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terça-feira, 2 de abril de 2013

A Resignação é Força Espiritual




A  Resignação
é Força Espiritual


            Constitui assunto interessante o problema da resignação. Para muitos, resignar-se significa adotar atitude passiva em face da vida, renunciar a qualquer espírito de reação justa e digna, numa tentativa de reequilíbrio moral ou material, conforme o caso. Entre a resignação ativa e a resignação passiva, é grande a distância. Há necessidade de penetrar bem o sentido evangélico dessa atitude de conformação, para bem se assimilar o legítimo pensamento de Jesus. Aqueles que, iludidos por errôneas interpretações dadas ao Cristianismo do Cristo, não puderam ainda vislumbrar as fulgurações do pensamento cristão, ficaram estacionados na letra dos textos, incapazes de perceber a expressão do espírito que ela encobre. Jesus jamais pregou o desânimo e a passividade. Sempre foi sereno na fé, corajoso na serenidade e senhor de si. Em ocasião alguma deixou de reagir, ainda mesmo quando desdobrava sobre seus atos o manto diáfano da resignação. Pode parecer paradoxal o que dizemos, mas a verdade é que Jesus ensinou às criaturas que a resignação não é o desânimo, assim como a reação não é a revolta nem o desespero. Sua passagem pela Terra foi maravilhoso exemplo de energia fecunda e de atividade realizadora.

            Através da bela linguagem parabólica, confirmou sua dinâmica atividade no trabalho pela iluminação do espírito humano. Sua ação foi sempre positiva, ainda mesmo quando, no suplício da cruz, convocou as últimas energias que lhe restavam naquele transe supremo, para, em sublime forma de resignação ativa, pedir a Deus que perdoasse aos que o sacrificaram, porque não sabiam o que estavam fazendo. E os séculos têm provado que, efetivamente, eles ignoravam a enormidade do crime que consumaram no Gólgota sombrio...

            Nós, os espíritas, há muito que nos habituamos a ver e a sentir o Mestre longe da macabra visão da cruz, mas em toda a plenitude do seu poder espiritual, tal como ele deve ser visto e deve ser sentido: visto através da sua legítima posição no Evangelho, realizando a semeadura dos preciosos ensinamentos que ficaram como inestimável tesouro da Humanidade, e, sentido pelo coração, consoante o caminho do estudo e da meditação, Jesus não filosofou, pregando teorias complexas ou confundindo os que o ouviram e aqueles que, ainda hoje, se rejubilam com as lições evangélicas, em complicadas dissertações: Não foi confuso na explanação metafísica dos seus ensinamentos: foi simples e claro. Tão simples e tão claro que soube usar da linguagem que, simultaneamente, chega ao cérebro e ao coração dos homens de boa vontade.

            Ao indicar ao homem o rumo da resignação, não estabeleceu itinerário para a passividade. Tanto assim que - apontemos apenas um exemplo - na parábola da ovelha perdida, perguntou: “Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixa as noventa e nove e vai aos montes procurar a que se extraviou? Se acontecer acha-la, em verdade vos digo que se regozija mais por causa desta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram.” Deixemos de parte a interpretação comum dada a esse trecho evangélico e apreciemos outro aspecto dessa linda parábola. Se Jesus houvesse feito da passividade uma forma de resignação, o homem se conformaria com o extravio da ovelha e ficaria satisfeito por ainda poder contar com noventa e nove. Entretanto, Jesus apontou como fato saliente da parábola a particularidade de o homem haver deixado as noventa e nove e pôr-se a caminho, nos montes, em busca da ovelha perdida. Em vez da resignação passiva, a energia realizadora.        
      
            Precisamos aprender a resignação evangélica, tão longe da passividade e do desânimo que marcam, geralmente, o raciocínio dos que não se detêm no exame sereno de tão delicado problema da vida humana, A resignação consciente é uma modalidade de ação. O homem resigna-se em face do irremediável. Enquanto não se capacita de que tudo está consumado, deve lutar sadiamente pela recuperação de sua ovelha perdida. Mesmo a conformação em face do fato irremediável, sua atitude não deve ser de estéril desalento. É prova de perfeita identificação com os princípios espirítico evangélicos, o cultivo da coragem em face das vicissitudes.

