Deus
1. CONCEITO. - Toda e qualquer tentativa para elucidar a magna questão da Divindade redunda sempre inócua, senão infrutífera, traduzindo esse desejo a vã presunção humana, na incessante faina de tudo definir e entender.
2 Acostumado ao imediatismo da vida física e suas manifestações, o homem ambiciona tudo submeter ao capricho de sua lógica débil, para reduzir à sua ínfima capacidade intelectual a estrutura causal do Universo, bem assim as fontes originárias do Criador.
3 Desde tempos imemoriais, a interpretação da Divindade tem recebido os mais preciosos investimentos intelectivos que se possam imaginar.
4 Ordinariamente confundido com a Sua obra, mereceu temido pelos povos primitivos, que legaram à culturas posteriores a sedimentação supersticiosa das crendices em que se fundamentavam o seu tributo de adoração, transitando mais tarde para a humanização da divindade mesma, eivada pelos sentimentos e paixões transferidos da própria mesquinhez do homem.
5 A medida, porém, que os conceitos éticos e filosóficos evoluíram, a compreensão da Sua natureza igualmente experimentou consideráveis alterações. Desde a manifestação feroz à dimensão transcendental, o conceito do Ser Supremo recebeu de pensadores e escolas de pensamento as mais diversas proposições, justificando-o ou negando-lhe a realidade.
6 Insuficientes todos os arremedos filosóficos e culturais, quanto científicos, posteriormente, para uma perfeita elucidação do tema, concluiu-se pela legitimidade da Sua existência, graças a quatro grupos de considerações capazes de demonstrá-Lo de forma irretorquível e definitiva, a saber:
a) cosmológicas, que O explicam como a causa única da Sua própria Causalidade, portanto real, sendo necessariamente possuidor das condições essenciais para preexistir antes da Criação e sobreexistir ao sem-fim dos tempos e do Universo;
b) ontológicas, que O apresentam perfeito em todos os Seus atributos e na própria essência, explicando, por isso mesmo, a Sua existência, que, não sendo real, não justificaria sequer a hipótese do conceito, deixando, então, de ser perfeito. Procedem tais argumentações desde Santo Anselmo, dos primeiros a formulá-las, enquanto que as de ordem cosmológica foram aplicadas inicialmente por Aristóteles, que O considerava o “Primeiro motor, o motor não movido, o Ato puro”, consideração posteriormente reformulada por Santo Tomás de Aquino, que nela fundamentou a quase totalidade da Teologia Católica;
c) teleológicas, mediante as quais o pensamento humano, penetrando na estrutura e ordem do Universo, não encontra outra resposta além daquela que procede da existência de um Criador. Ante a harmonia cósmica e a beleza, quanto à grandeza matemática e estrutural das galáxias e da vida, uma resultante única surge: tal efeito procede de uma Causa perfeita e harmônica, sábia e infinita; morais, defendidas por Emmanuel Kant, inimigo acérrimo das demais, que, no entanto, eram apoiadas por Spinoza, Bossuet, Descartes e outros gênios da fé e da razão. Deus está presente no homem, mediante a sua responsabilidade moral e a sua própria liberdade, que lhe conferem títulos positivos e negativos, conforme o uso que deles faça, do que decorrem as linhas mestres do dever e da autoridade.
7 Essa presença na inteligência humana, intuitiva, persistente, universal, faz que todos os homens de responsabilidade moral sejam conscientemente responsáveis, atestando, assim, inequivocamente, a realidade de um Legislador Absoluto, Suprema Razão da Vida.
8 Olhai o firmamento e vede a Obra das Suas Mãos, proclama o Salmista Davi, no Canto 19, verso primeiro, conduzindo a mente humana à interpretação teleológica, cosmológica e cosmogônica, para entender Deus.
9 Examina a estrutura de uma molécula e o seu finalismo, especialmente diante do ADN, do ARN de recente investigação pela ciência, que somente a pouco e pouco penetra na essência constitutiva da forma, na vida animal, e a própria indagação responde silogisticamente, de maneira a conduzir o inquiridor à causa essencial de Tudo: Deus!
10 Outros grupos de estudiosos classificam os múltiplos argumentos em ordens diferentes: metafísicos, morais, históricos e físicos, abrangendo toda a gama de existente e do concebível.
11 DESENVOLVIMENTO. - Diversas escolas filosóficas do século passado desejaram padronizar as determinações divinas e a própria Divindade em linhas de fácil assimilação, na pretensão de limitarem o ilimitado.
