1a. "Regressão de Memória"
por Hermínio C. Miranda
in Reformador (FEB) Junho 1972
Amigos e confrades familiarizados com algumas
experiências de regressão de memória que realizei, me
sugerem a elaboração de um artigo, no qual fiquem resumidas as impressões
colhidas e exposta, em suas linhas gerais, a técnica empregada.
A expressão parece vir da língua francesa
"régression de Ia memoire", dado que em inglês o fenômeno se intitula
"age regression", ou seja, regressão de idade. Consiste em submeter o
sensitivo a um dos processos que provoquem o desdobramento ou desprendimento do
perispírito, de modo que, parcialmente liberto das limitações impostas pelo corpo
físico, possa o espírito ter acesso à sua memória integral.
Ensina o Espiritismo que sob condições normais o espírito
recupera, ao desencarnar, sua memória de existências anteriores. Note bem o
leitor que está dito "sob condições normais", porque muitas vezes isso
não acontece, ainda que o espírito tenha alcançado elevado grau de evolução
intelectual. As razões são por demais complexas para serem especuladas num
breve trabalho como este, por quem certamente não está qualificado para
fazê-lo. Ao que parece, o esquecimento das vidas pregressas é disparado por um
mecanismo de autodefesa, que livra o espírito da insuportável aflição de
contemplar as loucuras e crueldades que cometeu. Com o passar do tempo, à
medida em que ele se arma de recursos morais mais sólidos, as lembranças
começam a emergir para que ele possa contemplar a extensão dos seus erros e
promover o reparo dos danos que causou ao próximo e, em última análise, a si
mesmo. Há, pois, razões de sobra nas leis divinas que nos vedam normalmente o
acesso à memória integral, ou seja, à lembrança do nosso passado ao longo de inúmeras
existências, até onde alcança a consciência que adquirimos ao ingressar no chamado reino
hominal. É justo que Deus tenha criado dispositivos de proteção às nossas
lembranças anteriores, para que em cada nova existência possamos todos partir
de uma posição em que não pesem, em nossa consciência de vigília, as aflições
de um passado de culpas que nos poderiam desencorajar diante da gigantesca
tarefa de recuperação e de ressarcimento de nossas dívidas perante as leis
divinas. Ainda há pouco presenciamos, em sessão do nosso grupo, a angústia de
um Espírito que, ao cabo de mais de um século no mundo póstumo, conseguiu
recuperar a consciência de sua individualidade e sentiu-se de tal maneira
esmagado diante da tarefa que lhe compete realizar que não via nem por onde começá-la.
Cercado de paciente e fraterno amor e dotado de elevadíssima potência
intelectual, retomou seu equilíbrio e partiu cheio de esperança para o trabalho
de reconstrução. Nem todos, porém, dispõem de uma estrutura psíquica capaz de
suportar dores como essa e podem ceder ao peso das suas angústias, recaindo na
alienação. Aliás, o desequilíbrio mental não é mais do que uma forma de fuga
empreendida pelo espírito que não consegue enfrentar uma realidade dolorosa.
São poucos, assim, os encarnados e desencarnados em
condições de se confrontarem com o seu próprio passado.
Estas especulações nos levam, por conseguinte, a uma
pergunta de vital importância: Será lícito despertar em alguns seres a
lembrança de suas vidas anteriores? A pergunta não se pode responder
prontamente sim ou não. Digamos que, como regra, a resposta seja não, mas que
não é essa, evidentemente, a única resposta para todos os casos. A opção é
difícil e delicada, porque, além do já mencionado problema de suportar a
lembrança dos erros cometidos, há ainda o risco de enfrentar a séria questão da
vaidade exacerbada, quando, ao afastarmos a cortina que encobre o passado,
descobrimos que fomos também gente importante e poderosa, cujo nome a História
guardou. Como se portaria um modesto trabalhador mergulhado no
anonimato e na pobreza ao saber que foi, no passado, um rei europeu ou um
potentado asiático? Continuará tranquilamente, sem revolta, a viver do seu
salário mínimo?
