Pesquisar este blog

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O Protestantismo e o Espiritismo - Parte 1



“O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira   
1941




0 “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941


            P R E F A C I O

... À Lei e ao Testemunho, 
que se Eles não falarem segundo esta palavra,
não haverá manhã para eles. (Isaías - VIII, 19 - 20) (1).[1]


            (1) Se as comunicações obtidas de além túmulo não estiverem de acordo com as verdades ensinadas pelos Espíritos do Senhor, pela boca dos seus profetas, devem ser rejeitadas como falsas e mentirosas, e os Espíritos dos mortos que as ditarem serão responsáveis pelas consequências.

            Quando peguei na pena para dar resposta a uma carta, pensava poder acomodar em três ou quatro páginas de papel algumas palavras a fim de responder aos quesitos formulados pelo Rev. Pastor da Igreja da Liberdade, na Capital. Entretanto, como o assunto era vasto, foi preciso estender-me em considerações, atendendo à inspiração que surgia abundante em meu pensamento. A cada quesito que ia responder, eu não podia apanhar rapidamente e escrever com agilidade tudo quanto ia recebendo intuitivamente, e assim, sem ser taquígrafo, escrevi nas horas vagas este folheto, resumindo tanto quanto me permitiu o esforço que fiz para isso.
            É provável que nele se encontrem alguns erros gramaticais, pois escrevendo apenas algumas horas por dia, gastei uma semana na produção deste livrinho. O leitor inteligente irá corrigindo, à medida que forem aparecendo esses erros, próprios do homem. Errare humanum est.
            Eu disse erros gramaticais, porém, jamais erros doutrinais.
            Os acérrimos adversários da doutrina nele defendida, dirão que tudo está errado! Eu já espero pela guerra e pelas maldições que trovejarão sobre mim, mas estou certo de que a semente não cairá somente em terreno estéril...
            Quem sabe se este livrinho será o som de uma das trombetas que anunciam por toda a parte do mundo o juízo final que o Messias prenunciou no sermão profético?
            Os tempos são chegados e nós estamos presenciando os sinais previstos há vinte séculos, pelo profeta de Nazaré da Galileia. Estamos no princípio das dores (1).

            (1) S. Mateus, XXIV. 8-9.

            Não sou o primeiro que escreve, combatendo as teorias dos inimigos da doutrina. As questões aqui discutidas, já de longa data se vêm discutindo em linguagem diferente e de maneiras diversas, por pessoas preparadíssimas, cujos conhecimentos não posso comparar aos meus.
            No decurso dos argumentos não fui procurar testemunho de escritores profanos; não fiz citação de obra alguma a não ser da Bíblia; recorri unicamente à lei e ao testemunho; não sai fora da Escritura sagrada para contrastar as ideias do folheto "O Evangelho e o Espiritismo", que o seu autor supôs um golpe mortal na doutrina espírita.
            De fato, a doutrina espírita é mais vasta que o oceano: abrange o espaço infinito, o tempo e a eternidade; há nela muito o que estudar! O que eu escrevi neste opúsculo não representa senão a gota de orvalho caindo de uma folha de árvore que se balouça ao sopro da viração, sopro que move milhares de árvores no meio de imensa floresta; e a queda de cada gota de orvalho é medida e notada pela providência divina. - É uma pedrinha como as tantas que milhares de braços levam para construção do grande edifício da verdade, que tem como pedra fundamental - o Cristo, infelizmente tão pouco conhecido pelas seitas religiosas!..

            Em virtude do livre arbítrio, que o Criador outorga indistintamente a todos, o Rev. Pastor escreveu o seu folheto.
            Ninguém o censurará por isso; é um direito que lhe assiste o escrever e falar o que quiser; para isso, temos a garantia das nossas leis que estabelecem a liberdade de pensamento pela tribuna e pela imprensa; mas, também ninguém está isento de contestações. Relevar-me-á ele o fato de discordar da sua opinião. O senhor Ernesto de Oliveira, que foi em outros tempos meu íntimo amigo, também não me quererá mal pelo fato de comentar neste opúsculo as notícias publicadas pelo seu jornal de Curitiba, citadas pelo Sr. Antônio Ernesto da Silva.
            Um e outro concorreram para a divulgação da doutrina espírita, de maneira que, sem o quererem, auxiliaram a sua propagação. Se este opúsculo lograr resposta dos senhores protestantes, haverá ainda mais estímulo ao desejo de estudar a questão. Protestantes e indiferentes terão oportunidade de acordar dessa sonolência e verificar de que lado está a verdade ...  Dentre os milhares que lerem, muitos aceitarão o Deus espírita que salva a todos, e rejeitarão o deus vingativo que põe no tanque de fogo a maioria da humanidade!
            Todos trabalham para a divulgação do Espiritismo. Os seus amigos e os seus adversários. Estes falam e escrevem combatendo-o, aqueles falam e escrevem explicando-o e interpretando a Bíblia em harmonia com a ciência e a religião. De sorte que o povo que os lê e ouve e se interessa pela causa, tira algum proveito. O Espiritismo sai ganhando e os seus inimigos se tornam amigos e defensores. Do meio de todos eles, saem muitos Saulos de Tarso e dessa forma vai-se apressando o fim dos tempos.
            Há ainda muita luta a vencer, pois grande parte da humanidade não se preocupa com assuntos religiosos. Cada qual trabalha por adquirir posição social e elevar-se acima dos seus pares; a ambição de domínio e riquezas materiais faz a maioria da humanidade esquecer-se de que tem uma alma, que terá de partir daqui e nada levará para o outro lado do véu.
            Incrédulos, ateus, materialistas e indiferentes, não se preocupam de crenças religiosas: acham que é uma importunação embaraçante ao desenvolvimento dos seus negócios, prejudicial aos seus interesses. Deixam à margem as questões religiosas (1). Pouco importa: Diremos, também nós, com o Mestre: "Deixa aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos" (2). E sigamos o Mestre, procurando fora das seitas religiosas, apaixonadas, compreender os seus ensinos em espírito e em verdade, para não ficarmos sepultados com aqueles mortos que andaram a sepultar os seus mortos, de que nos fala o Evangelho.

