terça-feira, 16 de abril de 2013

20. 'Ciência Religião Fanatismo'





20


Ciência   Religião   Fanatismo

por  MINIMUS  (A. Wantuil de Freitas)
Ed. FEB
c.1938

Palestra 4   b/c

RELIGIÃO E FANATISMO


            Quanto à pluralidade dos mundos habitados, cuja realidade os Evangelhos repetidamente nos deixam perceber e cuja doutrina vimos sustentando, as descobertas contínuas dos astrônomos e o adiantamento progressivo da ciência se encarregarão de documentar, e tanto esse dia se aproxima que aos nossos inimigos já lhes não convém discutir essa teoria, por eles anteriormente condenada como herege. Duvidamos que qualquer homem, que conheça um pouquinho de astronomia, assevere, atualmente, não ser possível a pluralidade dos mundos habitados. Logo a nossa teoria, apesar de ainda não poder ser provada com fatos positivos, está mais perto da verdade e mais de acordo com a Ciência do que aquela que nega essa possibilidade, que lhe chama herege e que a inibe examinada. E essa pluralidade, que não tarda a ser universalmente aceita, foi anunciada pelo Espiritismo, Religião-Ciência, que, aqui nesse ponto, como em tantos outros, se diferencia de todas as religiões antigas, por cogitar do Cosmos, ao passo que aquelas só se preocupam com a Terra, parte mínima da criação.

            Ensinamos que o Universo é o conjunto de milhões de astros que giram pelo Espaço; que a Terra é extremamente pequena diante do tamanho dos astros e planetas; que ela não se formou em seis dias, e, sim, durante milhões de anos; que os outros mundos devem ter vida e habitantes. Tudo isso é atualmente corroborado pela Ciência. E se a existência de seres vivos nos outros astros ainda não está demonstrada com fatos, já a aceitam por analogia, e não tardará que nos venha o apoio dos astrônomos, confirmando as conclusões do sábio Flammarion, do Observatório de Paris.

            Pregamos a evolução e anunciamos que ela se vem fazendo pelas Revelações periódicas e progressivas, de acordo com a capacidade assimiladora da humanidade: expurgam-se, assim, as impurezas adicionadas às Revelações anteriores pelos sacerdotes, e apresentam-se os ensinamentos que só podem ser conhecidos à medida que os homens os suportem e compreendam.

            O Código de Moisés, que sucedeu ao de Abraão, era bem mais adiantado, contudo consagrava, ainda, talvez por necessário, "o dente por dente e olho por olho", e ordenava passar a fio de espada as mulheres e as crianças dos povos vencidos. E por isso, quando também não mais satisfazia ao povo e não correspondia às necessidades espirituais da época, foi substituído pelo Cristianismo; e, hoje, é o Cristo, cujos sublimes ensinamentos tanto corromperam, quem nos envia o Espiritismo, não só para retirar os enxertos adulteradores das suas lições, como para completá-las, cumprindo, desse modo, a sua divina palavra de nos mandar o Consolador, que não apenas lhe continuaria a obra, senão que lhe daria cumprimento.

            Todas as Revelações foram anatematizadas e combatidas pelos sacerdotes, que se arrogavam representantes do Enviado anterior. De dois em .dois mil anos, vimos assistindo à luta dos que, não desejando cair, lançam mão de todos os meios e processos para não serem derrubados do altar de ouro que construíram a troco do empanamento das religiões, de que eles se intitulam intérpretes, com poderes absolutos sobre as almas e até sobre os corpos das criaturas. Foi uma nova Revelação que ocasionou a morte de Jesus-Cristo, foram os sacerdotes do Judaísmo que a pediram, classificando-o como louco e prejudicial à felicidade dos povos.