Graças a Deus, no entanto, o mundo espiritual não vive à
matroca. Para tudo há um tempo, como dizia o salmista, e aqui e ali sempre
houve para alguns espíritos encarnados oportunidade de acesso a uma parte de
suas memórias passadas. Além do mais, como lembra o coronel Albert de Rochas, o
problema da imortalidade da alma tem sido, através do tempo, objeto de
especulação dos filósofos e as próprias religiões a afirmam ao proclamarem a
existência do céu e do inferno; no entanto, a questão das vidas sucessivas tem
permanecido como assunto marginal, a não ser para aqueles que "não se
contentando com uma fé cega e
simplista", procuram saber em que condições reais o mal é punido ou o bem
recompensado. É, pois, legítima a especulação, quando orientada num sentido
elevado, por quem tenha algum conhecimento das leis divinas que regulam a vida
espiritual. Isso porque a pesquisa bem conduzida, que comprove inequivocamente
a preexistência do Espírito,
abre uma perspectiva inteiramente nova para o ser humano, ao mostrar-lhe não
apenas que já existia antes de nascer, mas que continuará depois da morte a
contar com novas oportunidades de renascer para dar prosseguimento ao seu
aprendizado e à sua evolução. Vale dizer, portanto, que não há destinação
definitiva do ser após uma curta existência na Terra, à qual, segundo a
ortodoxia, ele teria vindo sem nenhum passado. Em outras palavras: não há céu
nem inferno, mas um contínuo ir e vir de almas, da vida no invisível para a
vida na matéria, sempre a vida, exuberante, rica, imortal, evoluindo sob as
bênçãos de Deus.
Além do mais, a técnica da regressão de memória oferece
recursos terapêuticos e inestimável valor para os mais complexos problemas
espirituais. Tais recursos, praticamente inexplorados ainda pela ciência
oficial, poderiam resolver satisfatoriamente inúmeros conflitos e disfunções
espirituais que a psicanálise e psiquiatria ainda não conseguiram abordar com
êxito. É que a ortodoxia científica continua na firme convicção de que vivemos
apenas uma existência e que a raiz dos desacertos íntimos deve ser buscada regressivamente até à
infância e principalmente nesse período crítico da história do ser; quando,
porém, o conflito se prende a uma causa anterior à vida presente a perplexidade
da ciência é total, a despeito das elaboradas e contraditórias teorias
imaginadas para explicá-lo. Isso não quer dizer que a identificação das causas,
mesmo numa existência anterior, resolva todos os problemas psíquicos do
indivíduo; às vezes, são necessárias várias vidas para isso, porque a dor
continua sendo a moeda universal com que resgatamos os erros cometidos contra o
próximo. Muitos problemas, no entanto, desaparecem com o simples processo de
"arejamento" de suas causas provocadoras, técnica, aliás, de que a
psicanálise se tem aproveitado. Neste sentido, devo citar um caso de meu
conhecimento, para exemplo. A pessoa, cursando faculdade, experimentava anormal
dificuldade no aprendizado da Matemática, entrando em verdadeiro pânico por
ocasião das provas. Esse fenômeno inexplicável em quem, para tudo o mais,
demonstrava inteligência bem acima da média, teve explicação lógica ao se
revelar, numa pesquisa de regressão de memória, que em existência anterior o
sensitivo se havia dedicado profundamente à Matemática, não tanto no desejo de
aprender somente, quanto na esperança de conquistar renome com a descoberta de novas leis
científicas. Falhando nos seus propósitos, trouxe para a existência atual a
frustração que o estava impedindo de caminhar, nesse ramo do conhecimento, tão bem como nos demais.
Racionalizado o "impasse", sua vida universitária teve curso normal.
Em outro caso, uma senhora experimentava medo irracional
de cobra. Não podia sequer colocar macarrão cozido na travessa ou no prato,
porque o movimento da massa a levava a um estado de pavor incompreensível.
Várias formas de tratamento falharam, até que a pesquisa de regressão de
memória deu a explicação que a libertou da sua aflição: numa existência
anterior, fora atirada viva ao poço de serpentes, onde morreu, em tremendo
estado de terror, picada por cobras vorazes.