Mombuca, Outubro de 1922.
Benedito A. da Fonseca

            (1) Scio opera tua: quia neque frigidus es, neque calidus: utinan frigidus esses, aut calidus! sed quia tepidus es, et nec frigidus, nec calidus, incipiam te evomere ex ore meo , (Apocalipse - II:15-16).

            (2) S. Lucas, IX: 60.   S. Mateus VIII: 21-22.



1   “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941


Introdução à Primeira Parte

Igne Natura renovatur integra.

A MISSÃO DO ESPIRITISMO

            É pelo Evangelho que cumpre anunciar o Espiritismo. A igreja espírita há de ser a igreja cristã em sua simplicidade primitiva, em sua pureza, em sua verdade tal como a estabeleceu Jesus e entenderam os apóstolos.
            Paulo, o doutor das gentes, discorrendo sobre a personalidade do Mestre, disse: "- Não podemos por outro fundamento além daquele que já está posto, a saber: Jesus Cristo".
            No entanto, continua o converso de Damasco, conquanto seja um só o fundamento, muitas são as edificações levantadas sobre o mesmo: uns constroem obras de prata, outros de ouro, outros de pedras preciosas, outros de madeira, de ferro e até de palha. Tais obras, conclui ele, hão de ser provadas no fogo; aí, umas permanecerão, outras serão desfeitas.
            Estas judiciosas considerações do iluminado apóstolo referem-se claramente às várias igrejas, que, através dos tempos surgiram no cenário terreno sob a égide do Cristianismo. Todas seriam erguidas sobre os mesmos alicerces, sobre as mesmas bases, porém, a despeito mesmo disso, nem todas permaneceriam, pois no tempo da prova, na hora de serem submetidas ao fogo das paixões, as obras de madeira, feno e palha fatalmente pereceriam.
            A época da prova chegou: são estes dias calamitosos que ora atravessamos.
            Ao Espiritismo cabe a gloriosa tarefa de restaurar o Cristianismo levantando uma obra imperecível. Cumpre que uma edificação sólida, inabalável, seja construída sobre o fundamento santo, sobre aquela base imutável que há XX séculos foi lançada como sendo a rocha inamovível, como o traço de união entre o Céu e a Terra, entre Deus e a humanidade.
            A derrocada dos credos dogmáticos, dessas construções de palha e feno, acha-se patente para os que têm olhos de ver. A sociedade atual se debate num verdadeiro caos. A fé convencional, as religiões dos rituais e cerimonias mostram-se impotentes para conter a onda invasora das paixões desenfreadas. Não resistiram à prova do fogo predita por Paulo. Um egoísmo feroz, brutal, nunca visto, campeia infrene, verificando-se com a máxima clareza o cumprimento da profecia de Daniel: "A abominação que causa desolação atingindo as coisas santas."
            É tempo, portanto, de pensarmos seriamente no desempenho do mister que o céu nos quer confiar: construirmos sobre os escombros dos templos desfeitos pelo fogo da prova, o templo vivo da fé, dessa fé que consola, regenera, purifica e salva.
            Erguermos, cooperando cada um com seu contingente, por mais modesto que seja, a igreja rediviva de Jesus Cristo, a igreja sem dogmas, sem liturgia, sem casta sacerdotal; essa igreja que se levanta no interior do homem, que tem seu altar nos corações, que exerce influência incoercível nos hábitos, nos costumes, reformando e consolidando os caracteres; essa igreja poderosa, forte, contra cujo poder não prevalecerão as portas do Hades; essa igreja que é luz, que é virtude, que é paz, que é bênção e consolação porque é o reino de Deus dominando nossos espíritos.

 Vinícius
Do "Clarim"

2 “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941

Meu bom Primo,

Saúde.

