XI
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das
Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Vede, irmãos, que nunca haja em
qualquer de vós um coração
mau e infiel, para se apartar do
Deus vivo.
Antes exortai-vos uns aos outros
todos os dias,
durante o tempo que se chama Hoje,
para que nenhum de vós se endureça
pelo engano do pecado;
Porque nos tornamos participantes do
Cristo,
se retivermos firmemente o princípio
da nossa confiança até ao fim.”
(Hebreus, 3:12 a 14.)
Segundo a palavra do Cristo, que é a
PEDRA (I Cor., 10:4; I Pedro, 2 :4), “a
cada um será dado segundo as suas obras” (Mateus, 16 :27) e não “segundo a sua fé”, como entendem nossos
irmãos protestantes, pois, conforme frisou o apóstolo Tiago, “a fé sem obras é morta” (Tiago, 2:20 e
26).
Portanto, consoante Paulo de Tarso
aqui recomenda, “que nunca haja em
qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo”.
O homem geralmente vive neste mundo,
sem se preocupar com as coisas celestiais. Há mesmo, infelizmente, no coração
da maioria das criaturas, por um punhado de motivos diversos, uma
despreocupação criminosa pelas coisas de Deus.
Ora, a Terra não teria razão de ser,
nem nossa existência se justificaria, num mundo de tantas injustiças e de
tantos sofrimentos, se não houvesse um motivo superior, determinante de nossa
vida, neste planeta de provas e de expiações.
Mas se a misericórdia divina nos
permite ver, em uma noite estrelada, a maravilha dos céus; se há milhões de
sóis e, necessariamente, milhões de planetas engastados no firmamento, rolando
pela imensidão do infinito, teremos de concluir daí, forçosamente, logicamente:
não é possível que só a Terra seja habitada. O próprio Jesus disse, no
Evangelho de João: “Na casa de meu Pai
há muitas moradas.” (João, 14:2.)
Assim, se existe essa infinidade de
mundos, que gravitam nos céus, obedientes a leis perfeitas e eternas, é claro
que tem de haver uma força superior, que tudo criou e coordena. As religiões
primitivas ou infantis (curso primário do conhecimento divino) dão até a Deus a
forma de um homem velho e de barbas, o que não pode corresponder à realidade,
pois Deus é apenas Espírito, como disse Jesus (João, 4:24), ou seja, “a alma consciente do Universo”, que por
Ele foi criado e por Suas leis é dirigido. Não é panteísta esta afirmativa,
como à primeira vista poderá parecer, pois Deus não é o Universo, mas está
imanente nele e também o transcende, porque é infinito.
Não podemos crer que o nada tenha
gerado tantas leis, tenha criado tantos organismos, quer no mundo infinitamente
pequeno (microcosmo), quer no plano dos infinitamente grandes (macrocosmo). O
próprio organismo humano não pode deixar de ser o fruto de uma concepção
consciente e elevada, que o idealizou e plasmou.
Há uma unidade substancial em toda a
Criação, pois o microcosmo corresponde ao macrocosmo, em proporção
impressionante.
Realmente, os últimos estudos sobre
os átomos provam que eles são legítimos universos, em cuja substância gravitam
prótons e elétrons, num verdadeiro sistema solar planetário, que tem apenas o
diâmetro de um décimo milionésimo de milímetro! E dizer que
só o corpo humano possui calculadamente, dez quintilhões de átomos (o algarismo
dez seguido de vinte e um zeros) “em uma
colônia orgânica de sessenta trilhões de células, que têm tarefas diversas com
funções especializadas e sincronizadas em coordenação hierárquica”.
Cada ser humano é, destarte, um
universo de átomos e de sentimentos.
Não obstante haja essa
multiplicidade astronômica de células, o corpo humano é dirigido pelo pensamento,
que tem o sentido da unidade pessoal, nesse todo tão complexo, mas
perfeitamente unificado.
Nos animais a vontade ou o instinto
os dirige, dando-lhes o mesmo sentido de unidade, pois que se trata aí do
próprio espírito humano em formação ou “alma
vivente”, como a Bíblia chamou (Gênesis, 1:24), mas que atingirá também a
fase de consciência, através ainda de vidas sucessivas, dentro da lei da
evolução, que é para todas as criaturas de Deus.
Foi por isto que Emmanuel
sentenciou, pela mediunidade ímpar de Francisco Cândido Xavier: “os minerais se
vegetalizam; os vegetais se animalizam; os animais se humanizam; e os homens se
divinizam, através da eternidade”.