Diante desse quadro, o pesquisador que desejar dedicar-se
a esse fascinante trabalho deverá estar munido de algumas credenciais mínimas,
tais como, rígida moral, conhecimento das principais leis que regem os
fenômenos da alma - e para isso terá que recorrer à Codificação Kardequiana -,
paciência, boa dose de intuição e uma técnica apropriada à obtenção do fenômeno
do desprendimento do perispírito.
* * *
1b. "Regressão de Memória"
por Hermínio C. Miranda
in Reformador (FEB) Junho 1972
Em que consiste, no entanto, a técnica de regressão de
memória? Em primeiro lugar, preciso considerar que o
espírito encarnado está limitado às possibilidades e recursos do seu cérebro
físico. Se este for deficiente, não há gênio espiritual que consiga fazê-lo
funcionar satisfatoriamente. O cérebro físico funciona durante a encarnação
como um redutor de voltagem, uma estação abaixadora, que traz a tremenda
energia psíquica contida nos registros do perispírito a um nível de tensão que
o ser encarnado possa suportar em equilíbrio.
Tudo o mais fica retido no inconsciente, em esquecimento protetor. Para usar
uma velha imagem já um tanto repetida, diríamos que a memória integral é um
vasto iceberg mergulhado nas águas da eternidade e do qual apenas emerge uma
diminuta porção - o consciente; o resto está abaixo do nível de flutuação e,
portanto, no inconsciente. Ao que parece, em cada vida recebemos um novo
"rolo" de fita magnética, representado na contraparte física do ser
pela camada cortical e no qual gravamos minuciosamente o "vídeo tape"
de tudo quanto se passa conosco no decorrer da existência. Talvez seja por isso
que durante o processo da morte, ou no momento em que corremos graves perigos -
afogamento, quedas, etc. -, todas as imagens de nossa vida passam rapidamente diante
dos nossos olhos atônitos, comprimidas, porém nítidas, em poucos segundos. É
possível que o fenômeno se dê pela passagem do "vídeo tape" para os
registros permanentes do ser, onde se incorporam ao patrimônio da memória
integral. Claro que isto é apenas uma hipótese de trabalho ainda sujeita a
verificação, mas aí fica para exame.
Para se chegar, então, aos arquivos dessa memória é
preciso contornar certas barreiras criadas com o objetivo de proteger o ser
encarnado. Sabe-se, no entanto, que tanto o sono fisiológico comum, como o
provocado, dissociam, separam temporariamente o perispírito do correspondente
corpo físico, mantendo-os ligados apenas por um cordão fluídico, também ainda
muito pouco estudado. Nesse estado de desprendimento, avivam-se as memórias
passadas do ser, dado que não está ele totalmente subordinado ao seu mecanismo material. O
problema consiste, pois, em provocar o desprendimento do espírito e, em segundo
lugar, fazê-lo falar.