            Recebi tua carta acompanhada de um folheto escrito pelo Sr. Antônio Ernesto da Silva, intitulado "O Evangelho e o Espiritismo".
            Em virtude da amizade que mantemos há algumas dezenas de anos, pedes-me que o leia com atenção, acrescentando que o folheto é um aviso para me pôr ao abrigo dos erros e perigos do Espiritismo.
            Em tua carta fazes-me recordar os estudos das sagradas letras, que juntos fazíamos noutros tempos, quando ainda principiantes ou neófitos da religião cristã. Dizes que o folheto do Pastor da Igreja da Liberdade é uma obra que desmascara o Espiritismo, mostrando a incompatibilidade existente entre o Evangelho e a religião de Allan Kardec.
            Fico muito agradecido pelos fraternais conselhos que me deste em tua carta; sei que eles foram ditados pela estima e amizade que me dedicas e sempre me dedicaste.
            Li o folheto e achei-o muito bom. Deus faz tudo muito bem feito, pois se não mo tivesses mandado eu não teria incentivo para escrever alguma coisa que servisse para despertar a atenção e boa vontade de muitos estudiosos, para conhecimento da verdade.
            Peço-te pois, meu caro primo, me desculpes se porventura esta resposta for contrariar-te, pois, pelo que vejo, és muito amigo do Rev. ministro, autor do aludido folheto. Admiro-me entretanto, de ver um senhor que se diz ministro da Palavra de Deus usar de uma linguagem dura contra pessoas filiadas a outros credos religiosos, visto a caridade tão proclamada por Jesus e tão bem apregoada e explicada por Paulo aos Coríntios (I cap. XIII, 4-7) ser contrária aos insultos que ele assacou contra os prosélitos da doutrina espírita.
            Disse ele que os crentes do Evangelho de Allan Kardec são vítimas de torpes explorações por parte dos mais ladinos e logo depois, disse que existem comunicações de Satanás, que iludem tanto aos ladinos exploradores, como também aos imbecis, vítimas da exploração... E por aí adiante, seguem-se as contradições do bom-senso do Rev. Pastor.
            O espírito santo que guiou o escritor do folheto, o arrastou a um caminho errado, visto que, desde o começo dos seus argumentos, já o enfronhou em confusão.
            Não pretendo ofender ao digno pastor, porque todos nós temos direito ao respeito dos nossos semelhantes, aos quais também temos o dever de respeitar; mas ele que tenha paciência e lembre-se de que o protestantismo ressente-se das acusações que lhe faz o catolicismo, de seguir a religião do evangelho de Lutero.
            Que juízo se poderia fazer do Espiritismo se julgasse o Protestantismo sem conhece-lo?!
            Como pode o Protestantismo julgar o Espiritismo sem ter estudado as suas obras fundamentais!?
            Os protestantes, pelo motivo de desconhecerem os planos de salvação que Jesus trouxe a Terra, supõem que alguém pode perder a alma. Do ponto de vista da unidade da vida e de ser somente a Terra o planeta habitado, eles não podem mesmo, e nunca poderão compreender as verdades contidas na Bíblia, sob o véu da alegoria, e supõem haja alguém suscetível de perder eterna ou perpetuamente a alma..!


3  “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941

CAPITULO II

Torpes explorações por parte dos mais ladinos....


            Não é verdade.
            Camilo Flammarion, Wiliam Crookes, Karl Du Prel, A. Aksacoff, Léon Denis, Gabriel Delanne, Wan der Naillen, Elias Sauvage, Dr. Gyel (Geley), Alfred Erny, De Rochas, Louis de Figuier, R. D. Owen, Epes Sargent, Stainton Moses, Arthur Conan Doyle, Paul Gibier, Zõllner, Windt, Weber Fechner, Henry Durvílle e muitos outros que seria fastidioso enumerar, sem falar dos ilustres brasileiros, médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, professores, farmacêuticos, homens sábios que estudaram e publicaram livros dando conta do resultado dos seus estudos e investigações, convictos da procedência divina do Espiritismo; não são torpes exploradores, nem explorados. Os que se dedicam à propaganda das verdades espiritas não exploram ninguém. Os lucros que colhem são a perseguição, a calúnia; a maledicência, por parte dos seus gratuitos inimigos, e despesas sem resultado material. Eles não recebem ordenados, não têm igrejas com gazofilácios onde deitem moedas com que se locupletam os que soem explorar o próximo! 
............................

            O Rev. Pastor começa as suas citações da Escritura chamando atenção para o Capítulo XVIII do Deuteronomio, 10-12, e já de ânimo prevenido, não transcreveu os versículos integralmente.
            Vamos copiar os mesmos versículos:
            "Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador de encantamentos, nem quem pergunte a um espírito adivinhante, nem mágico, nem quem pergunte aos mortos: Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor, e por estas abominações o Senhor teu Deus as lançará fora de diante dele." Deut. XVIII, 10-12 confirmado em Êxodo XXII, 18; Levítico XIX, 31 e XX, 27.
            Essas proibições do Velho Testamento tem aplicação à repressão dos feiticeiros e quantos praticam a baixa magia (magia negra), que se compõe de charlatães ignorantes ou de exploradores sem escrúpulos, em cujas reuniões tratam de indagar o número premiado de loteria; de tesouros escondidos; de jogo do bicho, muito procurado pelos viciados; da descoberta de particularidades da vida alheia para comentários escandalosos.
            Homens doutos já têm explicado em jornais e em livros publicados, os motivos das severas proibições de Moisés. Com a devida vênia transcrevo abaixo o artigo do ilustrado escritor e orador Dr.  Viana de Carvalho, intitulado:

“Argumento Falho”

