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Fenômenos
de Materialização
por Manoel Quintão
Livraria Editora da Federação
Espírita Brasileira
1942
Sursum Corda!
b/c
Entretanto,
a Fé sem obras é morta, como afirmou Paulo.
Precisamos,
assim, viver a nossa Fé, da nossa Fé e para a nossa Fé.
E
como a Fé não pode ser convencional; como a Fé não se improvisa nem se impõe,
mas conquista-se e adquire-se, precisamos cultivá-la em
nós, para que ela edifique o nosso próximo, emulando-o no mesmo esforço de ascese.
Ora;
nós não temos, ao serviço dessa tarefa sublimada, símbolos exteriores, nem
liturgias chocantes, mediante as quais possamos ou devamos iludir-nos, a nós e
a outrem.
Este
cenáculo em sua simplicidade de conjunto; lembra, as guardadas as diferenças de
costumes e meios - que são apanágio da evolução de nossos espíritos - aquelas
primitivas sinagogas do proselitismo apostólico, ancho de repartir o Pão eucarístico em memória do Divino
Mestre.
Repartamo-lo
também nós, aqui, num ato de contrição toda espiritual, para examinar a
utilidade que havemos dado á nossa Fé.
Comecemos
por considerá-la no lar, que é, digo, que deve ser a Catedral dos espíritas
cristãos, porque é aí que se auspicia, em altares-corações, o pontifical maior
das provas para a comunhão externa, da vida social.
Dizei-me,
pois, vós, pais de família, se na família por vós aqui constituída para esta
etapa terrena, estimais um núcleo de irmãos articulados, não fortuita mas
providencialmente, por compromissos de existências anteriores, tumultuárias,
violentas, quiçá ignominiosas, mas, de qualquer forma, carecidas de reparação.
Dizei-me
se, na insubmissão, na indiferença, mesmo na hostilidade e na ingratidão dos
filhos podeis lobrigar o remanescente de ódios e ofensas, de viltas e crimes,
que clamaram tréguas no embotamento da carne, para poderem ser atenuadas e
dolorosamente remitidas.
Dizei-me,
pais, se, de qualquer forma, estais aparelhados para reconhecer, e,
reconhecendo, perdoar nos vossos desgostos e desencantos, nas vossas angústias
e amaritudes domésticas a vossa própria afronta às leis de humildade e fraternidade,
inelutáveis e postas de toda a eternidade para a eterna evolução das criaturas
de Deus.
Dizei-me
vós, mães de família, se nos vossos filhos timbrais em ver, não o fruto
ocasional das vossas entranhas, mera floração da vossa carne para gáudio maior
do vosso orgulho, ou da vossa vaidade, mas o fruto espiritual, nem sempre doce,
da sementeira que espalhastes e cultivastes, e desenvolvestes na própria
imantação das vossas paixões, nessa vastíssima e tenebrosa leiva do vosso
passado culposo.
Dizei-me,
enfim, mães, se nesses vasos de carne destinados á putrefação pela injúria dos
tempos, não sobrepondes o efêmero ao real, se não trocais a forma que deslumbra
os sentidos exteriores, pela genuína essência que sutiliza e toca nas intuições
da alma.
Dizei-me
se em vós já ultrapassam, ou pelo menos emulam, a prol dos vossos filhos, os
zelos do corpo e os cuidados do espirito.
Oh!
dizei-me que não, minhas irmãs...
Que
não, porque eu daqui vos vejo debruçadas, aflitas e lacrimosas, à borda dos
berços de vossos filhinhos enfermados do corpo, e vos contemplo repousadas,
alegres e até displicentes, à borda desse outro berço ideal em que se embala o
filho de Deus enfermo e a vós confiado, não para a vida transitória do corpo,
mas para a vida definitiva e eterna do espírito.
De
ver-se, assim, o vosso carinho, a vossa solicitude: - tendes na voz
sonoridades, ritmos de uma beleza estranha, arrulhos turturinos de ave
mal ferida; tendes no olhar eflúvios sublimados de cambiancias magnéticas,
indefiníveis, e tudo - noites e dias, minutos e horas, contais pelas pulsações
do coração, para que não faltem o remédio, o agasalho, a dieta salvadora.
Salvou-se,
enfim, o vosso filho... quero dizer: ele aí está formalmente íntegro para os
vossos sentidos exteriores, e só por isso vos felicitais, e até, como a Deus
não baste o vosso mudo reconhecimento, bom é que dele se inteire o mundo, por
uma eventual missa de graças, de preferência nos Templos em moda...
E
aí tendes o filho idolatrado... É vosso, e só por isso continua vivendo, ou
antes, morrendo ao vosso lado.