Quanto ao desprendimento, não há grande dificuldade, a
não ser algum temor da parte do sensitivo, que usualmente só se entrega à
experimentação quando confia sem restrições no experimentador. Esse temor
parece decorrer da antiga e errada noção de que a pessoa adormecida fica à
inteira mercê do experimentador, que pode fazer dela o que desejar. Embora isto
seja parcialmente verdadeiro para os estados superficiais do desprendimento,
não é absolutamente válido para os estados mais profundos. Pode-se obter a separação desejada
entre corpo físico e perispírito por meio de drogas, de hipnose por sugestão
verbal ou por meio de passes magnetizadores. O sensitivo tem de estar em estado
de completo relaxamento, confiante no seu operador, em ambiente silencioso e
tranquilo, à meia luz, de preferência na presença de uma ou duas pessoas também
de sua inteira confiança, mas não de uma assistência maior. É importante, para
segurança dos trabalhos, uma prece inicial. Nem sempre as primeiras
experiências alcançam pleno êxito. Parece que o espírito do sensitivo vai aos
poucos se acostumando com o processo, tateando o caminho à medida em que o
percorre. Se prestar demasiada atenção às alterações que se vão processando em
si mesmo, dificulta o desenvolvimento dos trabalhos, porque cria um estado de
tensão. Obtido o desprendimento, que somente a experiência do operador
poderá determinar com segurança, ainda resta o problema de fazer falar o
paciente. Aí também nem sempre se alcança êxito nas tentativas iniciais. Mesmo
nos melhores pacientes, as primeiras palavras saem com certa dificuldade, muito
espaçadas, nos intervalos de longos haustos respiratórios. Com um pouco de
prática, a palavra se desembaraça e o pensamento se expressa com nitidez,
segurança e tranquilidade, demonstrando equilíbrio, serenidade e senso de
perspectiva bastante acima do nível de vigília do sensitivo. No estado de
desprendimento, no qual uma agradável sensação de euforia é experimentada, o
paciente se encontra em condições de examinar seus próprios problemas com
admirável lucidez, colocando-os no contexto da eternidade, como situações
transitórias que cumpre enfrentar da melhor maneira possível, não revelando
nenhum estado de angústia ou de pânico. Ao contrário, parece compreender
perfeitamente sua situação e a razão de ser de suas aflições. Cabe ao operador
tirar partido dessa disposição
para trazer para a vigília tal segurança e fazê-lo racionalizar seus problemas, de modo a
vencê-los, se possível, ou suportá-los, se ainda não puder contorná-los,
colocando-os, porém, sempre na perspectiva do espírito eterno e não dentro de
um mero ciclo de vida física. Em outras palavras, o espírito desprendido sabe
perfeitamente que é um espírito eterno e não um ser transitório e que,
portanto, suas dores também são transitórias e decorrentes de um quadro
espiritual que ele próprio criou no passado. Essa visão ampliada de si mesmo
termina por tranquilizá-lo, pois ninguém nos cura das nossas mazelas
espirituais senão nós mesmos, muito embora não possamos dispensar a ajuda
inestimável de amigos superiores.
Dessa forma, pode-se resumir o processo como uma sessão
de comunicação anímica, ou seja, uma situação na qual o espírito encarnado
transmite uma mensagem através do seu próprio corpo físico. Tal como na
mediunidade, em alguns fica nos registros da mente a lembrança do que disseram;
outros, porém, não guardam da conversação mantida em estado de desprendimento
nenhuma lembrança. É conveniente, pois, ter à mão um bom gravador de som, para
que o interessantíssimo diálogo possa ser reproduzido e suas lições aproveitadas
pelo sensitivo.
Creio que é tempo de introduzir aqui alguns comentários
sobre a expressão "sensitivo", que vem sendo usada nesta exposição. É
que o fenômeno tem suas semelhanças com a mediunidade propriamente dita e isso
é relativamente fácil de explicar-se desde que,
tanto numa forma como na outra, o espírito encarnado deve dispor de aguda
sensibilidade e da faculdade de exteriorizar seu perispírito. No caso da
mediunidade, a exteriorização é necessária para que o espírito desencarnado comunicante possa atuar sobre o médium através do perispírito deste; no caso do
desdobramento, o espírito precisa afrouxar os liames que o prendem ao corpo
físico a fim de entrar na posse de sua memória integral. Por conseguinte os
médiuns já desenvolvidos e experimentados oferecem menor resistência aos
métodos de desdobramento provocado. Já estão habituados ao fenômeno. Isso não
quer dizer que somente os médiuns nessas condições sejam suscetíveis de obter o
desdobramento do perispírito por meio de passes ou de sugestão verbal
repetitiva, mas, usualmente, são os melhores pacientes, porque já estão, por
assim dizer, preparados para a tarefa. Com frequência, porém, o experimentador
é surpreendido com pronta resposta em pessoas das quais não espera obter
resultado imediato. É comum a verificação de que a prática do desdobramento
espiritual acaba por desenvolver ou aperfeiçoar a mediunidade nascente ou já a
meio caminho.
