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sábado, 14 de setembro de 2013

XI. 'Apreciando a Paulo'


XI
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração
mau e infiel, para se apartar do Deus vivo.
Antes exortai-vos uns aos outros todos os dias,
durante o tempo que se chama Hoje,
para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado;
Porque nos tornamos participantes do Cristo,
se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim.”
(Hebreus, 3:12 a 14.)

            Segundo a palavra do Cristo, que é a PEDRA (I Cor., 10:4; I Pedro, 2 :4), “a cada um será dado segundo as suas obras” (Mateus, 16 :27) e não “segundo a sua fé”, como entendem nossos irmãos protestantes, pois, conforme frisou o apóstolo Tiago, “a fé sem obras é morta” (Tiago, 2:20 e 26).

            Portanto, consoante Paulo de Tarso aqui recomenda, “que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo”.

            O homem geralmente vive neste mundo, sem se preocupar com as coisas celestiais. Há mesmo, infelizmente, no coração da maioria das criaturas, por um punhado de motivos diversos, uma despreocupação criminosa pelas coisas de Deus.

            Ora, a Terra não teria razão de ser, nem nossa existência se justificaria, num mundo de tantas injustiças e de tantos sofrimentos, se não houvesse um motivo superior, determinante de nossa vida, neste planeta de provas e de expiações.

            Mas se a misericórdia divina nos permite ver, em uma noite estrelada, a maravilha dos céus; se há milhões de sóis e, necessariamente, milhões de planetas engastados no firmamento, rolando pela imensidão do infinito, teremos de concluir daí, forçosamente, logicamente: não é possível que só a Terra seja habitada. O próprio Jesus disse, no Evangelho de João: “Na casa de meu Pai há muitas moradas.” (João, 14:2.)

            Assim, se existe essa infinidade de mundos, que gravitam nos céus, obedientes a leis perfeitas e eternas, é claro que tem de haver uma força superior, que tudo criou e coordena. As religiões primitivas ou infantis (curso primário do conhecimento divino) dão até a Deus a forma de um homem velho e de barbas, o que não pode corresponder à realidade, pois Deus é apenas Espírito, como disse Jesus (João, 4:24), ou seja, “a alma consciente do Universo”, que por Ele foi criado e por Suas leis é dirigido. Não é panteísta esta afirmativa, como à primeira vista poderá parecer, pois Deus não é o Universo, mas está imanente nele e também o transcende, porque é infinito.

            Não podemos crer que o nada tenha gerado tantas leis, tenha criado tantos organismos, quer no mundo infinitamente pequeno (microcosmo), quer no plano dos infinitamente grandes (macrocosmo). O próprio organismo humano não pode deixar de ser o fruto de uma concepção consciente e elevada, que o idealizou e plasmou.

            Há uma unidade substancial em toda a Criação, pois o microcosmo corresponde ao macrocosmo, em proporção impressionante.

            Realmente, os últimos estudos sobre os átomos provam que eles são legítimos universos, em cuja substância gravitam prótons e elétrons, num verdadeiro sistema solar planetário, que tem apenas o diâmetro de um décimo milionésimo de milímetro! E dizer que só o corpo humano possui calculadamente, dez quintilhões de átomos (o algarismo dez seguido de vinte e um zeros) “em uma colônia orgânica de sessenta trilhões de células, que têm tarefas diversas com funções especializadas e sincronizadas em coordenação hierárquica”.

            Cada ser humano é, destarte, um universo de átomos e de sentimentos.

            Não obstante haja essa multiplicidade astronômica de células, o corpo humano é dirigido pelo pensamento, que tem o sentido da unidade pessoal, nesse todo tão complexo, mas perfeitamente unificado.

            Nos animais a vontade ou o instinto os dirige, dando-lhes o mesmo sentido de unidade, pois que se trata aí do próprio espírito humano em formação ou “alma vivente”, como a Bíblia chamou (Gênesis, 1:24), mas que atingirá também a fase de consciência, através ainda de vidas sucessivas, dentro da lei da evolução, que é para todas as criaturas de Deus.

            Foi por isto que Emmanuel sentenciou, pela mediunidade ímpar de Francisco Cândido Xavier: “os minerais se vegetalizam; os vegetais se animalizam; os animais se humanizam; e os homens se divinizam, através da eternidade”.