            Em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, lê-se numa comunicação do Espírito de Lázaro (Paris, 1863): “A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem que os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações, que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antiguidade material desprezava.”

            É dever da criatura humana reagir nobremente em face das vicissitudes. É essencial não confundir resignação com covardia. Esta é uma “resignação” compulsória, imposta pela incapacidade de convocar todas as energias para enfrentar corajosamente as situações graves. A verdadeira resignação é serena e consciente. Ela assume o controle da situação em que se vê envolvida a criatura, dando-lhe meios de raciocinar e aceitar o fato consumado, desde que, efetivamente, não possua elementos para desfazê-lo. Mesmo assim, a resignação, e não o desânimo, pode revestir-se do caráter ativo, reagindo. Como reagir? Fortalecendo-se na prece e exemplificando as lições evangélicas, com o fito de superar a provação que lhe foi imposta pela lei cármica.

            Em outro ponto do Evangelho, Jesus ensina que a resignação não deve ser passiva. Na parábola do amigo importuno, demonstra que este "conseguiu ser atendido em virtude da insistência com que procedeu, indiferente à negativa inicial que encontrara. Se não, vejamos: “Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu acaba de chegar a minha casa de uma viagem, e nada tenho para lhe oferecer; e se do interior o outro lhe responder: Não me incomodes, a porta já está fechada, eu e meus filhos estamos deitados; não posso levantar-me para tos dar. Digo-vos: Embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar.” Se o solicitante se resignasse com a primeira negativa e se retirasse, teria assumido uma resignação passiva. Entretanto, insistiu, pôs energia para reagir contra o obstáculo e, afinal, triunfou. O mesmo acontece, na vida comum. Muitas vezes somos feridos por um golpe sério e ficamos como que atordoados, Se o que aprendemos no Espiritismo possui força dentro de nós, começamos a reagir, realizando esforços para conter o desespero que, de outro modo, de nós se apossaria. Essa reação benéfica deixa um lastro de serenidade que nos permitirá, ainda que paulatinamente, reconquistar o domínio de nós mesmos. Ainda que em face do irremediável, temos o recurso da reação através da prece.

            Portanto, é falso o conceito de que resignar-se alguém constitui entregar-se ao desânimo, numa atitude passiva. Está no Evangelho: “O homem pode suavizar ou aumentar o amargor de suas provas, conforme a marcha por que encare a vida terrena. Tanto mais sofre ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do sofrimento.” A resignação real não exclui a possibilidade de a criatura reagir para sobrepor-se à desventura. Tudo depende, evidentemente, da preparação espiritual de cada um, das reservas morais que possua para resguardar-se do desânimo que precede ou sucede ao desespero, quando este parece em condições de adquirir forma. Esclarece o Espírito de Lacordaire (Havre, 1863, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Quando o Cristo disse: «Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence”, não se referia, de modo geral, aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; porém, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Todos sabemos que o Pai não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcional às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e, para isso, é que a vida se apresenta cheia de tribulações.”

            A Doutrina Espírita, que vem de Jesus, pois é o Consolador Prometido pelo Mestre, prova exuberantemente que a resignação em face das vicissitudes não deve estar isenta da coragem para reagir contra o desânimo. Se assim não fora, as oportunidades proporcionadas pela reencarnação não teriam lugar na vida humana e na vida espiritual. Entretanto, em cada encarnação o Espírito enfrenta possibilidades magníficas de reagir contra os erros do passado, preparando-se para as alvoradas de luz do futuro. Seja qual for a situação, a criatura humana pode amparar-se na resignação ativa, buscando para si mesma, no Evangelho ou na Doutrina codificada por Allan Kardec, o bálsamo para as suas dores, o refrigério para as suas
tribulações, a luz que lhe iluminará a trajetória.

            Para aqueles que possuem o coração puro e o espírito humilde, as dificuldades da caminhada serão progressivamente atenuadas. Já o disse Jesus: “Bem-aventurados os que têm puro o coração, porque verão a Deus.” O caminho mais curto para alcançar a humildade é a resignação consciente, a resignação que reage pela fé, pela energia que fortalece a compreensão do destino humano e pelo trabalho de reerguimento, após cada vicissitude, que revigoriza a trajetória espiritual.

