‘Médiuns,
ontem
e hoje’
Decididamente
você tem razão ao se reportar à felonia sutil dos adversários gratuitos do Espiritismo,
quando expõem os médiuns da atualidade a toda sorte de injúrias.
“Basta
que alguém se disponha a servir entre as duas esferas, para que se lhe amargue a
vida, que passa, então, a ser criticada e policiada por toda a gente” - afirma
você com larga dose de pessimismo.
Entretanto,
se meditar demoradamente, cotejando, a posição dos médiuns de hoje com os médiuns
de ontem, reconhecerá que as dificuldades modernas são simples operações do campo
opinativo, resultando sempre em propaganda maior das verdades eternas, enquanto
que os entraves do pretérito emolduravam invariavelmente a asfixia da revelação
e a morte dos medianeiros.
Há
pouco mais de duzentos anos, Espíritos notáveis, quais Voltaire e Benjamim
Franklin, já se encontravam no mundo trabalhando pela libertação mental do
povo; todavia, quem nessa época se atreveria a falar na sobrevivência da alma,
sem os figurinos teológicos? quem poderia enunciar conceito mais amplo da
fraternidade humana ou referir-se aos fundamentos da evolução?
Perseguidores
sistemáticos mantinham-se a postos.
Tudo
o que escapasse ao metro estabelecido para os assuntos da fé transpirava
heresia. E desde o Tratado de Paris, em 1229, assinado sobre o sangue dos
albigenses, a Inquisição havia nascido para depurar os hereges e acomodá-los às
trevas da intolerância.
Albigenses sendo queimados
Quem
procurasse enxergar a verdadeira posição de Jesus, quem se propusesse à livre
interpretação das letras sagradas, quem admitisse a dignidade individual nas
vítimas da escravidão e quem se abalançasse a mostrar faculdades medianímicas
era chamado a inquéritos aviltantes, padecendo, de imediato, a segregação em
masmorras inacessíveis, sob o capricho delituoso de príncipes e sacerdotes,
magistrados e qualificadores inconscientes. E consumada a detenção da criatura
infeliz, que se dispunha a pensar por si, começava o suplício lento pelo qual
as autoridades caridosas disputavam a Satanás a alma cândida e valorosa que
persistia em acreditar na liberdade do pensamento. Iniciava-se o processo condenatório, a preço de confissões extorquidas
à fome, quando os instrumentos de martírio não funcionavam em recintos
infectos, nos segredos da noite. Encarceravam-se lhe os parentes, para informes
especiais. Arrancavam-se depoimentos de réus contra réus para que as indicações
caluniosas alcançassem o objetivo. O ódio começava as sentenças para que o medo
as completasse. E estabelecida a suposta criminalidade da vítima,
confiscavam-se lhe os bens, que passavam, quase sempre, ao domínio dos delatores,
erguidos à condição de profissionais da mentira e da infâmia, com vistas a
escusos fins.
Se
o condenado era homem, mais depressa era arrancado à cama podre do cárcere para
a fogueira conveniente; mas, se fosse mulher, ampla demora experimentava no
calabouço, para que se lhe profanassem os sentimentos, pelos aguilhões da
necessidade, ou pelo acicate do desespero, antes que fosse entregue ao socorro da
morte.
Aos
padecimentos físicos e morais, nas celas apertadas e fétidas, acrescentava-se o
estigma sobre os descendentes que, fora das grades, eram compelidos a exílio
certo pelo sarcasmo do populacho, e a muitos deles, para que se lhes terrificasse
o ânimo, enviavam-se, de antros invioláveis, os cabelos e os olhos, as orelhas
e as mãos de pessoas queridas, quando os prisioneiros se extinguiam de dor, sem
possibilidade de exibição pública nos solenes autos-de-fé.
Cátaros sob tortura
A
degradação extrema e o flagelo irremediável constituíam, em quase todas as
linhas da Civilização, há somente dois ou três séculos, resposta legal a todo
impulso de emancipação religiosa, com os mais celebrados tribunais de tortura,
em nome do Cristo, o divino condenado à morte por haver ensinado a paternidade
de Deus, a responsabilidade da consciência e o amor puro entre os homens.
Como
vê, não precisamos desenterrar o passado para evidenciar as novas e sucessivas
conquistas da Humanidade e exaltá-las com a nossa admiração.
Não
podemos negar que os médiuns da atualidade estão expostos à incompreensão é à
ironia de muitos, pois a ignorância é joio habitual na lavoura do progresso;
entretanto, a lógica vem subindo de cotação entre os homens e todo intérprete
dos desencarnados, no Espiritismo, pode responder, com a palavra inarticulada
do dever nobremente cumprido, às campanhas de insulto e difamação,
reconhecendo-se que a criatura humana não vale simplesmente pelos princípios
que exponha, mas, acima de tudo, pela vida que se decide a viver.
Dito
isso, meu caro, e para que não nos alonguemos em ociosa argumentação, conduzamos
nossa bandeira de imortalidade para diante, oferecendo ao Cristo e ao próximo o
melhor de nós mesmos, a cavaleiro da calúnia e da crueldade, porque, enquanto o
mundo não se houver convertido em Reino de Deus, a boca da maledicência na
Terra é como a boca da noite que não se fecha para ninguém.
Irmão
X
por Chico Xavier
in
Reformador’ (FEB) Outubro 1958
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