Morrendo,
sim, porque visivelmente enfermo e de enfermidade letal, cuja etiologia vos
passa geralmente despercebida pelas malhas grossas da vossa lisonjeira ilusão.
Já
não podereis, assim, vibrar daquelas mesmas angústias e cuidados, que há pouco
descrevi e vos divinizavam, quase! E não podeis, porque o mal de vosso filho é
ingênito, é profundo, é oculto, de regra; não explode em gemidos que vos
laceram a alma, mas em folgares e sorrisos argentinos, que têm por alimenta-lo
e estimula-lo o adubo, a baixo-preço, dos prejuízos e convenções que também
bafejaram e galvanizaram a minha e a vossa ancestral enfermidade - a
enfermidade que foi de nossos pais e será de nossos netos - a dubiedade da Fé, pela crença vagamente mítica,
quando não pela ignorância total dos nossos destinos.
Mas
nós, senhores, que já não podemos partilhar de tal ignorância, por que
continuamos a falhar lamentavelmente nos efeitos lógicos da nossa Fé,
proclamada racional?
Por
que não possuímos, para curar as enfermidades da alma, as mesmas energias que
aliciamos para curar as enfermidades do corpo?
Eu
vos direi, no entanto, por mais doloroso que me seja dize-lo: - é porque a
nossa Fé não corresponde o nosso amor. O amor, para nós, quando se não avilta
em paixão bestial dos sentidos corporais, é exercício de egoísmo que nos
lisonjeia os sentidos da alma. Amamos os "nossos", principalmente,
porque os julgamos "nossos" e, na verdade, com estulta incongruência,
porque, se fisicamente, deles nem uma só molécula nos pertence, espiritualmente
só quinhoamos deles, em sentimento, aquelas vibrações que pudermos despertar
para ritmar conosco.
Esse
ritmo é o que chamamos afinidade. Não é espontâneo, de certo, porque, de outro
modo, deixaria de ser meritório.
Lançadas
por Deus no turbilhão da vida consciencial, progressiva, as mônadas espirituais
tem de sincronizar-se para o ritmo universal.
Esse
esforço que se nos prefigura suave, por normal, nos planos superiores da
Criação, é quebrado nos planos inferiores, mercê do livre arbítrio, para
refazer-se depois, penosamente, em humanidades heterogêneas, qual a nossa, em
que a família, imaginário símbolo de Unidade, não passa ainda - ai de nós! - de
retorta ou incude de tremendas reações, verdadeiros laboratórios de novos
crimes, que afrontam e escandalizam a sociedade dos homens, mas que os homens
individualmente considerados continuam aptos a praticar, e efetivamente praticam, em todas as esferas sociais.
Os
escândalos de todos os matizes, que deflagram de inopino em títulos berrantes e
letras garrafais dos nossos periódicos, sem contar os que se escondem, mal
velados pela cortina transparente das conveniências sociais, numa hipocrisia
mascarada à zarcão, esses aí estão, para indicar os leprosários familiares,
porque é neles que incuba e se processa a gangrena espiritual, pela necrose
figurativa das fibras mais delicadas do coração.
É
aí que se embriaga a criança na displicência aleatória, quando não na inconsciência
sistemática, dos problemas mais sérios da vida de relação.
É
aí que ela, a criança, começa por ser mais "nosso" filho que filho de
Deus, e para escravizar-se, que não senhorear as suas paixões e pendores
inatos.
A
pretexto de tolerâncias criminosas, porque no fundo comodistas, a confundir
austeridade com maldade, disciplina com iniquidade, licenciosidade com
liberdade, ela, a criança, começa a confiar nada de si mesma, em tudo vendo e
sentindo, antes, a providência e previdência paternas, que não a Providência de
Deus.
Falar-lhe
de morte é crime, falar-lhe da vida real é fraqueza, é terrorismo, é
covardia...
E
por isso, no dia que a providência humana lhe falha; quando o mundo se lhe
apresenta com os seus imperativos inexoráveis de trabalho, de esforço, de
renúncias e sacrifícios pessoais, ela, a criança, que não soube medir esses
valores na providência incondicional e cega dos genitores, para estima-los nos
semelhantes; incapaz de abranger e praticar as leis de solidariedade humana, faz-se
tirano ou covarde, assassino ou ladrão.
E,
a caminho do patíbulo, entre grades da enxovia ou na enxerga do hospital -
irrisão da sorte! - quanta vez não deblatera e malsina, então,
a memória dos que a seu ver, por um fatalismo caprichoso, atiraram-na ao mundo!
Ah! se meu pai me advertisse, se minha mãe me castigasse, se eu houvera
sabido...
Maldita
a hora em que nasci!
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