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Ciência Religião Fanatismo
por MINIMUS (A.
Wantuil de Freitas)
Ed. FEB
c.1938
Palestra 4 b/c
RELIGIÃO E
FANATISMO
Quanto à pluralidade dos mundos
habitados, cuja realidade os Evangelhos repetidamente nos deixam perceber e
cuja doutrina vimos sustentando, as descobertas contínuas dos astrônomos e o
adiantamento progressivo da ciência se encarregarão de documentar, e tanto esse
dia se aproxima que aos nossos inimigos já lhes não convém discutir essa
teoria, por eles anteriormente condenada como herege. Duvidamos que qualquer
homem, que conheça um pouquinho de astronomia, assevere, atualmente, não ser
possível a pluralidade dos mundos habitados. Logo a nossa teoria, apesar de
ainda não poder ser provada com fatos positivos, está mais perto da verdade e
mais de acordo com a Ciência do que aquela que nega essa possibilidade, que lhe
chama herege e que a inibe examinada. E essa pluralidade, que não tarda a ser
universalmente aceita, foi anunciada pelo Espiritismo, Religião-Ciência, que,
aqui nesse ponto, como em tantos outros, se diferencia de todas as religiões
antigas, por cogitar do Cosmos, ao passo que aquelas só se preocupam com a Terra, parte mínima da criação.
Ensinamos que o Universo é o
conjunto de milhões de astros que giram pelo Espaço; que
a Terra é extremamente pequena diante do tamanho dos astros e planetas; que ela
não se
formou em seis dias, e, sim, durante milhões de anos; que os outros mundos
devem ter vida e habitantes. Tudo isso é atualmente corroborado pela Ciência. E
se a existência de seres vivos
nos outros astros ainda não está demonstrada com fatos, já a aceitam por
analogia, e não
tardará que nos venha o apoio dos astrônomos, confirmando as conclusões do
sábio Flammarion,
do Observatório de Paris.
Pregamos a evolução e anunciamos que
ela se vem fazendo pelas Revelações periódicas e
progressivas, de acordo com a capacidade assimiladora da humanidade:
expurgam-se, assim, as impurezas adicionadas às Revelações anteriores pelos
sacerdotes, e apresentam-se os ensinamentos que só podem ser conhecidos à
medida que os homens os suportem e compreendam.
O Código de Moisés, que sucedeu ao
de Abraão, era bem mais adiantado, contudo consagrava, ainda, talvez por
necessário, "o dente por dente e olho por olho", e ordenava passar a
fio de espada as mulheres e as crianças dos povos vencidos. E por isso, quando
também não mais satisfazia ao povo e não correspondia às necessidades
espirituais da época, foi substituído pelo Cristianismo; e, hoje, é o Cristo,
cujos sublimes ensinamentos tanto corromperam, quem nos envia o Espiritismo,
não só para retirar os enxertos adulteradores das suas lições, como para completá-las,
cumprindo, desse modo, a sua divina palavra de nos mandar o Consolador, que não
apenas lhe continuaria a obra, senão que lhe daria cumprimento.
Todas as Revelações foram
anatematizadas e combatidas pelos sacerdotes, que se arrogavam representantes
do Enviado anterior. De dois em .dois mil anos, vimos assistindo à luta
dos que, não desejando cair, lançam mão de todos os meios e processos para não
serem derrubados
do altar de ouro que construíram a troco do empanamento das religiões, de que eles
se intitulam intérpretes, com poderes absolutos sobre as almas e até sobre os
corpos das criaturas.
Foi uma nova Revelação que ocasionou a morte de Jesus-Cristo, foram os sacerdotes
do Judaísmo que a pediram, classificando-o como louco e prejudicial à
felicidade dos povos.
