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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Reformador nº 1




Assim
começou
o “Reformador


            “Abre caminho, saudando os homens do presente, que também o foram do passado e ainda hão de ser os do futuro, mais um batalhador da paz: o Reformador.
            Alongando o olhar em derredor, percorrendo com a vista, até o horizonte, toda a vasta superfície do campo em que nos achamos, vemos uma multidão de homens, formando diversos grupos. Cada um desses grupos hasteia uma bandeira diferente no fundo e na forma, quanto aos fins e quanto aos meios. São estes grupos provenientes da divergência no modo de considerar as coisas e formados para manter e defender preceitos religiosos e interesses políticos, doutrinas filosóficas e princípios científicos antagônicos, opostos, contrários, grupos que mais despertam a nossa atenção, porque alguns deles, não encerrando em si suficientes elementos de vitalidade, os buscam fora, na polêmica; além de que, acreditando que só na sua bandeira está inscrita a verdade, se combatem, lançando o anátema reciprocamente, e se agridem com a acrimônia e a sanha do amor próprio e da sem razão.
            Estudando os efeitos, chegamos a conhecer as causas, destruídas as quais, por força, em virtude do princípio - cessada a causa, cessa o efeito, desaparecerão as funestas conseqüências dessa luta sem tréguas, travada desde a mais remota antigüidade, entre aqueles que reconhecem a existência do Espírito e os que só admitem a matéria, os quais ainda se subdividem num grande número de grupos secundários.
            A causa dessa dissidência depende do ponto de vista exclusivo em que cada um se coloca. A dissidência, porém, é mais aparente do que real e verdadeira; na essência, no fundo, na origem, todos estão na verdade. Esta proposição parecerá a muitos um paradoxo, entretanto, uma simples reflexão mostra que nenhum desses grupos pode ser considerado como seguindo caminho falso, em absoluto.
            Cada um deles conta em seu seio com homens de grande mérito intelectual e moral, de talento e ilustração, verdadeiros sábios, os quais sustentam as suas doutrinas e defendem as suas escolas, cada um a sua, como a única verdadeira, e, de parte a parte, apresentam os mais bem deduzidos argumentos e as provas mais evidentes das suas asserções, sendo forçoso admitir que ambos os grupos estão com a verdade.
            E de fato assim é: não podia ser de outra forma, porque cada grupo pode possuir uma certa soma de verdades relativas e afirmar que está na verdade. O que, porém, não podia, ou não devia, era lançar o anátema ao seu contrário. Aí o erro; aí o mal, que cumpre combater em bem da fraternidade e da paz universal, o que constitui o verdadeiro progresso.
            Assim pois, cada um dos diversos grupos que apontamos possui algumas verdades relativas, que constituem os fundamentos das doutrinas que sustenta; todos eles, portanto, tem entre si um ponto de contato, um laço de união, até agora invisível e inapreciável para cada um. Por isso é que se repeliam, voltavam as costas uns para os outros, por amor à verdade, imaginando-se cada um o único possuidor dela.
            Tendo todos o mesmo ponto de partida, a base, a essência era a mesma para todos, estavam todos unidos na origem. Como, porém, encarou a coisa debaixo de um ponto de vista diferente e encetou a marcha em linha reta e no sentido da direção inicial, sucede que, quanto mais se adiantam, mais afastados se acham uns dos outros; mas, continuando a seguir cada um a sua derrota, hão de necessariamente, encontrar-se todos no fim da jornada, porque, tendo partido do polo negativo e dirigindo-se forçosamente ao polo positivo da esfera da vida, aí se encontrarão necessariamente.
            Cada viajor segue o seu caminho, apoiado no bordão de peregrino que escolheu e auxiliado pelos recursos que angariou.
            Para efetuar a peregrinação, certas coisas são de mister: os meios de transporte, os aparelhos e instrumentos precisos, segundo o gênero da peregrinação e um guia.
            Entre os meios, figuram as hipóteses e, como bagagem, as idéias adquiridas, os hábitos, os preconceitos e os vícios contraídos.
            As hipóteses são as picadas abertas pelos exploradores na mata das pesquisas científicas; são atalhos entre as longas curvas da estrada ordinária, ou indicações de rumos a seguir, espécie de faróis, no mar das investigações.
            As idéias preconcebidas, os hábitos, os preconceitos e os vícios adquiridos são a montanhas escabrosas que dificultam a marcha, madeiros que atravancam o caminho, parceis que embaraçam os portos. Uns e outras, por isso não podem constituir os materiais de nenhuma escola, a nenhuma podem filiar-se. Ainda mais: se as hipóteses são úteis, podem mesmo tornar-se necessárias; as idéias preconcebidas, o apego aos conhecimentos adquiridos, o hábito, a tendência à imobilidade são contrários ao progresso e, por isso, devem ser combatidos como elementos de estagnação, de aniquilamento.
            Esta é a tarefa de cada um e, portanto, igualmente, do Reformador: caminhar em linha reta, tendo em mira o alvo que é comum a todos, seguindo sempre no sentido da direção inicial.