            De vez em vez, corre pela imprensa a surrada afirmação de que os espiritistas se contrapõem a uma ordem prescrita no Deuteronômio e segundo a qual é abominável, condenado por Deus, o intercâmbio intelectual com as almas dos impropria e erroneamente chamados mortos.        
            A Bíblia proibiu, mui judiciosamente, as evocações em tempos de absoluta ignorância do assunto.
           Moisés previra que os hebreus seriam mal sucedidos travando comunicação ostensiva com as entidades do mundo invisível.
            Povo dominado pelas paixões inferiores, de índole tendenciosa à superstição e à feitiçaria, não se achava em condições de merecer contato direto com os habitantes do plano astral.
            "A proibição de Moisés, diz Allan Kardec à página 161, do "Céu e o Inferno", era assaz justa, porque a evocação dos mortos não se originava nos sentimentos de respeito, afeição ou piedade para com eles, sendo antes recurso para adivinhações, tal como os agouros ou presságios explorados pelo charlatanismo e pela superstição.
            Essas práticas, ao que parece, também eram objeto de negócio e Moisés, por mais que fizesse, não conseguiu desentranhá-las dos costumes populares".
            Daí se não infere que, muitos séculos depois, deva prevalecer o mesmo dispositivo de legislação ditada a, uma raça atrasada, que carecia de habilitações morais para se ocupar de fenômenos ligados á manifestação dos espíritos (1).

            (1) Veja o Cap. Vil da 2". Parte desta obra (apend.)

            O caso mudou completamente de aspecto. As gerações atuais suportam vivas claridades, compreendem o que há de grave e religioso nos processos de comunhão entre os dois mundos, inaugurados com o advento do Espiritismo, de maneira sistemática.              
            O chamamento dirigido aos desencarnados reveste-se agora de intenções humanitárias; tem objetivo de caráter puro e sublimando-se, cada vez mais, nos fraternos laços que se estreitam assim entre criaturas da terra e suas irmãs de além fronteira planetárias.
            A citação da Bíblia é ótima para os contemporâneos de Moisés, aos quais foi ministrada exclusivamente, como se verifica ao examinar sem parcialidade o capítulo XVIII do Deuteronômio versículos 9-10-11 e 12. Aplicá-la aos nossos dias, redunda em negar eficiência do progresso acumulado ao longo da história humana.
            Ao demais, se Deus entendesse vedar-nos o conhecimento desses fatos, por que permite a multiplicação deles, exuberantemente, à nossa vista? Não seria razoável conter em seus limites de afastamento absoluto as populações do além que nos visitam e atuam sobre os médiuns, transmitindo por eles pensamentos proveitosos, conselhos, advertências altamente reformadoras de nossa conduta nesta vida? 
            Estas interrogações têm como consequência a convicção de que nos é lícito receber os testemunhos de solidariedade provindos da outra margem, colocada no plano hiperfísico e para o qual marchamos também, cumprindo os desígnios da Providência.    
            O erro não está em convivermos amorosamente com os que nos precederam na liberdade maior trazida pela morte, mas sim em deixarmos no olvido as doces insinuações de suas mensagens estimulando-nos à execução de todos os atos de bondade consagrados nos divinos princípios do cristianismo." 
(Artigo publicado na "Aurora"). 



4 “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941

            Mais um artigo copiado do "Clarim”, assinado por Vinicius, com o título:

"NÃO CONSULTES AOS MORTOS"