Essa mesma causa - a loucura - que
Paulo diz ser assim qualificada por não poderem os homens julgar e entender os
ensinamentos do Espírito de Deus, é apresentada pelos nossos antagonistas aos
legisladores de hoje, a quem constantemente incensam, afim de que estes
engendrem leis repressoras contra os novos discípulos do Mestre, leis
semelhantes, ou quase idênticas, às que foram usadas para perseguir o Messias e
os seus discípulos. Ensinam absurdos e querem que a humanidade abdique a razão
para aceitá-los; argumentam com a fé,
com
essa fé viciosa dos apegados à letra, fé que crucificou o Mestre; com essa
mesma fé fanática
que exterminou vidas na Inquisição, com essa fé clerical que abençoa crimes
para maior
glória de Deus!
Que vale a fé gerada pelo fanatismo,
fé que não se acompanha senão de crimes, fé que detença as concepções
científicas dos Galileus, fé que só é anunciada com palavras! - É ela, entretanto,
o único ponto de apoio que ainda lhes resta para arregimentar fanáticos contra os
novos Cristãos, que vêm protestar contra a adulteração da doutrina do Mestre e
expor às multidões
os vendilhões que as exploram.
Como Paulo, que se anunciava enviado
do Cristo para evangelizar e não para batizar, também
não viemos para vender pitadas de saliva e sal, mas para separar a parte divina
das religiões
da que lhes foi introduzida pelos homens, e, como Pedro não consentiu que Cornélio
se lhe ajoelhasse diante, por se não julgar representante de Deus, protestamos,
principalmente, contra as religiões, cujos chefes apresentam os pés a ser
beijados, de joelhos, pelos irmãos que deles se aproximam.
O Espiritismo não vem alterar o
Cristianismo, porém defender, explicar, ampliar e confirmá-lo
com fatos, pregando-o pelo exemplo e na sua simplicidade divina: Amor a Deus e
ao próximo. Sendo essa Nova-Revelação o complemento prometido pelo Cristo, não
nasceu em certa e determinada parte do globo, senão, ao mesmo tempo, em todo o
Planeta, e isso porque:
os Enviados de Jesus vieram e vêm aos milhares, sem se preocuparem com as raças
e com as religiões da Terra. A Terceira Revelação veio para ser o ponto de
ligação entre milhares de religiões do planeta, todas elas com a sua parte
divina, que não será alterada, abolindo-se
lhes, porém, a enxertada no correr dos anos, tal qual procedeu o Cristo,
quando, em pessoa, surgiu para confirmar o Decálogo e condenar as
extravagâncias e as incoerências concebidas pelos sacerdotes que se mercantilizaram.
No primeiro período, o abrâmico,
seria herege quem não aceitasse a poligamia; no mosaico, seria castigado quem
protestasse contra o sacrifício dos filhos dos vencidos; e, no período atual,
em que pretendemos combater os excessos e as interpretações anticristãs dos que
autoritariamente se julgam representantes de Deus, é natural que sejamos
apresentados, aos
olhos do povo, como hereges, loucos e endemoniados.
Consolam-nos, todavia, as lições da
História. Todos os encarregados de anunciar as novas Revelações foram
perseguidos e taxados de loucos, por lutarem contra os poderosos sacerdotes;
mas estes, apesar de sempre parecerem invencíveis nas suas seculares
fortalezas, caíram
e foram substituídos por novos elementos, cheios desse entusiasmo dos que se
compenetram de que a criatura vem à Terra para executar missão superior à que
geralmente se observa entre os homens.
Para surgir a Verdade Cristã foi
necessário que Jesus morresse. Sua reforma só foi aceita
trezentos anos depois. Pouco nos importa, portanto, a vida, pouco nos preocupam
as lutas
e as perseguições, se palmilhamos a estrada indicada pelo Cristo, se sabemos
que a vitória
sorrirá para a causa que defendemos.
Viemos encarregados de pregar a
comiseração, o sacrifício e o amor, viemos para combater os erros, exalçar o
Cristianismo e explicá-lo à luz da verdade e da razão. Soldados do Cristo,
não tememos o demônio, esse ser imaginário que amedronta os povos incultos dos sertões,
como aterrorizava os das cidades há três ou quatro séculos.