            É isso que ensina o Espiritismo, como se vê do que se segue:
            O Espiritismo é ciência nova que vem a revelar aos homens, por meio de fatos e provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e suas relações com o mundo material.
            A ciência espírita demonstra que o mundo espiritual não é uma coisa sobrenatural, mas, ao contrário, uma força essencialmente ativa, origem de todos os fenômenos da natureza, até hoje não compreendidos e, por isso, lançados para o domínio do fantástico, do maravilhoso, do sobrenatural.
            Para aqueles que consideram a matéria como o único agente da natureza, tudo o que não se pode explicar pelas leis da matéria é maravilhoso ou sobrenatural e, para esses, o maravilhoso é sinônimo de superstição. Com um tal sistema, a religião, fundada na existência de um princípio imaterial, é um tecido de superstições; não se animam a di-lo em voz alta, mas dizem-no em voz baixa e julgam assim salvar as aparências, concedendo que haja uma religião para o povo ignorante e para as crianças. Ora, o princípio religioso é verdadeiro ou é falso; se é verdadeiro, deve de o ser para todos; se é falso, não é por isso melhor para os ignorantes do que para os instruídos.
            São chegados os tempos em que a ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, deve levar em conta o elemento espiritual, e que a religião cessará de desconhecer as leis orgânicas e imutáveis da matéria; essas duas forças, apoiando-se uma sobre a outra e marchando de harmonia, se prestarão um mútuo auxílio. Então, a religião, não recebendo mais o desmentido da ciência, adquirirá um poder inabalável, por se achar de acordo com a razão e não se lhe poderá opor a irresistível lógica dos fatos. Ao Espiritismo estava reservado o papel difícil  mas, por isso mesmo, glorioso de estabelecer a aliança da ciência e da religião.
            A Doutrina Espírita muda inteiramente a maneira de encarar o futuro.
            A vida extra-corporal não é uma hipótese, porém, uma realidade; o estado das almas depois da morte não é um sistema, porém, sim, o resultado de uma abservação. Ergueu-se o véu; o mundo espiritual, em todas as fases da felicidade e da infelicidade; assistimos, enfim,  a todas as peripécias da vida de além-túmulo.
            Formar uma idéia clara e precisa do que seja a vida futura é criar fé inabalável no porvir; e esta fé traz, para moralização dos homens, conseqüências incalculáveis, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual encaram a vida terrestre.
            De onde se vê que o Espiritismo não é, de modo algum, contrário à religião. Ele faz conhecer que a religião, sendo o modo pelo qual a criatura testemunha sua gratidão e reconhecimento ao Criador e aos Espíritos bons, não pode deixar de estar em relação com o desenvolvimento intelectual e, por isso, está sujeita as transformações que o progresso exige e a evolução efetiva.
            Daí resulta a falta de valor das dissenções religiosas que aos nossos olhos tem a importância de questões pueris.
            Deus é Pai e as criaturas são seus filhos. Não há, não pode haver paridade entre o Pai Celestial, de infinita bondade e sabedoria e o pai terresre, sujeito às contingências da matéria, sob o jugo das paixões. Entretanto, apesar de tudo, o pai terrestre deixa-se porventura impreesionar pelas exterioridades com que um de seus filhos exprime o sentimento de amor e veneração que lhe tributa? Não vê ele, bem claramente, que a forma pela qual cada um revela o seu sentimento está de harmonia com o desenvolvimento adquirido?
            Imagina-se agora a importância que poderia ter aos olhos do Criador o modo pelo qual as criaturas lhe tributam amor
            Portanto, pensar que é mais agradável a Deus receber o testemunho de amor, ser adorado, em uma casa para isso destinada; que haja intermediários entre ele e suas criaturas; que a adoração lhe seja tributada por uma forma antes do que por outra, é esquecer que Deus vê, sabe as nossas intensões e o que Ele quer, como ensinou o Cristo, é um sentimento verdadeiro, um pensamento puro, o amor d’alma, a voz da consciência contrita e não o ato externo, embora religioso na forma, porém, no fundo, contrário ao ensino do Divino Mestre. Deus é espírito e importa que os que o adoram o adorem em espírito e verdade.
            Pelas considerações que acabamos de fazer e que constituem a nossa profissão de fé, os nossos leitores, coevos e vindouros, ficam cientes de que, alumiados pela luz da Doutrina Espírita, somos evolucionistas essencialmente progressistas.
               
                Este foi o artigo de apresentação na primeira página do primeiro número do Reformador, em 21 de Janeiro de  1883,  conforme  publicado na edição de 21 de janeiro de 1933, página 1, em comemoração do cinquentenário daquela publicação, órgão oficial da Federação Espírita Brasileira.



“Em 15 de janeiro de 1898, sendo presidente da FEB o saudoso Dr. Bezerra de Menezes, o Reformador iniciou a publicação da primeira tradução da obra de Roustaing, livro que só muito mais tarde foi publicado, diante do elevado custo por que ficaria a impressão.”     
           Fonte: Reformador (FEB) Abril 1946



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