            É veso (próprio) dos nossos irmãos protestantes alegarem contra as manifestações psíquicas (fenômeno que o Espiritismo não criou nem inventou, mas constatou)- os versículos 10 e 11 do capítulo XVIII do Deuteronômio, onde, segundo pretendem, encontra-se formal condenação a todo e qualquer comércio com os espíritos.
            Não procedem com lealdade os que invocam as proibições aliás categóricas, daqueles versículos ao costume então vigente, de consultar os desencanados, pretendendo aplicar as ditas proibições às doutrinas expendidas pelo Neo Espiritualismo com respeito às comunicações com o Além.
            Aos protestantes que investigam, estudam e até guardam de memória as passagens bíblicas, não deve ser estranha, nem passar despercebida a razão que determinou as restrições impostas pelo Deuteronômio às constantes e injustificadas consultas que o povo costumava fazer aos espíritos, a propósito e fora de propósito. Se os nossos irmãos reformistas quisessem agir com sinceridade, sem ideia exclusivamente combativa, jamais invocariam aqueles versos deslocados do conjunto, prejudicando propositadamente o sentido e, sobretudo, deixando à margem o ponderoso motivo que determinou a proibição, ou melhor, a restrição imposta às relações com os invisíveis. Sim, dizemos restrição, porque, de fato, o preceito vertente não visava precisamente proibir as comunicações do céu com a terra, porém restringi-las de modo que o povo de Israel, havia pouco saído do cativeiro egípcio, não entrasse em contato com o paganismo cujos adivinhos, pitonisas e oráculos difundiam doutrinas subversivas, idólatras e politeístas. Ora, o objetivo do Alto era exatamente implantar no seio do povo eleito os princípios do monoteísmo, da fé num Deus único, Deus vivo, criador do Universo, que não podia ser representado por imagem de escultura e que falava ao povo pela boca, não dos profetas gentílicos, mas daqueles por ele mesmo escolhidos para intérpretes de suas ordenanças. Daí todo o cuidado em conservar Israel isento de qualquer contato donde pudesse advir ensinamentos opostos àqueles que o Alto ia ministrando através da mentalidade humana. Para esclarecer este caso peremptoriamente lançando sobre o mesmo um jato de luz límpida e forte, basta que os nossos leitores atentem para os versos abaixo, transcritos do referido capitulo XVIII do Deuteronômio:
            "Quando tiveres entrado na terra que o Senhor te dará, guarda-te, não queiras imitar as abominações daquela gente. Nem se ache entre vós quem pretenda purificar seu filho ou filha fazendo-os passar pelo fogo. (1) nem quem consulte adivinhos ou observe sonhos e agouros, nem quem seja feiticeiro ou encantador, nem quem consulte aos Pitões ou adivinhos, nem quem indague dos mortos a verdade. Porque todas estas cousas as abomina o Senhor e por semelhantes maldades exterminará este povo a tua entrada. Tu serás perfeito e sem mancha com o Senhor teu Deus. Estas nações cujo pais possuirás, ouvem os agoureiros e os adivinhos; tu, porém, foste instruído de outra sorte pelo Senhor teu Deus. O Senhor teu Deus suscitará um profeta, como eu, da tua mesma gente e dentre teus irmãos: a este então, ouvirás. Conforme pediste ao Senhor Deus em Horeb, onde todo o povo estava junto, e disseste: Eu não ouvirei mais a voz do Senhor Deus, nem verei este grandíssimo fogo, para que me não suceda morrer. E o Senhor me disse: Eles falaram bem em tudo. Eu lhes suscitarei do meio dos seus irmãos um profeta semelhante a ti: e porei na sua boca as minhas palavras, e ele lhes dirá tudo o que eu mandar. E o que não quiser ouvir a sua palavra, que ele falar em meu nome, eu me vingarei. Se um profeta, porém, se corromper em sua soberba e falar em meu nome, e disser o que eu não lhe mandei dizer, ou se falar em nome de deuses estranhos, será morto. E se tu disseres lá no teu coração: Como poderei discernir qual é a palavra que o Senhor não disse? Terás este sinal: Se aquilo que foi predito pelo profeta em nome do Senhor, não su ceder tal qual disse, é falso, não foi o Senhor quem predisse, mas o profeta por soberba do seu ânimo o fingiu, e, por isso, não temerás". Deut. XVIII, 10-12.

            (1) Veja cap. VIl da 2ª parte (Apêndice).

            É assim que a história deve ser escrita e não como querem, ou como convém aos nossos irmãos reformistas". (O Clarim)

............................

            Por tais motivos e pelos perigos a que estão sujeitos os audaciosos e ignorantes, que se arriscam a fazer experiências sem estarem preparados para evitar os prejuízos que advém do emprego mal dirigido dessas práticas e do seu uso para fins inconvenientes, é que Moisés e os governadores daqueles tempos proibiram o mesmo que as nossas leis atuais também proíbem (1).

            (1) Vd. “Verdade e Luz’ nº 17 de 3-1-1923, artigo de Francisco do Nascimento.

            O Código Penal brasileiro assim se exprime no capitulo III - título 3°, Artigo 157 (2):
            "Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismã e cartomancia para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar curas de moléstias curáveis, ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: Prisão, multa etc."
            A filosofia e a ciência do Espiritismo estão muito longe de ser magia, feitiçaria, cartomancia, encantamentos, sortilégios ou uso de talismãs; ou adivinhações, como dizem o texto sagrado e o código brasileiro. O que as leis em todos os tempos profligaram tem sido o abuso do charlatanismo praticado para fins ilícitos e inconfessáveis. Vide Atos dos Apóstolos; Cap. XIII, 6-8 o de Elimas, o encantador e falso profeta.
            Hoje há muitos que operam com o rótulo de espíritas, assim como também há muitos protestantes com rótulo de cristãos e que só servem para envergonhar os ministros do Evangelho. A doutrina codificada por Kardec não é responsável por esses charlatães, assim como a igreja protestante não é responsável pelos atos dos seus crentes boçais, viciados ou mal comportados, bem como a medicina pelos crimes dos curandeiros ignorantes.
            Eu nunca assisti a trabalhos de feiticeiros, mas sei que eles usam copos (taças) e outros objetos prescritos em rituais especiais dessa prática abominável, coisas em uso no tempo do Antigo Testamento. Para provar, citarei os seguintes versículos:
            "A taça que furtastes é a mesma pela qual bebe o meu Senhor e da qual se serve para as suas adivinhações: Vós obrastes uma péssima coisa. (Gênesis XLIV, 5) - Não foi por esse meio que José interpretava os sonhos de Faraó?! (1)

            (1) José do Egito não era feiticeiro, apenas usava o costume de adivinhar por mediunidade intuitiva ou pela revelação divina, para a prática da caridade e não para malefícios.

            Para praticar a religião cristã, o Espiritismo não precisa de taça nem de objeto algum para sortilégios, adivinhações ou encantamentos. O sacerdócio romano é que faz sortilégios com a taça onde põe o vinho e a pastilha de trigo, e por encantamentos de magia misteriosa os faz transformar em carne e sangue do Cristo, o qual comem e bebem como teantropófagos! (1)

            (1) Vide Críticas e Réplicas nas Rimas de Além Túmulo, de Guerra Junqueiro. Pág. VI


5 “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941
  
CAPITULO III

Perguntar aos mortos.