            Eis porque está escrito no Velho Testamento, como no Novo (Salmo, 82:6; João, 10:34), que somos deuses, porque filhos de Deus (Deut., 14:1; João, 1:12).

            Portanto, devemos procurar compreender e sentir qual o desejo de nosso Pai Celestial, como Ele quer que nos conduzamos, a fim de que possamos servi-Lo com consciência, boa vontade e amor. É nosso dever proceder assim, porque, além de Ele ter sido nosso Criador, é bom, justo e misericordioso, e nos criou para a felicidade eterna, que algum dia TODOS alcançarão, sem exceção de pessoas, dependendo nossa evolução espiritual do esforço de cada um. É certo que poderão alguns, por seu livre endurecimento, permanecer no mal ou nas zonas infernais (inferiores) da espiritualidade, mas algum dia de lá sairão, porque o Pai não quer que alguém se perca, mas “que todos se salvem e tenham a vida eterna”. A este respeito o Evangelho de Lucas não deixa dúvidas e é a contestação insofismável das penas eternas, as quais, se existissem, seriam a negação peremptória da misericórdia divina:

            “E toda a carne verá a salvação de Deus”. (Lucas, 3:6.)

            Mas era preciso que o Evangelho, através dos séculos, suportasse diversas interpretações, de acordo com o grau de entendimento e com a evolução cultural da Humanidade. Deus sabe o que faz, pois tudo é por Ele dirigido. Até hoje, certas religiões são necessárias, embora de concepções infantis e singelas, porque nem todos estão aptos a compreender e a sentir a verdade, em sua maior expressão. Todavia, nos tempos prescritos, devido à diversidade de interpretação teológica dos homens, vieram os Mensageiros do Senhor comunicar-se com a Terra, dando o sentido certo das palavras bíblicas. Jesus cumpriu o que prometeu no Evangelho de João, quando disse que nos enviaria o Consolador, que ficaria eternamente conosco e nos ensinaria “todas as coisas” (João, 14 :26). E o Consolador, o Paracleto, está na doutrina pura, cristã e generosa do Espiritismo; indica-nos a verdade e esta nos liberta das dúvidas decorrentes das diversas interpretações humanas e dos pontos aparentemente contraditórios da Bíblia, pois que nos apresenta a hermenêutica exata de seus textos.

            Mas, voltando à nossa digressão filosófica, convenhamos que há de existir um pensamento superior que tudo anima e vivifica, mas que transcende ao que foi criado. Esse pensamento superior, essa força criadora e consciente é Deus, Alá ou Jeová, a cujo poder o homem, cedo ou tarde, terá de render-se.

            Pois se Deus existe, não é natural que se preocupe com suas criaturas?

            Todavia, se o Pai Celestial interviesse neste mundo, continuamente, não teríamos liberdade de ação, seríamos títeres e não deuses em formação. É verdade que não desfrutamos de liberdade absoluta, mas relativa; mesmo assim, esta é respeitada, e sempre se externa de acordo com o grau de evolução de cada um. Porém, se Deus nos tivesse criado logo como seres perfeitos (como alguns queriam que fôssemos, criticando Sua obra e a realidade da vida), a perfeição não estaria em nós, seria um empréstimo que Ele nos faria, sem que tivéssemos mérito pessoal em obtê-la.

            Contudo, Ele quer que sejamos perfeitos pelo nosso próprio esforço e só o alcançaremos através de vidas sucessivas, depois de adquirirmos experiências, virtudes e conhecimentos, quando nos aperfeiçoarmos pelas lutas e pelos sofrimentos, até sermos, verdadeiramente, filhos de Deus, e havermos atingido, pelos nossos próprios méritos, a pureza sideral!

            E para que tenhamos a orientação necessária a tal fim, Deus enviou-nos Jesus, como agora nos manda o Consolador, que completa a Sua obra de amor para conosco.

            Foi o Divino Mestre quem disse, falando a Nicodemos, um doutor da lei que, no seu tempo, preocupava-se com esses assuntos filosóficos:

            “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” (João, 3:3.)

