justiça, é que o Criador não somente a tem
realizado de toda a eternidade, mas por essa misteriosa intuição o convida a
conquista-la, realizando-a em si mesmo. Sobre esse principio repousa toda a
ordem moral do universo, como é ele que preside a todos os movimentos da consciência,
orientando-a no sentido de uma retidão sempre e cada vez mais elevada.
É
por isso, porque a consciência é o veículo da comunicação divina com o homem,
que, embora as magnificências do Cosmos e o esplendor da vida que exteriormente
contemplamos, desde a infinita multiplicidade dos astros à existência dos menores,
dos mais imperceptíveis seres, sobre os quais se estende a solicitude
onipotente, nos falem da grandeza, do poder e da bondade de Deus, é em nós
mesmos que o havemos de sentir e reconhecer em suas divinas manifestações .
.Para isso, porém, é necessário que a essa mesma bondade, e no mais alto grau
compatível com a nossa inferioridade, nos tenhamos convertido. Então aquela
mesma noção de justiça, que aspiramos, se terá iluminado, e compreenderemos que
o Pai celeste não é apenas aquele Juiz impassível que dá "a cada um
segundo suas obras." mesmo que na balança divina, como não é possível
deixar de suceder, as obras sejam pesadas consoante a intenção, o grau de
discernimento e a capacidade de obrar de cada um, mas que é sobretudo, o
Deus-Amor, em quem a bondade e a justiça de tal modo se fundem e consorciam que não constituem mais que um mesmo
indissolúvel atributo.
Não
o disse Jesus, no tocante "sermão da montanha," ao desfiar aquele rosário
de comovedoras promessas com que acenava a todas as almas órfãs das consolações
do mundo? - "Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a
Deus”. Como se pode entender essa visão do Ser infinito, senão como uma percepção
reflexiva e interior? Assim, na alma que, a, poder de bondade, se tornou
bastante pura para realizar aquela palavra mística Cristo, "sede um
comigo," à semelhança do sol que integralmente se 'reflete num vaso d'água
límpida, a imagem de Deus, que é o sol do amor e da verdade, se refletirá sem
obscurecedoras interposições.
Enquanto
não atingirmos as culminâncias de perfectibilidade, um meio contudo existe de
nos orientarmos com segurança no que se refere à possibilidade cognitiva dos
divinos atributos: é ainda e sempre a palavra de Jesus que, embaixador do Pai,
com a suprema autoridade que de sua mesma pureza resultava, deu testemunho, não
da fria "impassibilidade" que certas escolas filosóficas pretendem
atribuir a Deus, mas do infinito amor, palpitante e vivo, com que se desvela
pela menor de suas criaturas, a tal ponto que o simples arrependimento de um
culpado constitui motivo de júbilo nas regiões celestes.
É
assim que, entre outros episódios de sua vida inimitável, como o censurassem
entre si os fariseus por conviver com os pecadores, vemos, por exemplo, o
Divino Mestre lhes propor esta parábola (LUCAS, XV, 3-7), dizendo:
"Qual
de vós outros é o homem que tem cem ovelhas, e se perde uma delas, não é assim
que deixa as noventa e nove no deserto e vai buscar a que se havia perdido, até
que a ache? E que, depois de a achar, a põe sobre seus ombros, cheio de gosto,
e vindo à casa, chama os seus amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Congratulai-vos
comigo, porque achei a minha ovelha que se havia perdido? Digo-vos que assim
haverá maior jubilo no céu sobre um pecador que fizer penitência do que sobre
noventa e nove justos que não hão mister de penitência."
Comovedor ensino, calcado sobre uma
figura de tanta singeleza quanta propriedade, colhida nos hábitos daquele povo
de pastores, que nos deixa alvoroçados e confusos, na incapacidade de compreendermos
como pode o Ser eterno, ao mesmo tempo que provê, regula e dirige os grandes
sucessos do universo, a evolução dos mundos e a marcha coletiva das humanidades
que os povoam, desatar-se em gestos de paternal solicitude por esse minúsculo átomo
- e menos que um átomo, em face do infinito - que é a mesquinha criatura neste mundo!
