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terça-feira, 9 de abril de 2013

30. "Fenômenos de Materialização"




30
Fenômenos de Materialização
por   Manoel Quintão
 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
 1942
           
Sursum Corda!    b/c



            Entretanto, a Fé sem obras é morta, como afirmou Paulo.

            Precisamos, assim, viver a nossa Fé, da nossa Fé e para a nossa Fé.

            E como a Fé não pode ser convencional; como a Fé não se improvisa nem se impõe, mas conquista-se e adquire-se, precisamos cultivá-la em nós, para que ela edifique o nosso próximo, emulando-o no mesmo esforço de ascese.

            Ora; nós não temos, ao serviço dessa tarefa sublimada, símbolos exteriores, nem liturgias chocantes, mediante as quais possamos ou devamos iludir-nos, a nós e a outrem.

            Este cenáculo em sua simplicidade de conjunto; lembra, as guardadas as diferenças de costumes e meios - que são apanágio da evolução de nossos espíritos - aquelas primitivas sinagogas do proselitismo apostólico, ancho de repartir o Pão eucarístico em memória do Divino Mestre.

            Repartamo-lo também nós, aqui, num ato de contrição toda espiritual, para examinar a utilidade que havemos dado á nossa Fé.

            Comecemos por considerá-la no lar, que é, digo, que deve ser a Catedral dos espíritas cristãos, porque é aí que se auspicia, em altares-corações, o pontifical maior das provas para a comunhão externa, da vida social.

            Dizei-me, pois, vós, pais de família, se na família por vós aqui constituída para esta etapa terrena, estimais um núcleo de irmãos articulados, não fortuita mas providencialmente, por compromissos de existências anteriores, tumultuárias, violentas, quiçá ignominiosas, mas, de qualquer forma, carecidas de reparação.

            Dizei-me se, na insubmissão, na indiferença, mesmo na hostilidade e na ingratidão dos filhos podeis lobrigar o remanescente de ódios e ofensas, de viltas e crimes, que clamaram tréguas no embotamento da carne, para poderem ser atenuadas e dolorosamente remitidas.

            Dizei-me, pais, se, de qualquer forma, estais aparelhados para reconhecer, e, reconhecendo, perdoar nos vossos desgostos e desencantos, nas vossas angústias e amaritudes domésticas a vossa própria afronta às leis de humildade e fraternidade, inelutáveis e postas de toda a eternidade para a eterna evolução das criaturas de Deus.

            Dizei-me vós, mães de família, se nos vossos filhos timbrais em ver, não o fruto ocasional das vossas entranhas, mera floração da vossa carne para gáudio maior do vosso orgulho, ou da vossa vaidade, mas o fruto espiritual, nem sempre doce, da sementeira que espalhastes e cultivastes, e desenvolvestes na própria imantação das vossas paixões, nessa vastíssima e tenebrosa leiva do vosso passado culposo.

            Dizei-me, enfim, mães, se nesses vasos de carne destinados á putrefação pela injúria dos tempos, não sobrepondes o efêmero ao real, se não trocais a forma que deslumbra os sentidos exteriores, pela genuína essência que sutiliza e toca nas intuições da alma.

            Dizei-me se em vós já ultrapassam, ou pelo menos emulam, a prol dos vossos filhos, os zelos do corpo e os cuidados do espirito.

            Oh! dizei-me que não, minhas irmãs...

            Que não, porque eu daqui vos vejo debruçadas, aflitas e lacrimosas, à borda dos berços de vossos filhinhos enfermados do corpo, e vos contemplo repousadas, alegres e até displicentes, à borda desse outro berço ideal em que se embala o filho de Deus enfermo e a vós confiado, não para a vida transitória do corpo, mas para a vida definitiva e eterna do espírito.

            De ver-se, assim, o vosso carinho, a vossa solicitude: - tendes na voz sonoridades, ritmos de uma beleza estranha, arrulhos turturinos de ave mal ferida; tendes no olhar eflúvios sublimados de cambiancias magnéticas, indefiníveis, e tudo - noites e dias, minutos e horas, contais pelas pulsações do coração, para que não faltem o remédio, o agasalho, a dieta salvadora.

            Salvou-se, enfim, o vosso filho... quero dizer: ele aí está formalmente íntegro para os vossos sentidos exteriores, e só por isso vos felicitais, e até, como a Deus não baste o vosso mudo reconhecimento, bom é que dele se inteire o mundo, por uma eventual missa de graças, de preferência nos Templos em moda...

            E aí tendes o filho idolatrado... É vosso, e só por isso continua vivendo, ou antes, morrendo ao vosso lado.

