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sábado, 28 de maio de 2011

Carta a um Papa




Carta a um Papa


 I. Pequeno (Antonio Wantuil de Freitas)

Reformador (FEB)  págs. 113/114 ano 1946
               
                Transcrevemos abaixo alguns trechos da carta que o grande doutor da Igreja, S. Bernardo, dirigiu ao papa Eugênio, no começo do século XVII, carta mais tarde publicada com o título - De Consideratione - (Tratado de Consideração), traduzida para o francês pelo Sr. Buchon e por este publicada no seu livro - Seleção de Obras Místicas: Páginas  345 e 346 - Livro II - capítulo VI:
           
            “Pode-se, é certo, fazer bom uso do poder e do dinheiro, santíssimo padre. Podereis, sem dúvida, encontrar algum pretexto para granjear um e outro. Mas não podereis tirar do apóstolo o vosso direito, pois o apóstolo não vos pode haver dado o que não tinha. Ele vos deu o que tinha, isto é, a solicitude em cuidar de todas as Igrejas, porém não a dominação, visto que diz em termos formais: “Não pretenderemos ter dominação sobre o clero, porquanto fomos instituído para ser o modelo do rebanho.” (I Pedro 5,3). - E, para que não suponhais que isto haja ele dito mais por humildade do que por verdade, a voz do Senhor se faz ouvir assim no Evangelho: “Os reis das nações as tratam com império e seus governadores tiram delas benefícios; não seja assim entre vós.” (Lucas 22,25). - Donde manifestadamente se vê que a dominação é defesa aos apóstolos. Tende então, agora a coragem de juntar a dominação ao apostolado. Aí está, parece-me, uma associação que vos é defesa. Portanto, se quiserdes possuir simultaneamente as duas coisas, ambas vos serão arrebatadas...”
            Páginas 366 e 367 - Livro IV - capítulos 2 e 3, de Buchon:
            “Passemos a outras coisas. Pretenso pastor, andais coberto de ouro e todo rebrilhante de soberbos ornamentos. Que bem resulta daí para as vossas ovelhas? Se eu ousasse, dir-vos-ia que com tudo isso dais pasto aos demônios, não às vossas ovelhas. Tratava-as dessa maneira São Pedro? E São Paulo zombava assim dos fiéis?” Vemos agora todo o zelo da Cristandade aplicado unicamente em exalçar a dignidade dos seus chefes: dá-se tudo às honrarias e ao fausto, nada ou quase nada, à virtude... Permiti, pois, que eu não vos poupe, a fim de que vos poupe Deus. É preciso que desaproveis tudo isso, se não quiserdes ser desaprovado por aquele cujo lugar ocupais: quero dizer - São Pedro, a quem nunca ninguém viu carregado de pedrarias, nem vestido de seda, nem coberto de ouro, nem transportado sobre uma hacanéia branca, nem cercado de soldados, nem acompanhado de uma multidão de oficiais... Em tudo isto, sois antes sucessor de Constantino, de que sucessor de S. Pedro.
            Falarei inutilmente, mas falarei livremente. Porque inutilmente? porque os grandes da Igreja porão o máximo cuidado em não me ouvir!
            Os pontífices de outrora uma só coisa sabiam: dar tudo o que tinham e dar-se a si mesmos... todo o proveito que cogitavam de tirar dos que se submetiam à doutrina santa consistia em acharem meios de dispor dos povos a servir a Deus perfeitamente. Era no que trabalhavam de todas as maneiras, muitas vezes com o coração despedaçado e o corpo em sofrimento, ‘com fome e sede, mal vestidos sob o frio’, como diz S. Paulo. Mas, onde está agora essa moda antiga? Veio outra, algum tanto diferente, não é? As práticas do presente não são inteiramente as do passado. Confesso que o cuidado, a inquietação, o zelo, a solicitude ainda se fazem perceptíveis; mas, se não diminuíram, recaem sobre outros objetos. Sim, posso dar testemunho de que agora ninguém se poupa ao trabalho mais do que antigamente: o emprego do trabalho, o objetivo é que se tornaram menos admiráveis. Vedes, papa Eugênio, todos esses olhos postos sobre vós? Que é o que observam? Serão os vossos ensinos? Não! Olham