Eis porque está escrito no Velho
Testamento, como no Novo (Salmo, 82:6; João, 10:34), que somos deuses, porque filhos de Deus (Deut., 14:1; João, 1:12).
Portanto, devemos procurar
compreender e sentir qual o desejo de nosso Pai Celestial, como Ele quer que
nos conduzamos, a fim de que possamos servi-Lo com consciência, boa vontade e
amor. É nosso dever proceder assim, porque, além de Ele ter sido nosso Criador,
é bom, justo e misericordioso, e nos criou para a felicidade eterna, que algum
dia TODOS alcançarão, sem exceção de pessoas, dependendo nossa evolução
espiritual do esforço de cada um. É certo que poderão alguns, por seu livre
endurecimento, permanecer no mal ou nas zonas infernais (inferiores) da
espiritualidade, mas algum dia de lá sairão, porque o Pai não quer que alguém
se perca, mas “que todos se salvem e tenham a vida eterna”. A este respeito o
Evangelho de Lucas não deixa dúvidas e é a contestação insofismável das penas
eternas, as quais, se existissem, seriam a negação peremptória da misericórdia
divina:
“E toda a carne verá a salvação de Deus”. (Lucas, 3:6.)
Mas era preciso que o Evangelho,
através dos séculos, suportasse diversas interpretações, de acordo com o grau
de entendimento e com a evolução cultural da Humanidade. Deus sabe o que faz,
pois tudo é por Ele dirigido. Até hoje, certas religiões são necessárias, embora
de concepções infantis e singelas, porque nem todos estão aptos a compreender e
a sentir a verdade, em sua maior
expressão. Todavia, nos tempos prescritos, devido à diversidade de
interpretação teológica dos homens, vieram os Mensageiros do Senhor comunicar-se
com a Terra, dando o sentido certo das palavras bíblicas. Jesus cumpriu o que
prometeu no Evangelho de João, quando disse que nos enviaria o Consolador, que
ficaria eternamente conosco e nos ensinaria “todas as coisas” (João, 14 :26). E o Consolador, o Paracleto, está
na doutrina pura, cristã e generosa do Espiritismo; indica-nos a verdade e esta
nos liberta das dúvidas decorrentes das diversas interpretações humanas e dos
pontos aparentemente contraditórios da Bíblia, pois que nos apresenta a hermenêutica
exata de seus textos.
Mas, voltando à nossa digressão
filosófica, convenhamos que há de existir um pensamento superior que tudo anima
e vivifica, mas que transcende ao que foi criado. Esse pensamento superior,
essa força criadora e consciente é Deus, Alá ou Jeová, a cujo poder o homem,
cedo ou tarde, terá de render-se.
Pois se Deus existe, não é natural
que se preocupe com suas criaturas?
Todavia, se o Pai Celestial
interviesse neste mundo, continuamente, não teríamos liberdade de ação, seríamos
títeres e não deuses em formação. É verdade que não desfrutamos de liberdade
absoluta, mas relativa; mesmo assim, esta é respeitada, e sempre se externa de
acordo com o grau de evolução de cada um. Porém, se Deus nos tivesse criado
logo como seres perfeitos (como alguns queriam que fôssemos, criticando Sua
obra e a realidade da vida), a perfeição não estaria em nós, seria um
empréstimo que Ele nos faria, sem que tivéssemos mérito pessoal em obtê-la.
Contudo, Ele quer que sejamos perfeitos pelo nosso próprio esforço e só o
alcançaremos através de vidas sucessivas,
depois de adquirirmos experiências, virtudes e conhecimentos, quando nos
aperfeiçoarmos pelas lutas e pelos sofrimentos, até sermos, verdadeiramente, filhos de Deus, e havermos atingido, pelos
nossos próprios méritos, a pureza sideral!
E para que tenhamos a orientação
necessária a tal fim, Deus enviou-nos Jesus, como agora nos manda o Consolador,
que completa a Sua obra de amor para conosco.
Foi o Divino Mestre quem disse,
falando a Nicodemos, um doutor da lei que, no seu tempo, preocupava-se com esses
assuntos filosóficos:
“Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus.” (João, 3:3.)