            O Cristo, o Messias prometido, enunciou a lei da reencarnação, única compatível com a justiça e com a misericórdia divinas. Somente admitindo-a é que a gente poderá compreender porque algumas pessoas, por exemplo, contraem lepra (aparentemente sem o merecer), nascem cegas, taradas ou aleijadas, em berço de ouro ou em completa miséria. Se Deus é justo, como teremos de admitir, tudo tem sua razão de ser, e só a lei da reencarnação, que é a do progresso evolutivo do Espírito, poderá justificar certos sofrimentos humanos, em face do princípio de que “a cada um é dado segundo as suas obras”, enunciado por Jesus. E o esquecimento de nossas vidas pregressas é uma bênção, pois a lembrança de antigas culpas poderia dificultar nossa regeneração.

            Em síntese, o Universo é composto por um conjunto de seres que, em nosso plano, se encontram ainda em estado evolutivo, expressando a criação, que em seu todo é perfeita, una e indestrutível.

            Jesus, para nós, é o mediador, o intermediário (médium de Deus), mas há outros “filhos de Deus”, que já atingiram um magnífico estado de perfeição, que já consolam e doutrinam para o bem, compondo a falange do Espírito Santo (que é um substantivo coletivo, uma comunhão de Espíritos consoladores, pois dela fazem parte e para ela cooperam todos os Espíritos de boa vontade, que já sabem proceder com amor). Há, portanto, perfeita união de vistas entre os dois planos da vida, que cooperam em conjunto para a obra do Criador.
           
            Enquanto agimos assim, também nos estamos esforçando para que o reino de Deus venha a nós e se estabeleça, algum dia, entre nós mesmos, com perfeita união, entendimento e amor.

            Paulo é um dos participantes dessa falange bendita, que auxilia o Senhor Jesus na obra de regeneração de nosso planeta, do qual é este o protetor e governador, desde que a Terra foi retirada da nebulosa (João, 1:1 a 4) .

            E é São Paulo quem ensina aos cristãos, pondo-se a serviço do Divino Mestre, ou da Verdade, “que nunca haja entre vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo”.  A maldade é expressão de atraso espiritual. Aquele que conhece a doutrina regeneradora do Cristo, não deve mais ser mau, nem infiel ao Pai Celestial. “Conhecei a verdade e a verdade vos libertará”, disse Jesus (João, 8:32.)

            Somos libertos da maldade e, portanto, não podemos ser infiéis à doutrina de amor do Cordeiro Imaculado, que é nosso farol e nosso guia, nas lutas da vida e nas incertezas do mundo.

            “Antes exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado.”

            Quando estudamos e conhecemos o Cristianismo puro, ensinado aos homens pelos Mensageiros do Senhor, convencemo-nos de que o mal não compensa.

            Se Deus existe, conforme acreditamos piamente, e se Ele dá “a cada um segundo as suas obras”, praticar o mal é plantar sofrimentos ou desilusões. Devemos, assim, procurar viver de acordo com a Sua lei, afastando-nos do erro, para que nosso coração “não se endureça pelo engano do pecado”.

            E nisto deve consistir nossa maior luta quotidiana, sincera e persistente, contra nossas próprias imperfeições. Se estamos arrependidos, devemos produzir frutos dignos do arrependimento (Lucas, 3:8).

            O orgulho, a vaidade, as concupiscências e a maldade são manifestações do egoísmo ou de sentimentos inferiores, que necessitamos combater em nós mesmos.

            Destarte, a missão de Jesus é a de médico das almas, e de chamar os pecadores ao arrependimento, vale dizer, ao reino dos céus:

            “Não necessitam de médicos os que estão sãos, mas, sim, os que estão enfermos.”

            “Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento”. (Lucas, 5:31.)

            O espírita cristão é, antes de tudo, um regenerado. Se “nos tornamos participantes do Cristo”, devemos reter-nos, firmemente, como disse o apóstolo dos gentios, “em nossa confiança, até ao fim”.

            “Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.” (Mateus, 22:14.) Porém, “aquele que persistir até ao fim, esse será salvo.” (Marcos, 13:13.)

            Recordemo-nos sempre de Lucas, outro Espírito Santo: “Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus”. (Lucas, 9 :62.)


            E consoante a edificante lição de Paulo de Tarso, nessa epístola aos hebreus, “que ninguém se endureça no engano do pecado”, para sua própria felicidade. 

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