            Morrendo, sim, porque visivelmente enfermo e de enfermidade letal, cuja etiologia vos passa geralmente despercebida pelas malhas grossas da vossa lisonjeira ilusão.

            Já não podereis, assim, vibrar daquelas mesmas angústias e cuidados, que há pouco descrevi e vos divinizavam, quase! E não podeis, porque o mal de vosso filho é ingênito, é profundo, é oculto, de regra; não explode em gemidos que vos laceram a alma, mas em folgares e sorrisos argentinos, que têm por alimenta-lo e estimula-lo o adubo, a baixo-preço, dos prejuízos e convenções que também bafejaram e galvanizaram a minha e a vossa ancestral enfermidade - a enfermidade que foi de nossos pais e será de nossos netos - a dubiedade da Fé, pela crença vagamente mítica, quando não pela ignorância total dos nossos destinos.

            Mas nós, senhores, que já não podemos partilhar de tal ignorância, por que continuamos a falhar lamentavelmente nos efeitos lógicos da nossa Fé, proclamada racional?

            Por que não possuímos, para curar as enfermidades da alma, as mesmas energias que aliciamos para curar as enfermidades do corpo?

            Eu vos direi, no entanto, por mais doloroso que me seja dize-lo: - é porque a nossa Fé não corresponde o nosso amor. O amor, para nós, quando se não avilta em paixão bestial dos sentidos corporais, é exercício de egoísmo que nos lisonjeia os sentidos da alma. Amamos os "nossos", principalmente, porque os julgamos "nossos" e, na verdade, com estulta incongruência, porque, se fisicamente, deles nem uma só molécula nos pertence, espiritualmente só quinhoamos deles, em sentimento, aquelas vibrações que pudermos despertar para ritmar conosco.

            Esse ritmo é o que chamamos afinidade. Não é espontâneo, de certo, porque, de outro modo, deixaria de ser meritório.

            Lançadas por Deus no turbilhão da vida consciencial, progressiva, as mônadas espirituais tem de sincronizar-se para o ritmo universal.

            Esse esforço que se nos prefigura suave, por normal, nos planos superiores da Criação, é quebrado nos planos inferiores, mercê do livre arbítrio, para refazer-se depois, penosamente, em humanidades heterogêneas, qual a nossa, em que a família, imaginário símbolo de Unidade, não passa ainda - ai de nós! - de retorta ou incude de tremendas reações, verdadeiros laboratórios de novos crimes, que afrontam e escandalizam a sociedade dos homens, mas que os homens individualmente considerados continuam aptos a praticar, e efetivamente praticam, em todas as esferas sociais.

            Os escândalos de todos os matizes, que deflagram de inopino em títulos berrantes e letras garrafais dos nossos periódicos, sem contar os que se escondem, mal velados pela cortina transparente das conveniências sociais, numa hipocrisia mascarada à zarcão, esses aí estão, para indicar os leprosários familiares, porque é neles que incuba e se processa a gangrena espiritual, pela necrose figurativa das fibras mais delicadas do coração.

            É aí que se embriaga a criança na displicência aleatória, quando não na inconsciência sistemática, dos problemas mais sérios da vida de relação.

            É aí que ela, a criança, começa por ser mais "nosso" filho que filho de Deus, e para escravizar-se, que não senhorear as suas paixões e pendores inatos.

            A pretexto de tolerâncias criminosas, porque no fundo comodistas, a confundir austeridade com maldade, disciplina com iniquidade, licenciosidade com liberdade, ela, a criança, começa a confiar nada de si mesma, em tudo vendo e sentindo, antes, a providência e previdência paternas, que não a Providência de Deus.

            Falar-lhe de morte é crime, falar-lhe da vida real é fraqueza, é terrorismo, é covardia...

            E por isso, no dia que a providência humana lhe falha; quando o mundo se lhe apresenta com os seus imperativos inexoráveis de trabalho, de esforço, de renúncias e sacrifícios pessoais, ela, a criança, que não soube medir esses valores na providência incondicional e cega dos genitores, para estima-los nos semelhantes; incapaz de abranger e praticar as leis de solidariedade humana, faz-se tirano ou covarde, assassino ou ladrão.

            E, a caminho do patíbulo, entre grades da enxovia ou na enxerga do hospital - irrisão da sorte! - quanta vez não deblatera e malsina, então, a memória dos que a seu ver, por um fatalismo caprichoso, atiraram-na ao mundo! Ah! se meu pai me advertisse, se minha mãe me castigasse, se eu houvera sabido...

            Maldita a hora em que nasci!



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