            Isso é absurdo inqualificável, é coisa impossível! Quem teria a lembrança de ir ao cemitério e, por meio de esconjuros, obrigar a sair da sepultura um defunto, ou um esqueleto de caveira descarnada, a fim de fazê-lo falar e responder a perguntas? O defunto não sairia da cova para responder ao idiota ou imbecil que se dirigisse a um cadáver! Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, disse Jesus, referindo-se a Abraão, Isaac e Jacó. (S. Mateus, XXII, 32) (1).

            (1) Leia-se ‘Amor lmortal’ do Dr. J. A. Nogueira.

            A resposta é, pois, dada por quem não está morto. Jesus Cristo mesmo, interpelou os Espíritos, (S. Marcos V; 9). Se são Espíritos de mortos, não são exclusivamente demônios, Na sessão espírita que Saul pediu à Pitonisa de Endor, a Bíblia não diz que foi Satanás quem respondeu a Saul. A Bíblia diz que foi Samuel.
            "Então disse Samuel: Por que pois a mim me perguntas?.. Porque o Senhor tem feito contigo como pela minha boca te disse." (I Reis ou Samuel XXVIII, 15-16-17 e seguintes.) Samuel foi quem falou pela boca da pitonisa (médium) (1).

            (1) Vide Capítulos IV-V e VI da 2ª parte (apêndice).

            O Senhor tinha falado a Saul pela boca de Samuel e Samuel confirma as mesmas palavras pela boca do médium de Endor. Não foi, portanto, Satanás. O Diabo não teria dado a Saul conselhos bons, os quais não foram atendidos e por isso mesmo o reino dele foi dado a Davi. (2)

            (2) Diabo: - As más inclinações ou malignidade humana.

            Se eram exclusivamente demônios que falavam pelos médiuns, as palavras dos Deuteronômio XVIII 10-12 deveriam ser: "Entre ti não se achará quem pergunte a Satanás porque isso é abominação, e os versículos acima citados deveriam dizer: "E Satanás disse a Saul". Mas, a Bíblia não diz isso. O Senhor ministro torce as Escrituras.
            O espírito santo que inspirou ao legislador a proibição, certamente não era de Deus, porque recomendou o contrário de sua lei, porque só o diabo é que contraria a vontade de Deus.
            Em Êxodo (XX: 13) na lei de Deus, recebida por Moisés no Sinai, diz: "Não matarás". Como poderia Deus ter inspirado outra lei que diz: "Apedreja lo ão para que morra de morte e o seu sangue recaia sobre eles?" (Levítico XX, 27). Como podem harmonizar-se duas leis de Deus, contraditórias? Uma há de ser do diabo (3) e não de Deus. O bom senso concordará com Jesus, em Mateus, V: 21, que a lei inspirada divinamente é a que proíbe matar, e a que é inspirada diabolicamente é a que manda matar.

            (3) Da malícia humana.

            Se os governos de todos os países fossem protestantes, com certeza fariam prevalecer a lei do Levítico XX; 27 decretariam a matança de todos os médiuns que existissem no mundo.

            "Jerusalém, Jerusalém que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados... Eis que a vossa casa irá ficar vos deserta" - disse Jesus (Mateus, XXIII, 34 a 37) (1).

            (1) Vide cap. VII da 2ª parte (apêndice) .

            Os governos de Jerusalém matavam os médiuns que apareciam em sua cidade... e Jesus também não escapou à fúria sanguinária dos matadores!

***

            Se Deus permite que os maus Espíritos se comuniquem com os homens, por que razão não consentirá se comuniquem também os bons? Por que, pois, consente a manifestação dos primeiros com a exclusão dos segundos? Não se move a folha de uma árvore sem a sua vontade, e sabendo que há um grande perigo, por que, pois, permite que o diabo se apresente para perder a alma de suas criaturas?
            Qualquer pai por mais ignorante que seja, sabendo que existe em tal lugar, presa em uma jaula, uma fera que, se escapar poderá dilacerar seus filhos, não deixará que ninguém abra a porta dessa jaula, a fim de evitar a desgraça. Será Deus pior que qualquer mortal, que exponha seus filhos ao pior dos perigos?
            Teoria esta análoga à alegoria de Satã, em figura de serpente, no paraíso... Deus colocou no Éden dois filhos e soltou ali a serpente ou Satã para perdê-los! ...
            A Bíblia interpreta ao pé da letra, faz de Deus um pai que não se importa com a desgraça de suas criaturas! (1)

            (1) Vide "Cristianismo e Espiritismo" fim ( Notas) .

            O Senhor ministro fala dos que não querem aceitar o Evangelho na sua simplicidade.
            Ele exige a fé cega, sem raciocínio, sem exame... É a fé do fanático, a fé imposta, o dogma de que os seus crentes não podem discordar sob pena de serem excomungados. O que discordar e não aceitar as suas imposições, estará amaldiçoado: vai para o inferno!
            Diz ainda o Pastor que, pregou aqueles sermões e os publicou a fim de prevenir as ovelhas do seu rebanho, evitando que caiam nos embustes de Satã. Pois Jesus disse que aqueles que são dele, não os lançará fora: os que são dele (Jesus) estão, portanto, ao abrigo da proteção divina e não seria necessário prevenção alguma por parte do autor do folheto. Por que, então, se incomoda com o Espiritismo? Não diz o Evangelho que as ovelhas de Jesus ouvem a sua voz e o seguem? (2) Elas ouvirão a voz de Jesus e não a de Satã; dispensável, nesses casos, as suas advertências.