12 Outras correntes de pesquisadores aferrados a cruento materialismo, na condições de herdeiros diretos do Atomismo greco-romano do pretérito, descendentes, a seu turno de Lord Bacon, como dos sensualistas e cépticos dos séculos XVIII e XIX, zombando da fé ingênua e primitiva, escravizada nos dogmas ultramontanos dos religiosos do passado, tentaram aniquilar histórica e emocionalmente a existência de Deus, por incompatível com a razão, conforme apregoavam mediante sistemas sofistas e conclusões científicas apressadas, como se a própria razão não fosse perfeitamente confluente com o sentimento de fé, inato em todo homem, conforme o demonstram os multifários períodos da História.
13 Sócrates já nominava Deus como “a razão perfeita”, enquanto Platão O designava por “idéia do bem”.
14 O neoplatonismo, com Plotino, propôs o renascimento do Panteísmo, fazendo “Deus, o Uno Supremo”, que reviverá em Spinoza, não obstante algumas discussões na forma de Monismo, que supera na época o Duelismo cartesiano.
15 O monismo recebe entusiástico apoio de Fichte, Hegel, Schelling e outros, enquanto larga faixa de pensadores e místicos religiosos empenhava-se na sobrevivência do Dualismo.
16 Mais uma vez alardeou-se que “Deus havia morrido”, proclamando-se a desnecessidade tanto da fé como da Sua Paternidade, para imediatamente, reiteradas vezes, com a mesma precipitação, voltarem esses negadores a aceitar a Sua realidade.
17 A personagem concebida por Nietszche, que sai à rua difundindo haver “matado Deus”, chamando a atenção dos passantes, após o primeiro choque produzido nos círculos literários e intelectuais do mundo, no passado, estimulou outras mentes à negação sistemática. Fenômeno idêntico acontecera no século anterior, quando os convencionais franceses, supondo destruir Deus, expulsaram os religiosos de Paris e posteriormente de todo o pais, entronizando a jovem Candeille, atormentada bailarina da Ópera, como a Deusa Razão, que deveria dirigir os destinos do Pensamento intelectual de então, ante Robespierre e outros, em Notre Dame.
18 Logo, porém, depois de múltiplas vicissitudes, o curto período da Razão fez que Deus retornasse à França, e muitos dos Seus opositores a Ele se renderam, declarando haver voltado ao Seu regaço, cabisbaixos, arrependidos, melancólicos. Deus vencia, mais uma vez, a prosápia utopista da ignorância humana!
19 Repetida a experiência no último quartel do “século das luzes”, tornou a ser exilado da Filosofia e da Ciência por uns e reconduzido galhardamente por outros expoentes culturais da Humanidade.
20 Novamente, ante o passo avançado da Tecnologia moderna, através da multiplicidade das ciências atuais, pretende-se um Cristianismo sem Deus, uma Teologia não teísta, fundamentada em cogitações apressadas, que pretendem levar o homem à “busca das suas origens”, como que desejando situá-lo na Natureza, mantê-lo selvagem por incapacidade de fazê-lo sublime.
21 Tal fenômeno reflete a acelerada decadência histórica e moral das velhas instituições, na Terra de hoje, inaugurando uma Nova Era...
22 As construções sociais e econômicas em falência, as arquiteturas religiosas em soçobro, as aferições dos valores psicológicos e psicotécnicos negativamente surpreendentes, o descrédito inspirado pelos dominadores, em si mesmos dominados, pelos vencedores lamentavelmente vencidos pela inferioridade das paixões em que se consomem, precipitaram o agoniado espírito humano na “busca do nada”, das formas primeiras, rompendo com tudo, como se fora possível abandonar a herança divina inata inapelavelmente em todas as criaturas, para esquecer, apagar, confundir a inteligência com os impulsos dos instintos e retornar às experiências primeiras da forma, quando estava em articulação...
23 Concomitantemente, porém, surgem figurações morais, espirituais, místicas e científicas, sofrendo os embates que a dúvida e o cepticismo impõem, resistindo, todavia, estoicamente, na afirmação da existência de Deus, apoiadas pela Filosofia e Ética espíritas, que são as novas matrizes da Religião do Amor, pregada e vivida por Nosso Senhor Jesus-Cristo.
24 CONCLUSÃO. - “Deus é amor”, afirmava João.
“Meu Pai”, dizia reiteradamente Jesus, conceituando-O da forma mais vigorosa e perfeita que se possa imaginar.
25 E Allan Kardec, mergulhando as nobres inquirições filosóficas nas fontes sublimes da Espiritualidade Superior, recolheu, através dos imortais, que “Deus é a Inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”, em admirável síntese das mais felizes, completando a argumentação com a asserção de que o homem deve estudar “as próprias imperfeições a fim de libertar-se delas, o que será mais útil do que pretender penetrar no que é impenetrável”, concordante com o ensino do Cristo, em João: “Deus é Espírito e importa que os que O adoram, O adorem em espírito e verdade”.
Joanna de Ângelis
( por Divaldo P. Franco, em 8-5-1971)
Após, publicado em ‘Estudos Espíritas’ Ed Leal.
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