            Essa mesma causa - a loucura - que Paulo diz ser assim qualificada por não poderem os homens julgar e entender os ensinamentos do Espírito de Deus, é apresentada pelos nossos antagonistas aos legisladores de hoje, a quem constantemente incensam, afim de que estes engendrem leis repressoras contra os novos discípulos do Mestre, leis semelhantes, ou quase idênticas, às que foram usadas para perseguir o Messias e os seus discípulos. Ensinam absurdos e querem que a humanidade abdique a razão para aceitá-los; argumentam com a fé,
com essa fé viciosa dos apegados à letra, fé que crucificou o Mestre; com essa mesma fé fanática que exterminou vidas na Inquisição, com essa fé clerical que abençoa crimes para maior glória de Deus!

            Que vale a fé gerada pelo fanatismo, fé que não se acompanha senão de crimes, fé que detença as concepções científicas dos Galileus, fé que só é anunciada com palavras! - É ela, entretanto, o único ponto de apoio que ainda lhes resta para arregimentar fanáticos contra os novos Cristãos, que vêm protestar contra a adulteração da doutrina do Mestre e expor às multidões os vendilhões que as exploram.

            Como Paulo, que se anunciava enviado do Cristo para evangelizar e não para batizar, também não viemos para vender pitadas de saliva e sal, mas para separar a parte divina das religiões da que lhes foi introduzida pelos homens, e, como Pedro não consentiu que Cornélio se lhe ajoelhasse diante, por se não julgar representante de Deus, protestamos, principalmente, contra as religiões, cujos chefes apresentam os pés a ser beijados, de joelhos, pelos irmãos que deles se aproximam.

            O Espiritismo não vem alterar o Cristianismo, porém defender, explicar, ampliar e confirmá-lo com fatos, pregando-o pelo exemplo e na sua simplicidade divina: Amor a Deus e ao próximo. Sendo essa Nova-Revelação o complemento prometido pelo Cristo, não nasceu em certa e determinada parte do globo, senão, ao mesmo tempo, em todo o Planeta, e isso porque: os Enviados de Jesus vieram e vêm aos milhares, sem se preocuparem com as raças e com as religiões da Terra. A Terceira Revelação veio para ser o ponto de ligação entre milhares de religiões do planeta, todas elas com a sua parte divina, que não será alterada, abolindo-se lhes, porém, a enxertada no correr dos anos, tal qual procedeu o Cristo, quando, em pessoa, surgiu para confirmar o Decálogo e condenar as extravagâncias e as incoerências concebidas pelos sacerdotes que se mercantilizaram.

            No primeiro período, o abrâmico, seria herege quem não aceitasse a poligamia; no mosaico, seria castigado quem protestasse contra o sacrifício dos filhos dos vencidos; e, no período atual, em que pretendemos combater os excessos e as interpretações anticristãs dos que autoritariamente se julgam representantes de Deus, é natural que sejamos apresentados, aos olhos do povo, como hereges, loucos e endemoniados.

            Consolam-nos, todavia, as lições da História. Todos os encarregados de anunciar as novas Revelações foram perseguidos e taxados de loucos, por lutarem contra os poderosos sacerdotes; mas estes, apesar de sempre parecerem invencíveis nas suas seculares fortalezas, caíram e foram substituídos por novos elementos, cheios desse entusiasmo dos que se compenetram de que a criatura vem à Terra para executar missão superior à que geralmente se observa entre os homens.

            Para surgir a Verdade Cristã foi necessário que Jesus morresse. Sua reforma só foi aceita trezentos anos depois. Pouco nos importa, portanto, a vida, pouco nos preocupam as lutas e as perseguições, se palmilhamos a estrada indicada pelo Cristo, se sabemos que a vitória sorrirá para a causa que defendemos.

            Viemos encarregados de pregar a comiseração, o sacrifício e o amor, viemos para combater os erros, exalçar o Cristianismo e explicá-lo à luz da verdade e da razão. Soldados do Cristo, não tememos o demônio, esse ser imaginário que amedronta os povos incultos dos sertões, como aterrorizava os das cidades há três ou quatro séculos.