as vossas mãos, e não sem motivo, pois que agora são as mãos que fazem todos os negócios do papado. Mostrai-me, peço-vos, em toda a vossa cidade, alguém que vos haja reconhecido por papa, sem a intervenção ou a esperança de alguma soma de dinheiro. E esses protestos, que vos fazem todos os prelados romanos, do seu devotamento ao vosso serviço, tem outro fim que não seja obter autoridade para prejudicar? Peço acrediteis que conheço bem o gênio e a maneira de agir desta nação. Hábeis para o mal, incapazes para o bem; odiosos ao Céu e à Terra por terem posto mãos sacrílegas sobre uma e outro; sem piedade real para com Deus, exploradores das coisas santas; rixentos e invejosos uns dos outros, hostis aos forasteiros; querendo que toda gente trema  diante deles; infiéis aos seus superiores e insuportáveis aos seus inferiores; importunos, desvergonhados até obterem de vós o que desejam; ingratos, desde que o tenham obtido; ninguém os pode amar, porque eles a ninguém amam... Como vedes, sei qual é a vossa camarilha: os incrédulos e os destruidores formam a vossa companhia; sois guardador oficial de lobos e não de ovelhas. Convertei-os, peço-vos, para que não vos pervertam.
            Mas como transformá-los?
            Confesso que até o presente esse povo pareceu extremamente endurecido e indomável. Estais, porém, certo de que eles são absolutamente indomáveis? Se têm uma frente dura, endurecei a vossa ainda mais do que a deles; não há nada tão duro que não ceda ao que é mais. Se tendes procedido assim, sem nada conseguir, ainda vos resta fazer uma coisa: Deixai a morada dos Caldeus! é o que vos clama o profeta. Persuado-me de que não vos arrependereis do vosso banimento, tomando por vossa habitação a terra inteira, em vez de uma cidade apenas! - Livro IV, capítulo III, tradução de Buchon, pág. 363)
            Porém, não! Volto ao meu primeiro ponto: a vós mesmo é que deveis imputar o que fazem aqueles que vos cercam, pois eles nenhum outro poder tem, senão o poder que lhes destes, ou que os deixaste tomar. 
Corre-vos por isso o dever de compordes a vossa comitiva, chamando para tão importantes funções , não esses jovens, mas os velhos verdadeiros Anciãos do Povo, a exemplo de Moisés: velhos, quero dizer: pela sabedoria e pela virtude, mais do que pelos anos, e não apanhados unicamente ao vosso derredor, mas buscados em todas as partes do mundo, porquanto, afinal, em todas as partes do mundo devem ser escolhidas aqueles que hão de julgar das coisas que interessam ao mundo inteiro... A não ser assim, os últimos tempos porão a nu o mal interior que os primeiros tempos haviam ocultado... Muito vos enganais, com efeito, se credes que a vossa autoridade apostólica promanou de Deus para ser única, não apenas soberana.
            “Toda pessoa”, diz o Livro Sagrado, “deve ser submissa às potências superiores”. Não diz: “à potência suprema”, como se fosse uma única; mas; “às potências superiores”, como sendo muitas. O vosso poder, pois, não é o único instituído por Deus; há outros menores, inferiores, que também o são. Faríeis um monstro se, destacando um dedo da mão, o ligásseis à cabeça. O mesmo se dará com esse corpo, que é a Igreja de Jesus Cristo, se colocardes os seus membros de modo diverso do em que Ele os dispôs; visto que, afinal, não imagino cometais o erro de crer que não foi Jesus Cristo quem estabeleceu na Igreja, como diz São Paulo, uns para serem apóstolos, outros para serem profetas, outros evangelistas, doutores e pastores outros, trabalharem no criar santos e em construir o corpo da Igreja... Oh! infeliz esposa de Jesus Cristo, que te achas presentemente confiada a condutores que não se envergonham de guardar para si exclusivamente o que, segundo a ordem determinada por Deus, reverteria a Igreja inteira!”
(Livro III, capítulo V, págs. 362, 364/2).  

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