São também uma constante as manifestações de extremo
bem-estar, que em alguns casos se traduzem em certa resistência em voltar à
posse integral do corpo físico. Também aqui posso citar um exemplo de que tomei
conhecimento, retirado do acervo de experiências de Luís J. Rodriguez. O
paciente, cidadão porto-riquenho de cor e que vivera no passado uma vida de
certo relevo na corte real italiana, não desejava mais voltar à prisão de um
corpo que detestava, numa condição social que seu espírito, ainda orgulhoso, desprezava e na qual
sofria os horrores da miséria em terra estranha, pois vivia em Nova York.
Quanto à regressão de memória propriamente dita; somente
é obtida depois de colocado o sensitivo em estado de sono profundo. Alcançado
esse estágio, dirige-se o paciente para o passado, fazendo-o recuar no tempo, a
partir de sua presente idade biológica. Assim, se ele tem 30 anos, sugere-se a
ele que volte aos 29 anos, depois aos 28, 27 e assim sucessivamente e
cautelosamente, até ao primeiro dia de vida. Nesse ponto, o paciente mergulha
nas suas memórias anteriores, seja ainda provocado pelo operador ou espontaneamente. Algo
maravilhoso então ocorre. Qualquer que seja a sua posição filosófico-religiosa,
suas crenças ou descrenças no estado normal de vigília, o que ele vai dizer daí
por diante não foge um milímetro aos ensinamentos contidos na Doutrina Espírita.
Ele reafirma a reencarnação como lei natural, reporta-se a suas vidas
anteriores, muitas vezes comprovadas e confirmadas por pesquisas posteriores.
Demonstra que as nossas vidas se encadeiam umas nas outras, inexoravelmente, e
que o sofrimento é inevitável depois de uma existência de erros, e que a paz
espiritual se conquista na luta incessante contra as nossas paixões inferiores
e no serviço desinteressado ao próximo. Que entre uma vida e outra o
espírito fica no mundo espiritual, em estado de aflição e desespero, cercado de
sombras se ainda não se ajustou às leis divinas e à moral. ou em regiões de
indescritível harmonia em companhia de seres superiores, se já alcançou um
estágio evolutivo mais elevado. Nos mundos inferiores, os seres desencarnados
são atormentados por Espíritos infelizes, até que sejam socorridos ou
encaminhados à reencarnação. Muitas vezes, não têm conhecimento muito claro do
processo mas sentem quando se aproximam de suas futuras mães e pouco a pouco o
manto do esquecimento desce sobre o pobre Espírito atribulado. O
conhecimento, ainda que rudimentar, da Doutrina Espírita é de grande valia ao
Espírito que regressa às condições da vida póstuma, ao mesmo passo que ideias
religiosas ortodoxas - como a crença no céu ou no inferno - dificultam
sobremaneira a adaptação do ser à sua nova condição.
Esse é o quadro que emerge dos repetidos pronunciamentos
de espíritos encarnados em estado de sono profundo. Tais ensinamentos conferem sistematicamente, sem um desvio, com os princípios fundamentais da doutrina
ordenada por Allan Kardec sob orientação dos seus amigos superiores. Tanto faz
hipnotizar um católico, um ateu, um materialista ou um espírita; todos
afirmarão a imortalidade do ser e a doutrina das vidas sucessivas como processo
aperfeiçoador do indivíduo.
Por isso, leva grande vantagem sobre os demais
pesquisadores aquele que conhece os postulados do Espiritismo. Terá muito maior
segurança no desenvolvimento do processo de pesquisa e noção mais nítida do
terreno em que pisa, dado que sua responsabilidade é grande ao manipular os
controles do delicado e precioso computador divino que é a memória integral,
onde se encontram gravados todos os segredos, todas as misérias e grandezas do
Espírito, desde o momento em que lhe começou a bruxulear a primeira luzinha
modesta da consciência.