Não nos intimida esse indivíduo de
rabo e chifres, que proclamam ficar senhor da quase totalidade dos homens no
dia do Juízo Final, tomando ao Onipotente todas as suas criaturas e
tornando-se, dessa maneira, maior que o próprio Deus, já por possuir o poder e
a inteligência superiores, que lhe emprestam, já por vencer o Supremo,
roubando-lhe os próprios filhos.
Não cremos nesse maquiavélico satã
que lhes ocasiona rendas pecuniárias, e dele seriamos os maiores adversários se
realmente existisse. São demônios, para nós, todos os Espíritos encarnados ou
desencarnados que aconselham e praticam a maldade. São demônios de que não
fugimos, antes os procuramos para transformá-los em cristãos. Esses
"demônios", esses
infelizes ainda sem luz, esquivam-se de nossas reuniões por não encontrarem
nelas o ambiente
que lhes é agradável. E a sua nenhuma interferência nos meios espíritas é facilmente
observada, quer pela Doutrina Evangélica que pregamos e exemplificamos, quer pela
criação de asilos e hospitais; quer ainda pela bandeira que desfraldamos: - Fora
da caridade
não há salvação.
O diabo teve a sua época e sua razão
de ser. Para povos bárbaros eram necessárias as leis
draconianas de Moisés, para semibárbaros um demônio astuto e poderoso. Mas,
hoje, nos dias
da Terceira Revelação, a Doutrina fala diretamente ao Espírito, conduzindo-o
pelo amor, sem recorrer a ameaças mitológicas. Aliás, a educação dos povos e as
leis de cada país divergem de acordo com o grau intelectual dos seus
habitantes. Não seriam boas as leis liberais
das Terras Brasileiras aplicadas a algum povo inculto da África. Cada povo e
cada época
necessita de leis especiais, todas elas, porém, girando em torno do mesmo
princípio - o
bem da coletividade.
Não seria possível que os ensinamentos
que hoje nos são dados fossem apresentados em época anterior. Era indispensável
a evolução da humanidade; era precisa a sua preparação, como bem disse o
Nazareno, para que o fruto germinasse com exuberância. Não seria admissível
essa antecipação de ensinamentos, como não seria compreensível ensinar-se a
operação de multiplicar sem que o aluno já soubesse somar.
Se espalham que o ateísmo é obra do
demônio, como nos chamam emissários do diabo, se
nós asseguramos a existência de Deus?!
Como seria isso conciliável, se
pregamos a mesma Doutrina de N. S. Jesus Cristo e nem
mesmo admitimos a realidade da entidade demoníaca?! Não, senhores! o diabo não
existe e os assim denominados são bem melhores que essa gente que tenta
diminuir o Senhor, enxovalhando e denegrindo a Doutrina do Messias.
Se satanás fosse um ser e não
simples sinônimo de maldade ou de fraqueza na observância às leis de Deus, Jesus
não teria chamado a Pedro satanás, quando o apóstolo quis evitar
que o Mestre sofresse nas mãos dos príncipes dos sacerdotes. Satanás é, pois,
aquela maldade
que entrou, em Judas e que o fez trair e vender o Cristo.
Parece-nos que nada mais
necessitamos a acrescentar para demonstrar que satanás é um
mito. Passemos agora ao seu palácio, ao império em que eles o dizem reinante.
*
O fantasmagórico inferno, local onde
insinuam residir o poderoso e inteligente satanás e
toda a sua intensa e fabulosa corte, não mais existe para qualquer homem, cuja
cultura intelectual esteja um pouco acima da mediana.
Entre os adeptos do Catolicismo,
raramente se encontra algum que acredite nesta fábula
do Reino do Mal. Destituir-lhe com provas a existência se nos tornaria, pois,
supérfluo, se não foram os nossos irmãos protestantes, em cuja Doutrina, em que
pese à cultura de
alguns dos seus crentes, há essa tristíssima afirmativa.
