-VI-
‘Movimentos Libertários’
por Alberto de Souza Rocha
Reformador (FEB) Maio 1988
Estávamos no século XVIII quando a Inglaterra, por motivos de ordem econômica, se insurgiu contra a escravidão nas colônias da América. E viria a exercer pressões, segundo se sabe, nas demais colônias, de modo a que se ampliasse o seu comércio. Decisões de um congresso contra o tráfico escravagista, ocorrido em Viena, repercutiam a essa altura em todo o mundo. No Brasil-Colônia os movimentos nativistas traziam no bojo a idéia de um povo realmente livre, de livres irmãos. Assim foi o movimento inconfidente de Minas Gerais, que culminou com a morte do herói da Nacionalidade, o Alferes Tiradentes. Fora de nossas fronteiras, com a revolta de 1848, a França delibera a extinção do cativeiro em seus territórios. Em 1861 foi a vez da Rússia czarista, com Alexandre II. De 1861 a 1865 o solo norte-americano foi sacudido coma Guerra de Secessão, que terminou pela vitória da liberdade. De nossa parte, liberto o nosso País do jugo português em 1822, o patriarca José Bonifácio de Andrade e Silva, que voltaria ao corpo físico com a personalidade de Rui Barbosa, foi então dos primeiros a tratar da escravatura com vistas a uma abolição gradual. Considerava o Ministro que o trabalho escravo era essencialmente antieconômico. Esses mesmos argumentos inspiraram a Regência, durante a Minoridade do Augusto Imperador. Dessa forma, em 7-11-1831, a Lei determinava que todos os negros que a partir de então viessem ao império eram declarados livres no País. Mesmo assim, o tráfico, já agora ilegal, prosseguiria. D. Pedro II bem desejaria antecipar-se ao movimento abolicionista.
Mas considerava, por outro lado, a fragilidade das instituições. Guerra civil americana levava-nos ao temor de consequências desastrosas, sobretudo por havermos passado pelas lutas da Cisplatina e do Paraguai, enfraquecendo a economia da Nação. Veio então a Lei Eusébio de Queirós, de 4-9-1850, proibindo energicamente o tráfico negreiro. Embora, com isso, começasse o Sul a comprar escravos no Norte/Nordeste para as lavouras de café.
Em 1866, os escravos que lutaram na Guerra do Paraguai foram declarados livres.
Intensificava-se a campanha por volta de 1869 e nesse ano uma nova lei, muito pouco citada mas profundamente humana, proibia a venda de escravos em leilões públicos e a separação da família. Não entendemos por que esse registro é tão pálido. É ainda por essa época que Adolfo Bezerra de Menezes publica um estudo intitulado “A Escravidão no Brasil e as medidas que convém tomar para extingui-la sem dano para a nação” (ver Zeus Wantuil, “Grandes Espíritas do Brasil”, ed. FEB). Preocupava-se o grande homem público com os acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos da América. Em 1870, Pimenta Bueno, Presidente do Conselho de Ministros, volta a falar da abolição. Mas só em 28-9-71 o Ministro José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, consegue aprovar a chamada Lei do Ventre Livre. Estava sendo praticada um força gradual de libertação. Em 1879 volta o assunto à baila. Falam sobre ela Jerônimo Sodré e Joaquim Nabuco. Eis que então começa a surgir em todo o País o movimento popular que ganharia as ruas e os palácios. Fundam-se clube abolicionistas, com o apoio franco e decisivo da imprensa, clubes esses que viriam a ser, logo a seguir, também republicanos.
Sim! O século XIX, século que viu Kardec, haveria de caracterizar-se por novas luzes em todo o mundo, nas áreas das Ciências, da Economia, da Indústria e da Filosofia, antecipando-se às conquistas do século atual. Assim, diz Emmanuel em “”A Caminho da Luz”, por intermédio de F. C. Xavier (página 203).
“cumprindo as determinações do Divino Mestre, seus mensageiros do plano invisível laboram juntos aos gabinetes administrativos, de modo a facilitar a vitória da liberdade.”
São citadas no Rio, a antiga Capital Federal, André Rebouças, Gusmão Lobo, Joaquim Serra, João Clapp Ferreira de Menezes, Rui Barbosa e muitos outros, mas, destacando-se o Tigre da Abolição, José Carlos do Patrocínio. Em São Paulo, o brilho do movimento ficou por conta de Luís Gama, de Antônio Bento, do poeta baiano Castro Alves, uma das mais altas expressões para poesia condoreira. Não só nas grandes cidades o movimento ganhou expressão. No Ceará, um humilde canoeiro negou-se a transportar escravos em sua embarcação. Esse gesto repercutiu como um grito e em breve a Província do Ceará, depois a do Amazonas extinguiam a escravidão em seus territórios. O mesmo ato glorificou alguns municípios gaúchos. Saía então a Lei dos sexagenários, em 28-9-85, projeto do Ministério Dantas, mas só efetivado na gestão do Conselheiro Sraiva. Apartir de 1887 o Exército imperial negava-se a capturar escravos fugidos. Chegaria ao auge o movimento quando, no Ministério João Alfredo, o Parlamento é, também ele, sacudido pelo movimento popular. Dessa forma, a 13 de maio de 1888 é promulgada a Lei Áurea. Estava em Portugal o Imperador D. Pedro II, em tratamento de saúde, e a Princesa Imperial Regente a sancionava com uma pena de ouro adquirida por subscrição popular. Sabe-se que Sua Alteza Imperial tinha plena consciência de seu ato. “- Vossa Alteza – ter-lhe-ia dito Cotegipe – ganhou a questão, mas perdeu a coroa.” Referia-se à implantação da República, que se daria no ano seguinte. E essa sua plena consciência e, portanto, essa renúncia engrandecem extraordinariamente o gesto magnânimo que faz elevar o seu nome e a sua memória no reconhecimento do povo e não bênção de Deus.
Nesse dia – descreve-nos o mesmo Espírito-repórter Humberto de Campos em “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”-
“ao Rio de Janeiro afluem multidões de seres invisíveis, que se associam às grandes solenidades da Abolição. Junto do espírito magnânimo da Princesa, permanece Ismael com a bênção da sua generosa e tocante alegria. Foi por isso que Patrocínio, intuitivamente, no arrebatamento do seu júbilo, se arrastou de joelhos até aos pés da princesa piedosa e cristã (...) O marco divino da liberdade dos cativos erguia-se na estrada da civilização brasileira, sem a maré incendiária da metralha e do sangue (...) Jesus, com a sua misericórdia infinita, lhes outorgava a carta de alforria, incorporando-se, para sempre, ao organismo social da pátria generosa dos seus sublimes ensinamentos”.
O Escravo
por Ciro Costa
Do taquaral à sombra, em solitária furna,
(para onde, com tristeza, o olhar curioso alongo),
sonha o negro, talvez, na escuridão noturna,
com os límpidos areais das solidões do Congo.
Ouve-lhe a noite a voz tristíssima e soturna,
num profundo suspiro, entrecortado e longo.
é o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,
é o urucungo a gemer na cadência do jongo.
Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos,
a grandeza real de tudo quanto temos!
sonha em paz Sê feliz! E que eu fique de joelhos.
Sob o fúlgio céu a relembrar magoado.
que os frutos do café são glóbulos vermelhos,
do sangue que escorreu do negro escravizado.
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