XVI a
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Para que o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo,
o Pai da glória, vos dê em conhecimento
o espírito de sabedoria e de revelação.”
(Epístola aos Efésios, 1:17)
As lições do apóstolo dos gentios
prestam-se a comentários que poderão servir para melhor conhecimento das coisas
celestiais. Mas como o entendimento humano é variável, as apreciações que se
seguem, embora calcadas na Doutrina dos Espíritos superiores, a muitos não
agradará, máxime àqueles que ainda se encontram presos aos dogmas da Igreja de
Roma, alguns dos quais foram herdados e aceitos por nossos prezados irmãos
Protestantes. Assim o do “Mistério da Santíssima Trindade”, que nos fala em
três deuses em um só, ou “três pessoas distintas num só Deus verdadeiro”, erro
multissecular, oriundo das religiões anteriores ao Cristianismo.
“Aquele
que sem cessar cria os mundos, diz Brama
(Upanishas), é tríplice. É Brama, o Pai; é Maia, a Mãe; é Vishnu, o Filho:
Essência, Substância e Vida. Cada um encerra em si os dois restantes e todos os três são um no Inefável.”
A religião védica pura, anterior ao
Bramanismo, “cuja antiguidade se perde na noite dos tempos”, fala-nos em Agni,
o Espírito puro, o Eterno Masculino, e em Soma, o Eterno Feminino, fonte de
tudo o que é visível e invisível. Da união de ambos surge uma “terceira pessoa”:
a Essência Divina.
Ensinava-se também no templo de
Osíris, no antigo Egito, o mistério da Trindade Divina: “Deus era o Pai; o Verbo, o Filho; e, da união destas duas potências
divinas, surgia uma terceira, que era a Vida. Isis une-se a Osíris, e pelo
desmembramento deste, e por sua própria ressurreição, surgiu o seu filho Hórus,
o divino mediador.”
Lao-Tseu, cuja religião conta hoje
na China com milhões de adeptos, é considerado pelos seus discípulos como o
próprio Deus, cujo ser seria ainda composto por mais duas individualidades:
Chaos-Yu-Huang e Sang-Ti.
Babilônia também cultuava a Trindade
Divina, concretizada nos deuses Sin, Shamash e Ishtar, respectivamente: a Lua,
o Sol e Vênus.
Contra o politeísmo dos povos mais
bárbaros, que era a expressão primitiva de adoração às coisas celestiais,
surgiu assim, entre os povos antigos, o sincretismo da Trindade, que a Igreja
Católica romana entendeu de copiar ou de fazer ressurgir. Jesus porém nos
ensinou que “a salvação vem dos judeus” (João, 4:22), e isto porque os hebreus,
rompendo com as crenças dominantes, afirmavam a existência de “um Deus único e
verdadeiro”, axioma que define a primeira revelação que nos veio dos céus: o Monoteísmo.
“Ouve,
Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.” (Deuter., 6:4; Marcos, 12
:29)
Realmente, examinando-se o Velho
Testamento, fonte legítima do Novo, não se lê uma só referência à Santíssima
Trindade, que a Igreja Católica romana depois criou, baseada na interpretação
bíblica de seus doutores e logo aceita por concílios que hereticamente afirmam,
sem a menor prova, ter contado com a assistência do Espírito Santo, eleito
também, não se sabe porque, em pessoa dessa Trindade Divina.
Mas os exegetas da Igreja de Roma
fundamentaram-se apenas, ao estabelecerem aquele dogma, em alguns versículos do
Novo Testamento, que tomaram ao pé da letra, como depois demonstraremos, mas
que não podiam contrariar o Antigo Testamento, em ponto tão fundamental, visto
que este nunca, jamais, em versículo algum se referiu à Santíssima Trindade,
mas, pelo contrário, proclamou a existência do Deus único, como igualmente o fez Jesus:
“Vós, porém, não queirais ser
chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós
sois irmãos. “E a ninguém na Terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai; o qual está no Céus!” (Mateus, 23:8 e
9)
Assim, o Mistério da Santíssima
Trindade é a ressurreição ideológica da Trindade Divina dos povos antigos (bem
anteriores a Moisés), heresia que se choca com a afirmativa principal do Velho
Testamento, o qual reconhece que Deus é
o único Senhor (Deuter., 6:4), crença que Jesus proclamou, como se lê ainda
em Marcos, 12 :29, que é a reprodução daquele versículo do Deuteronômio.
O apóstolo Paulo, na epístola aos
Efésios, diz que “o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo é o Pai da glória”.
O Deus de Jesus é o Criador, seu Pai
e nosso Pai, seu Deus e nosso Deus, conforme o Divino Mestre confessou quando
apareceu a Maria Madalena, depois de sua ressurreição:
“E,
disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai
para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e
vosso Deus.” (João, 20:17)
Aliás, São Paulo também frisou: “Há um só Deus, o qual é Pai de todos, o qual
é sobre todos, e por todos e em todos.” (Efésios, 4 :6.)
E a Ele chamou “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. (lI Cor., 11 :31)
Mas, referindo-se diretamente ao
Cordeiro de Deus, disse: “Que sendo em forma de Deus, não teve por usurpação
ser igual a Deus.” (Fil., 2 :6.)
Sim, o Cristo nunca se declarou
Deus, mas sempre disse que era Filho de Deus, irmão de seus apóstolos, como
frisou a Madalena, depois da ressurreição (João, 20: 17), e jamais quis usurpar
as qualidades de seu Pai Celestial, tendo mesmo confessado que é menor do que Ele,
para evitar qualquer dúvida que, no futuro, surgisse a esse respeito:
“Se me amais, certamente exultareis
por ter dito: Vou para o Pai: porque o Pai é maior do que eu.” (João, 14 :28)
Se Jesus fosse Deus ou mesmo parte
da Trindade Divina, seria igual ao Pai, porque, sendo Deus, seria igual a Deus
e não menor do que este. Mas ele, fazendo tal afirmativa, de que o Pai é maior
do que ele, confessou-se inferior a Deus, como o fez ainda em Mateus, 19 :17;
Marcos, 10 :18 e Lucas, 18 :19, quando declarou:
“Por que me chamas bom? Não há bom
senão só um, que é Deus.”
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