            Não nos intimida esse indivíduo de rabo e chifres, que proclamam ficar senhor da quase totalidade dos homens no dia do Juízo Final, tomando ao Onipotente todas as suas criaturas e tornando-se, dessa maneira, maior que o próprio Deus, já por possuir o poder e a inteligência superiores, que lhe emprestam, já por vencer o Supremo, roubando-lhe os próprios filhos.

            Não cremos nesse maquiavélico satã que lhes ocasiona rendas pecuniárias, e dele seriamos os maiores adversários se realmente existisse. São demônios, para nós, todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que aconselham e praticam a maldade. São demônios de que não fugimos, antes os procuramos para transformá-los em cristãos. Esses "demônios", esses infelizes ainda sem luz, esquivam-se de nossas reuniões por não encontrarem nelas o ambiente que lhes é agradável. E a sua nenhuma interferência nos meios espíritas é facilmente observada, quer pela Doutrina Evangélica que pregamos e exemplificamos, quer pela criação de asilos e hospitais; quer ainda pela bandeira que desfraldamos: - Fora da caridade não há salvação.

            O diabo teve a sua época e sua razão de ser. Para povos bárbaros eram necessárias as leis draconianas de Moisés, para semibárbaros um demônio astuto e poderoso. Mas, hoje, nos dias da Terceira Revelação, a Doutrina fala diretamente ao Espírito, conduzindo-o pelo amor, sem recorrer a ameaças mitológicas. Aliás, a educação dos povos e as leis de cada país divergem de acordo com o grau intelectual dos seus habitantes. Não seriam boas as leis liberais das Terras Brasileiras aplicadas a algum povo inculto da África. Cada povo e cada época necessita de leis especiais, todas elas, porém, girando em torno do mesmo princípio - o bem da coletividade.

            Não seria possível que os ensinamentos que hoje nos são dados fossem apresentados em época anterior. Era indispensável a evolução da humanidade; era precisa a sua preparação, como bem disse o Nazareno, para que o fruto germinasse com exuberância. Não seria admissível essa antecipação de ensinamentos, como não seria compreensível ensinar-se a operação de multiplicar sem que o aluno já soubesse somar.

            Se espalham que o ateísmo é obra do demônio, como nos chamam emissários do diabo, se nós asseguramos a existência de Deus?!

            Como seria isso conciliável, se pregamos a mesma Doutrina de N. S. Jesus Cristo e nem mesmo admitimos a realidade da entidade demoníaca?! Não, senhores! o diabo não existe e os assim denominados são bem melhores que essa gente que tenta diminuir o Senhor, enxovalhando e denegrindo a Doutrina do Messias.

            Se satanás fosse um ser e não simples sinônimo de maldade ou de fraqueza na observância às leis de Deus, Jesus não teria chamado a Pedro satanás, quando o apóstolo quis evitar que o Mestre sofresse nas mãos dos príncipes dos sacerdotes. Satanás é, pois, aquela maldade que entrou, em Judas e que o fez trair e vender o Cristo.

            Parece-nos que nada mais necessitamos a acrescentar para demonstrar que satanás é um mito. Passemos agora ao seu palácio, ao império em que eles o dizem reinante.

*

            O fantasmagórico inferno, local onde insinuam residir o poderoso e inteligente satanás e toda a sua intensa e fabulosa corte, não mais existe para qualquer homem, cuja cultura intelectual esteja um pouco acima da mediana.

            Entre os adeptos do Catolicismo, raramente se encontra algum que acredite nesta fábula do Reino do Mal. Destituir-lhe com provas a existência se nos tornaria, pois, supérfluo, se não foram os nossos irmãos protestantes, em cuja Doutrina, em que pese à cultura de alguns dos seus crentes, há essa tristíssima afirmativa.