Ainda uma observação. Como seria de esperar-se, no estado
de desprendimento o ser encarnado entra na posse de sua visão espiritual. Dessa
maneira, distingue à sua volta os Espíritos desencarnados que assistem aos
trabalhos, nele colaborando ou procurando interferir com propósitos
inconfessáveis. Não vê, porém, formas fantasmagóricas criadas pela imaginação e
sim pessoas vivas que se apresentam normalmente e com ele falam pelo pensamento. Sabe o
sensitivo desprendido que esses seres são desencarnados, porque muitas vezes
reconhece neles parentes e amigos que já se foram para o lado de lá da
existência. É possível também, sob condições especiais, fazer com que tais
Espíritos se manifestem através do sensitivo adormecido que temporariamente
lhes cede o seu corpo físico, tal como no fenômeno da mediunidade; o mais
comum, no entanto, é que os desencarnados se limitem a transmitir seu
pensamento ao sensitivo para que este o retransmita ao operador. Em experiências
de meu conhecimento, tais mensagens
se apresentam sob forma escrita, num tabuleiro ou numa espécie de cilindro que
vai se desenrolando diante do sensitivo adormecido. É comum tais mensagens
serem apresentadas em línguas desconhecidas do sensitivo. Em um caso desses que
presenciei, a mensagem se apresentava em árabe, língua desconhecida da pessoa
adormecida, mas que, no entanto, foi capaz de interpretá-la, depois que lhe foi
dito que o texto não passava de representação visual de um pensamento e que o
paciente poderia perfeitamente reproduzir o teor desse pensamento, ainda que
desconhecendo as palavras em que vinha expresso. Em outro caso, o sensitivo vê
nomes de pessoas escritos em grego diante de seus olhos. Numa destas ocasiões,
o nome seria o do próprio experimentador, numa encarnação bastante recuada, na
Grécia, ao tempo de Aristóteles. Apesar de inteiramente desconhecido dos
presentes, que jamais ouviram falar daquela personalidade, o homem realmente
existiu, foi contemporâneo de Aristóteles e até seu discípulo, como afirmara o
sensitivo. Foi o que revelou a pesquisa posterior.
Tais identificações, aliás, são constantes na prática da
regressão de memória. Frequentemente encontramos sensitivos que reconhecem o
experimentador de uma existência anterior. Há exemplos abundantes disso.
Conhecemos um caso dramático em que o sensitivo adormecido, que já identificara
no passado o experimentador, descobriu também, entre os poucos presentes, dois
antigos companheiros de encarnações vividas na França.
Muitas perguntas suscita o desenrolar desse
extraordinário fenômeno. Como se realizam tais identificações e
reconhecimentos? Como são produzidos os textos que a pessoa adormecida vê
diante dos seus olhos? De que maneira o perispírito guarda tão minuciosamente
fatos, cenas, cores e sons de uma época que se perdeu há muito nos corredores
extensos da História?
Há momentos em que a pessoa adormecida parece apenas
recordar, buscando localizar datas e nomes para corroborar a sua história. De
outras vezes, porém, e com maior frequência, parece viver novamente as cenas
esquecidas, passando outra vez pelos estados de angústia ou felicidade ligados
aos episódios que revive. Como se opera tudo isso? Por que razão esquecemos o
que almoçamos ontem e, sob condições especiais, podemos recordar, em todos
os seus pormenores, o diálogo fugaz que mantivemos com um amigo há dois ou três
mil anos atrás?
São esses os mistérios que Deus colocou nos mecanismos da
mente humana. O dia em que deles nos aproximarmos com humildade e desarmados de
preconceitos e dogmatismos, começaremos a entendê-los para compor o maravilhoso
quadro da história evolutiva do ser, através das suas vidas sucessivas, desde
as formas mais primitivas até àquele ponto último em que não mais precisará da
muleta da matéria para caminhar na direção de Deus.
PS -
Era minha Intenção apresentar neste artigo um estudo baseado no magnífico
trabalho do eminente engenheiro e coronel Albert de Rochas. Tenho a ventura de
possuir quase todas as suas obras, mas especialmente o seu precioso "Les
Vies Successives", edição de 1911, que resume as experiências que realizou
entre 1893 e 1910, com 18 sensitivos. O livro merece estudo à parte, pela sua
importância e seriedade. Voltaremos, pois, a conversar sobre o assunto em outro
artigo.
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