            Bem mais fácil é aqueles que não estão alanceados pela dor dar conselhos sobre a resignação; bem mais difícil se torna a recomposição rápida dos que são surpreendidos pelo sofrimento, se seu espírito não se encontra fecundado pelas sublimes lições do Evangelho. Os ensinamentos de Jesus não são expressões supérfluas de uma literatura mística. Eles representam o conteúdo de uma sabedoria que se consolidou no exemplo do Mestre, através do apodo dos ignorantes, das injúrias dos maus, das injustiças dos poderosos, da traição dos pusilânimes e do ódio dos que se enfermaram em cultos incompatíveis com os princípios de amor, de paz e de caridade. Sabedoria que se fortaleceu com a sinceridade dos crentes, com a prece dos que compreenderam os ensinos e as lágrimas daqueles que tiveram sua sensibilidade solicitada no testemunho das horas de amarga provação.

            A resignação consciente é a arma da criatura que tem fé, pois que nela se resguarda das tempestades do desespero. Nos momentos cruciais da dor é que se evidencia a potencialidade da fé. Nem foi por outro motivo que Jesus, nas bem-aventuranças a que se referiu no Sermão da Montanha, o poema por Ele composto com o sentimento, disse: “Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados.” Essa consolação sé estende a todos, indistintamente, mas aqueles que possuem a virtude da resignação consciente, da resignação ativa, são os que mais depressa recebem o conforto do Alto. Portanto, não se diga que o Cristianismo do Cristo prega o desânimo, porque, na verdade, ele institui a coragem moral como base da obra cristã, ao lado do amor e da caridade. Resignar-se conscientemente é compreender os desígnios da Vida e aceitá-los como se aceita a Verdade. A resignação consciente não despreza a luta pela própria recuperação, não abandona a energia estimulada pela fé racional. Ela trabalha, ativa-se, dinamiza-se, quer através da prece, quer através das ações verticais, porque é uma força espiritual positiva. Não é desalento, mas paciência e confiança nas leis que regem a vida humana e a vida espiritual. Resignação é força, é coragem e, sobretudo, fé, quando não se desvitaliza na passividade doentia nem se destrói no desespero inútil. Resignação consciente significa compreensão lúcida. Foi para os que sabem resignar-se, sem se perderem no tremedal da desesperação, que o Cristo Jesus ensinou à Humanidade, no episódio maravilhoso do “Sermão da Montanha”:  “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que existiram antes de vós.”

            Os humildes de espírito sabem, intuitivamente, a importância da resignação esclarecida, porque esta decorre da sua própria humildade, o mesmo sucedendo quanto aos mansos e limpos de coração. Os que choram realizam a prece das lágrimas, mas não devem permitir que estas afoguem a capacidade de reagir, a fim de não se tornarem presas inermes do desalento. Os que têm fome e sede de justiça, os perseguidos e injuriados podem e devem colocar-se espiritualmente em condições de salvaguardar os direitos que lhes são próprios, fugindo à violência, mas fortalecendo-se intimamente para resistir às iniquidades. Os bem-aventurados e misericordiosos, os pacificadores e os justos, estes já se encontram tocados pela graça divina, tanto que externam, pelos atos e pelas palavras, o prêmio que já lhes condecora o espírito.

            A resignação tem seu poder espiritual. Todavia, é preciso não permitir que ela se azinhavre ao contato com o desânimo, porque este é um aspecto da resignação passiva e inútil, enquanto a reconquista do ânimo, a luta pela recuperação da esperança, significam um aspecto da resignação ativa e útil, porque consciente. Entendendo-se assim a resignação, nela encontraremos meios de atenuar, pelo menos, as provações da vida terrena, evitando nos abismemos na desesperança e na desorientação. Peçamos sempre ao Alto que nos dê, nas ocasiões propícias, essa elevada compreensão, a fim de que não falhemos no testemunho.  
  
Vinélio DI Marco

(Indalício Mendes)
in Reformador (FEB) Fevereiro 1955


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