            Antes de iniciarmos a demonstração, desejamos agradecer aos nossos companheiros de
provação, os protestantes, os benefícios que trouxeram à Humanidade, combatendo os crimes e os absurdos praticados pelo clero dos séculos que se foram, não lhes aceitando as inovações vergonhosas, antes até espalhando os Evangelhos, com que diminuíram aquele poder absoluto do Czar de Roma sobre todas as nações. Rendendo-lhes as nossas homenagens, lamentamos que tivessem ficado com as interpretações clericais, anteriores ao século em que se separaram de Roma.

            Nos seus "Pensamentos Filosóficos", livro que relemos sempre com admiração, Diderot escreveu: - “O teólogo diz ao homem perdido, à noite, num bosque imenso: - Amigo, apaga a tua luz para encontrares, mais facilmente, o teu caminho". Assim era na época do grande pensador, assim é nos dias que correm. Os teólogos apelam sempre para essa fé que só tem produzido ateus; para essa fé que animaliza o homem, retirando-lhes o raciocínio que o extrema dos demais seres vivos; para essa fé que Büchner dizia baseada em hipocrisias; para essa fé que condenou Sócrates por afirmar que o Sol não era um Deus; para essa fé que ensina serem necessárias cem mil condenações para que um se salve. E o resultado desse frágil argumento é o lastimável estado em que se encontra a população terráquea.

            A palavra inferno, que significa situado em baixo, nasceu de crenças que supunham a sua localização em baixo da superfície terrestre, em época em que se ignorava a esfericidade do planeta. Apesar de assim ensinarem, aquelas crenças não apresentavam o reino de Plutão como eterna residência dos maus, porquanto, já em hebraico, inferno quer dizer duradouro.

            Ultimamente os protestantes já admitem que se possa entender por inferno mais um estado do que um lugar. Rejubilemo-nos com essa evolução que se vai verificando nos meios protestantes, visto como é isso exatamente que apregoamos, apenas afirmamos nós que esse estado é transitório, finalizando-se com o pagamento do último centil.

            “O Senhor conduz aos infernos e de lá tira: fere e salva. De tarde haverá pranto; de manhã, alegria. Tiraste a minha alma do inferno inferior. Quem amaldiçoa o diabo amaldiçoa a si próprio." - Estas e centenas de passagens do Velho Testamento, que seria fastidioso citar e mesmo impossível diante do tempo de que dispomos, provam-nos a não eternidade das penas sobre a criatura que erra, mas apenas a existência da expiação para os que ainda se não resolveram a seguir a Lei, expiação essa confirmada em vários versículos dos Evangelhos, onde se chega a encontrar Jesus descendo aos infernos, para de lá retirar as almas dos Justos.

            As melhores descrições do inferno, de que se servem os oradores sacros, são tiradas das poesias de Homero e de Virgílio; mas, ainda aí, ele se nos depara sem essa eternidade irreligiosa, que os teólogos teimam em afirmar.

            Se o inferno existisse, certamente os grandes criminosos, como Lampião, seriam lá promovidos a generais e gozariam das boas graças de satã, enquanto a nós outros ser-nos-iam reservadas as maiores torturas, por termos espalhado o amor ao próximo e o respeito aos Evangelhos.

            Para o inferno pretendem enviar todos os desgraçados que se suicidarem, sem a menor esperança de estágio no purgatório e sem direito às preces pagas ou espontâneas dos que aqui ficaram, entretanto nós, exatamente porque reconhecemos o grande erro dos que se matam, recomendamos que sejam confortados no transe angustioso em que se debatem.

            Em vista, porém, da obstinação com que os teólogos não querem abandonar o inferno, deixemo-los com as suas novelescas teorias e passemos para o paraíso, para as várias moradas do Pai, céus onde habitam todos os verdadeiros cristãos, e não somente os seres privilegiados deste ou daquele credo. O nosso céu nada tem de comum com o paraíso de ociosidade que vem sendo prometido a troco da fé passiva ou das missas pagas.



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