            (2) S, João X, ,16.

            O Evangelho nos conta o caso da cura que Jesus fez a um cego de nascença. Diz o narrador que os fariseus faziam ao ex cego reiteradas perguntas, de como e por que forma fora curado por Jesus; ele explicava-lhes que tinha mandado por lodo nos olhos e mandado lavar, - tornavam a perguntar a mesma coisa e assim foi, até que o homem que fora cego lhes disse: "Já vo-lo disse e não ouvistes; para que o quereis tornar a ouvir? Quereis vós, porventura, fazer-vos também seus discípulos?" Então o injuriaram e disseram: "Discípulo dele sejas tu: nós, porém, somos discípulos de Moisés". (S. João IX: 10-29).
            Os pastores se incomodam tanto com o Espiritismo como os fariseus se incomodavam com as doutrinas de Jesus.
            É o caso dos espíritas perguntarem também aos Senhores pastores protestantes se querem também fazer-se discípulos de Kardec! Mas, eles provavelmente responderão injuriando-os: "Discípulos de Kardec sejais vós: nós, porém, somos discípulos de Lutero!"

***

            A fama das curas pelo Espiritismo corre por toda a parte, como outrora a de Jesus corria por toda a província da Galileia, a ponto de toda gente se admirar e dizer: "Que nova doutrina é esta que até com autoridade manda aos maus Espíritos e estes lhe obedecem!" (S. Marcos 1, 27).              
            A nova doutrina, de Jesus, o Espiritismo, assusta aos sacerdotes católicos e protestantes, e eles estão prevendo o desmoronamento de suas igrejas... (1)

            (1) Na Rússia, as igrejas estão sendo derrubadas e na Inglaterra estão sendo vendidas. (Vd. os jornais).

            Já vêm tremer os seus alicerces! A doutrina do Espírito da Verdade está solapando os seus fundamentos. A queda é tremenda e infalível!
            Ninguém mais tem medo de Satanás, que tem sido a principal coluna das igrejas... o prestígio de Satanás está principiando a dissolver-se... está caindo no descrédito geral - está se tornando um moribundo... Mas os sacerdotes romanos e protestantes não querem deixá-lo morrer: dão-lhe de vez em quando uma injeção fortificante, ou algumas gotas do Elixir de longa-vida!... (2).

             (2) Esta página foi escrita no ano de 1922, há 16 anos, e já estamos em 1941. Hoje, os pastores presbiterianos da Igreja independente de São Paulo já estão deixando morrer o pobre diabo! Em vez de lhe darem Elixir de Longa-Vida, estão resolvidos a lhe aplicar injeções para apressar o fim do moribundo... umas injeções de Sucumbina para dar cabo do velho Mefistofeles!..
            Eis o que publicou "O Clarim" em seu número de 28 de Maio de 1938:
            "O DIABO EM DECADÊNCIA"
            Segundo nos informam o Supremo Concilio da Igreja Presbiteriana Independente (Sínodo), realizou há pouco seus trabalhos em São Paulo. Neles tomaram parte 40 pastores e 50 presbíteros.
            Na magna assembleia o rev. Otoniel Mota e mais sete pastores trataram da questão doutrinária da eternidade das penas e se declararam francamente contra o inferno.
            Para eles o inferno não existe como lugar, senão como um estado da alma.
            Como se vê, a teoria é espiritista.
            Felizmente para o Sínodo, a dissidência ficou reduzida àqueles oito.
            Parece que eles estão querendo andar muito depressa. Ora, se continuam nesse "andar", acabam aposentando o diabo, o que, aliás, já não é sem tempo, dados os bons serviços que ele tem prestado às igrejas! (Do ‘Reformador’).
            Continuando a chamar a atenção do leitor para os dizeres desta página escrita há 16 anos, eis aqui o que escreveu o Snr. Dr. Souza Ribeiro, no fim do seu XXº artigo, esmagando os surrados argumentos do Padre Gonzalez:

           O povo está de fato debandando das igrejas dos padres e isto no mundo todo, porque os tempos são chegados.

            São os próprios graduados da Igreja de Roma que o confessam publicamente. Quer o leitor a prova? Ei-la: A catedral de São Paulo está em construção desde 1912, portanto há 26 anos e não está concluída, apesar do auxílio dado pelo governo do Estado no valor de Rs. 4.000:000$000! 
                O Sr. Arcebispo de São Paulo fez, publicamente, esta declaração:
                "Lá está ela ao fundo da praça majestosa e coalhada de automóveis de luxo, como edifício em ruínas, espécie de casa mal-assombrada a que ninguém quer, nem mesmo lançar um olhar, quanto mais visitar e tornar padrão digno de um povo culto e piedoso, obra prima de arquitetura."
            (Ver o "Estado de São Paulo" nº. 20.956, de 28 de Janeiro de 1938, pág. 9, 5ª coluna.).
            Viu o leitor a que ponto já chegou? Que se tirem desta confissão pública as devidas conclusões (1).
            (1) Leia-se o CAP. VII de "O Crime do Rio das Pedras, - "O Espiritismo e o padre" no final da notícia do apedrejamento do Centro Espírita, em 1918.