O Cristo, o Messias prometido,
enunciou a lei da reencarnação, única compatível com a justiça e com a
misericórdia divinas. Somente admitindo-a é que a gente poderá compreender
porque algumas pessoas, por exemplo, contraem lepra (aparentemente sem o
merecer), nascem cegas, taradas ou aleijadas, em berço de ouro ou em completa
miséria. Se Deus é justo, como teremos de admitir, tudo tem sua razão de ser, e
só a lei da reencarnação, que é a do progresso evolutivo do Espírito, poderá
justificar certos sofrimentos humanos, em face do princípio de que “a cada um é dado segundo as suas obras”,
enunciado por Jesus. E o esquecimento de nossas vidas pregressas é uma bênção,
pois a lembrança de antigas culpas poderia dificultar nossa regeneração.
Em síntese, o Universo é composto
por um conjunto de seres que, em nosso plano, se encontram ainda em estado
evolutivo, expressando a criação, que em seu todo é perfeita, una e
indestrutível.
Jesus, para nós, é o mediador, o
intermediário (médium de Deus), mas há outros “filhos de Deus”, que já atingiram um magnífico estado de perfeição,
que já consolam e doutrinam para o bem, compondo a falange do Espírito Santo (que é um substantivo
coletivo, uma comunhão de Espíritos consoladores, pois dela fazem parte e para
ela cooperam todos os Espíritos de boa vontade, que já sabem proceder com
amor). Há, portanto, perfeita união de vistas entre os dois planos da vida,
que cooperam em conjunto para a obra do Criador.
Enquanto agimos assim, também nos
estamos esforçando para que o reino de Deus venha a nós e se estabeleça, algum
dia, entre nós mesmos, com perfeita união, entendimento e amor.
Paulo é um dos participantes dessa
falange bendita, que auxilia o Senhor Jesus na obra de regeneração de nosso
planeta, do qual é este o protetor e governador, desde que a Terra foi retirada
da nebulosa (João, 1:1 a 4) .
E é São Paulo quem ensina aos
cristãos, pondo-se a serviço do Divino Mestre, ou da Verdade, “que nunca haja entre vós um coração mau e
infiel, para se apartar do Deus vivo”. A maldade é expressão de atraso espiritual.
Aquele que conhece a doutrina regeneradora do Cristo, não deve mais ser mau,
nem infiel ao Pai Celestial. “Conhecei a
verdade e a verdade vos libertará”, disse Jesus (João, 8:32.)
Somos libertos da maldade e,
portanto, não podemos ser infiéis à doutrina de amor do Cordeiro Imaculado, que
é nosso farol e nosso guia, nas lutas da vida e nas incertezas do mundo.
“Antes exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se
chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado.”
Quando estudamos e conhecemos o
Cristianismo puro, ensinado aos homens pelos Mensageiros do Senhor,
convencemo-nos de que o mal não compensa.
Se Deus existe, conforme acreditamos
piamente, e se Ele dá “a cada um segundo
as suas obras”, praticar o mal é plantar sofrimentos ou desilusões.
Devemos, assim, procurar viver de acordo com a Sua lei, afastando-nos do erro,
para que nosso coração “não se endureça
pelo engano do pecado”.
E nisto deve consistir nossa maior
luta quotidiana, sincera e persistente, contra nossas próprias imperfeições. Se
estamos arrependidos, devemos produzir frutos dignos do arrependimento (Lucas,
3:8).
O orgulho, a vaidade, as
concupiscências e a maldade são manifestações do egoísmo ou de sentimentos
inferiores, que necessitamos combater em nós mesmos.
Destarte, a missão de Jesus é a de
médico das almas, e de chamar os pecadores ao arrependimento, vale dizer, ao
reino dos céus:
“Não necessitam de médicos os que estão sãos, mas, sim, os que estão
enfermos.”
“Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento”.
(Lucas, 5:31.)
O espírita cristão é, antes de tudo,
um regenerado. Se “nos tornamos
participantes do Cristo”, devemos reter-nos, firmemente, como disse o
apóstolo dos gentios, “em nossa confiança,
até ao fim”.
“Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.” (Mateus, 22:14.)
Porém, “aquele que persistir até ao fim,
esse será salvo.” (Marcos, 13:13.)
Recordemo-nos sempre de Lucas, outro
Espírito Santo: “Ninguém que lança mão
do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus”. (Lucas, 9 :62.)
E consoante a edificante lição de
Paulo de Tarso, nessa epístola aos hebreus, “que ninguém se endureça no engano do pecado”, para sua própria
felicidade.
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