Vidas Passadas
“...Iniciara-se a troca de impressões entre todos. Alguns expunham a intenção de trabalhar devotadamente, até à vitória.
- O que mais me impressiona - proclamava um companheiro - é o fantasma do esquecimento que nos obscurece o espírito, lá na Terra. Antes da experiência, arquitetamos mil projetos de esforço, dedicação, perseverança; somos nababos de preciosas intenções, mas, chegado o momento de as executar, revelamos as mesmas fraquezas ou incidimos nas mesmas faltas que nos compeliram aos desfiladeiros do crime e das reparações acerbas.
- Mas, onde estaria o mérito - explicava o amigo a quem eram dirigidas aquelas observações - se o Criador não nos felicitasse com esse olvido temporário? Quem poderia aguardar o êxito desejável, defrontando velhos inimigos, sem o bálsamo dessa bênção celestial sobre a chaga da lembrança? Sem a paz do esquecimento transitório, talvez a Terra deixasse de ser escola abençoada para ser ninho abominável de ódios perpétuos.
- Entretanto - objetava o interlocutor - semelhante situação me atemoriza. Sinto enorme angústia só em pensar que perderei novamente a memória, que ficarei quase inconsciente de meu patrimônio espiritual, ao palmilhar as estradas terrestres, qual enterrado vivo a quem fosse subtraída a faculdade de respirar.
- Mas, como apreenderias a humildade com as reminiscências ativas do orgulho? Poderias, acaso, beijar um filho, sentindo nele a presença de um inimigo figadal? Conseguirias, de pronto, a força precisa para santificar, pelos elos conjugais, a mulher que manchaste noutros tempos, induzindo-a ao meretrício e às aventuras infames? Não percebes, no olvido terreno uma das mais poderosas manifestações da bondade divina para com as criaturas criminosas e transviadas? Concordo em que a experiência humana para quem observou, mesmo de longe, como aconteceu a nós outros, as resplandecências da vida espiritual, significa, de fato, a reparação laboriosa no seio de um sepulcro; mas nós, meu caro Menandro, estamos desde há muito mumificados no crime. Nossa consciência necessita do toque das expiações redentoras. A morte mais terrível é a da queda, mas a Terra nos oferece a medicação justa, proporcionando-nos a santa possibilidade de nos reerguermos. Renasceremos em suas formas perecíveis e, em cada dia da experiência humana, morreremos um pouco, até que tenhamos eliminado, com o auxílio da poeira do mundo, os monstros infernais que habitam em nós mesmos...”
Emmanuel por Chico Xavier em “Renúncia” (pág. 12 da 22ª Ed. FEB)
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