E,
todavia, é esse mesmo ensino o que decorre da parábola do Filho Pródigo, que já
tivemos precedentemente ocasião de analisar, na qual pelo Cristo nos é
apresentado o Criador, não impassível - seja-nos lícito insistir - mas como um
verdadeiro Pai, que se comove com a regeneração de todo transviado, ensino que
ao demais se harmoniza com a concepção que temos, e já ficou exposta, acerca
não apenas da imanência, mas da onipresença de Deus na criação, cada uma de
cujas partes e até os ínfimos seres, como o todo universal, imergem na divina
essência que os anima, satura e vivifica, de tal sorte que nenhum sucesso
ocorre no universo e, portanto, nenhum movimento se opera no próprio foro da
consciência humana, que não tenha a sua repercussão no santuário da consciência
divina.
Contra
esta concepção pouco importa que se sublevem as teorias filosóficas, puramente
racionalistas, que se não podem conciliar com a ideia de que Deus seja afetado
pelos atos e sentimentos humanos, porque em tal caso a sua imutabilidade
sofreria variações e, portanto, cessaria de existir. Por admissível,
entretanto, que se afigure semelhante raciocínio, a tais sutilezas entendemos
que se eleve preferir o testemunho do Divino Mestre, mais que todas as filosofias
e os mais reputados filósofos, autorizado de ciência própria a nos iniciar nos
transcendentes "mistérios do reino dos céus" e, assim, no
conhecimento do maior de todos, que é, em suas infinitas expansões, o amor de
Deus por suas criaturas.
Não
vemos, todavia, dificuldade em conciliar a imutabilidade divina com as
expansões daquele amor, que figuradamente se traduz em júbilo e festas, como no
caso da aludida parábola, a propósito do regresso do filho pródigo, ou ainda do
encontro da ovelha desgarrada, isto é, do arrependimento e retorno de um
culpado, porque o amor, sempre infinito, por este não sofreu aumento, como não
sofrera diminuição com o seu transvio: apenas teve ensejo de se expandir no
arrependido comunicando- lhe a sua exuberância, que em si mesma nunca cessara de se manter idêntica .
Por
outros termos: a imutabilidade, peculiar aos atributos divinos e, por
conseguinte, ao amor, que é a fonte por excelência de todas as suas manifestações,
não é incompatível com a íntima conexão que indicamos existir entre a variadíssima
gama dos atos e sentimentos individuais e a consciência divina, em cujo seio
repercutem graças à sua onipresença, nem é atingida pelas variantes de efusão
com que aquele amor se exprima, porque neste caso as variações não estão no
amor, sempre infinito e inalterável, mas no modo como se faz sentir sobre o seu
objeto, e no que se refere aos diferentes movimentos das consciências individuais,
a sua repercussão na consciência divina, cujo característico há de ser
necessariamente a serenidade absoluta, em nada seria capaz de perturbar ou
alterar essa, de si mesma, intangível serenidade.
Em
que consistem, porém, ou podem consistir as variantes de efusão com que se
exprime o amor divino? Evidentemente em que umas vezes se traduzem pela
expansão, outras vezes pela repressão: ora transfundindo nos seres uma parte da
sua radiosa plenitude, ora apurando-os no cadinho do sofrimento, destinado a
lhes exaltar as secretas, adormecidas potencialidades. Que são, com efeito, as
angústias, os remorsos, as dolorosas expiações dos espíritos culpados, geradas embora pela, natureza
dos seus próprios atos e como inevitáveis reações da lei moral por eles transgredida,
senão paternais advertências com que o amor de Deus os procura atrair ao caminho
da regeneração e da felicidade, dessa felicidade espiritual de que nenhuma criatura
está excluída para sempre e a que cumpre sejam quanto antes reconduzidos os que
mais se distanciaram, nos vertiginosos desvarios da maldade?
Mas
não é unicamente como expiação que o sofrimento se abate sobre as almas.
Instrumento por excelência de sua espiritualização, companheiro inseparável do
homem, como ao demais de todos os seres neste mundo, vários são os aspectos que reveste e, porque é inestimável a
sua utilidade e razão de ser providencial, a escala em que se desdobra
apresenta uma extensão ilimitada, se porventura assustadora ou, à primeira
vista, intolerável, no conceito dos não iniciados nos transcendentes problemas
da espiritualidade, própria contudo a fazê-lo despojar-se do cunho, por assim
dizer, de maldição ou de repulsa, que lhe é geralmente atribuído, para adquirir a significação
de um beneplácito divino.
E
não é difícil a demonstração.
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