Antes de iniciarmos a demonstração,
desejamos agradecer aos nossos companheiros de
provação,
os protestantes, os benefícios que trouxeram à Humanidade, combatendo os crimes
e os absurdos praticados pelo clero dos séculos que se foram, não lhes
aceitando as inovações vergonhosas, antes até espalhando os Evangelhos, com que
diminuíram aquele poder absoluto do Czar de Roma sobre todas as nações.
Rendendo-lhes as nossas homenagens, lamentamos que tivessem ficado com as
interpretações clericais, anteriores ao século em que se separaram de Roma.
Nos seus "Pensamentos
Filosóficos", livro que relemos sempre com admiração, Diderot escreveu: - “O teólogo diz ao homem perdido, à noite, num
bosque imenso: - Amigo, apaga a tua luz para encontrares, mais facilmente, o
teu caminho". Assim era na época do grande pensador, assim é nos dias
que correm. Os teólogos apelam sempre para essa fé que só tem produzido ateus;
para essa fé que animaliza o homem, retirando-lhes o raciocínio que o extrema
dos demais seres vivos; para essa fé que Büchner dizia baseada em hipocrisias;
para essa fé que condenou Sócrates por afirmar que o Sol não era um Deus; para
essa fé que ensina serem necessárias cem mil condenações para que um se salve.
E o resultado desse frágil argumento é o lastimável estado em que se encontra a
população terráquea.
A palavra inferno, que significa
situado em baixo, nasceu de crenças que supunham a sua
localização em baixo da superfície terrestre, em época em que se ignorava a
esfericidade do planeta. Apesar de assim ensinarem, aquelas crenças não
apresentavam o reino de Plutão como eterna residência dos maus, porquanto, já
em hebraico, inferno quer dizer duradouro.
Ultimamente os protestantes já
admitem que se possa entender por inferno mais um estado do que um lugar.
Rejubilemo-nos com essa evolução que se vai verificando nos meios protestantes,
visto como é isso exatamente que apregoamos, apenas afirmamos nós que esse estado
é transitório, finalizando-se com o pagamento do último centil.
“O
Senhor conduz aos infernos e de lá tira: fere e salva. De tarde haverá pranto;
de manhã, alegria.
Tiraste a minha alma do inferno inferior. Quem amaldiçoa o diabo amaldiçoa a si
próprio."
- Estas e centenas de passagens do Velho Testamento, que seria fastidioso citar
e mesmo impossível diante do tempo de que dispomos, provam-nos a não eternidade
das penas sobre a criatura que erra, mas apenas a existência da expiação para
os que ainda se não resolveram a seguir a Lei, expiação essa confirmada em
vários versículos dos Evangelhos, onde se chega a encontrar Jesus descendo aos
infernos, para de lá retirar as almas dos Justos.
As melhores descrições do inferno,
de que se servem os oradores sacros, são tiradas das poesias
de Homero e de Virgílio; mas, ainda aí, ele se nos depara sem essa eternidade
irreligiosa, que os teólogos teimam em afirmar.
Se o inferno existisse, certamente
os grandes criminosos, como Lampião, seriam lá promovidos a generais e gozariam
das boas graças de satã, enquanto a nós outros ser-nos-iam reservadas as
maiores torturas, por termos espalhado o amor ao próximo e o respeito aos
Evangelhos.
Para o inferno pretendem enviar
todos os desgraçados que se suicidarem, sem a menor esperança de estágio no
purgatório e sem direito às preces pagas ou espontâneas dos que aqui ficaram,
entretanto nós, exatamente porque reconhecemos o grande erro dos que se matam,
recomendamos que sejam confortados no transe angustioso em que se debatem.
Em vista, porém, da obstinação com
que os teólogos não querem abandonar o inferno, deixemo-los
com as suas novelescas teorias e passemos para o paraíso, para as várias
moradas do Pai, céus onde habitam todos os verdadeiros cristãos, e não somente
os seres privilegiados deste ou daquele credo. O nosso céu nada tem de comum
com o paraíso de ociosidade que vem sendo prometido a troco da fé passiva ou
das missas pagas.
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