  
6 “O Protestantismo e o Espiritismo”
por  Benedito A. da Fonseca
Edição da Federação Espírita Brasileira    1941

CAPÍTULO IV

É' impossível a manifestação das almas que estão no céu
e também das que estão no inferno.

           
            O senhor ministro apoia as suas afirmações na comunicação somente de Satanás, na parábola do rico e de Lazaro, dizendo que é impossível a manifestação dos que estão no inferno e também dos que estão no céu; portanto, as comunicações das sessões espiritas não são senão de Satanás, que se transforma em anjo de luz para enganar aos que se entregam ao Espiritismo (1).

            (1) Vide "Verdade e Luz", nº 8, de 18-8-1922, os artigos "Rico e Lázaro" e "Estudos Bíblicos", do Padre Manoel Deirrada.

            De modo que, a luz que resplandeceu na prisão onde estava Pedro, amarrado com corrente entre dois soldados, era luz de Satã que se transformou em anjo e lhe fez cair das mãos as cadeias e depois o levou para fora da prisão. (Atos, Xll; 7-10). Se S. Pedro fosse protestante, ficaria com medo daquele clarão e não acreditaria no que lhe disse o anjo e lhe responderia: "Tu és Satanás que te transformaste em anjo de luz para me iludir, vai-te que eu fico aqui mesmo e não aceito os teus embustes".
            Quando Jesus falou a Ananias, dando-lhe instruções a cerca de Saulo, era ainda embuste de Satã? (Atos, IX, 10-16).
            Filipe não teve medo de Satã, quando um anjo o mandou para a banda do sul, ao caminho que desce de Jerusalém a Gaza. (Atos; VIII, 26). Ele não temeu quando aquele Espírito lhe disse: "Chega-te e ajunta-te a este coche". Se Filipe fosse pastor protestante, ficaria desconfiado; teria medo das mentiras de Satã. (Atos, 8, 29). Se o centurião Cornélio fosse adepto do evangelho de Lutero, desconfiaria do anjo que lhe mandou chamasse a Pedro; e diria: "Não! Tu és Satã transformado em anjo, eu não te atendo! (Atos, X, 1-6). Quando Pedro duvidou da visão que tivera (versículo 17) e quando o Espírito disse: Não duvides, porque eu os enviei, (versículo 20), Pedro foi com os enviados de Cornélio; foi, porque não era pastor protestante, que não acredita senão na manifestação do diabo. Quando Pedro foi a Jerusalém, os protestantes daquela cidade lhe censuraram o procedimento por entrar em casa de espíritas e comer com eles. (Atos; XI, 2-3) . - Pedro não se envergonhou de lhes contar o que o Espírito lhe disse. (Atos, XI, 12). Os protestantes de Jerusalém eram mais razoáveis do que os de hoje, porque ouvindo estas coisas, se apaziguaram (versículo 18). Se Josué fosse protestante, teria medo quando um Espírito lhe disse: Eu venho como o príncipe dos exércitos do Senhor. (Josué; V, 13-15). O anjo que apareceu à direita do altar de Zacarias disse a este: Não temas. Teria Zacarias pensado que era Satanás transformado em anjo? (Lucas; I, 11-13). Se o anjo ou Espirito Gabriel aparecer hoje a qualquer pastor protestante, pregador do evangelho de Lutero, ele lhe dirá; "Retira-te, Satã! hoje não precisamos que os anjos falem conosco; nós temos a Bíblia i- tu queres enganar-me".
            Nunca mais eu acabaria se me propusesse provar, pela Bíblia, desde o Gênesis até ao Apocalipse, as comunicações dos Espíritos. Se os homens daqueles tempos fossem da mesma teoria dos senhores ministros, nós hoje não teríamos a Bíblia, porque não a escreveriam.
            Vejamos:
Gênesis (XVIII, 2-3 - XIX; I e seguintes e XXII; 11-12, e XXXII; 24-29)
Êxodo (III, 1 e seguintes);
Números (I, 1 e seguintes);
Levítico (I, 1 e seguintes);
Deuteronômio (V, 4-6);
Juízes (II, 1-4 e VI, 11-12 e XIII, 13-25 e XIV, 5-6);
S. Mateus (XXVIII, 5);
S. Marcos (XVI 5-6);
S. Lucas (XXIV, 4-6);
Atos (I, 10-11);
Atos (XXI, 4 e XXVII, 23);
Mateus (XVI, 17),
Daniel, (11, 2-19 e X, 5-14 e VIII, 16);
Apocalipse ((I, 10, e V, 2-11; e VIII, 2; e X, 1; e XIV, 6-8-9; e XXII, 6 e versículos 16-17)  (1)

            (1) Deixo de mencionar Tobias V. 7 e vers. 18 e XII, 15-21 porque os protestantes rejeitam autoridade divina a este livro e o excluem da Bíblia.

            É pena que os escritores da Bíblia tivessem cometido o lamentável descuido de escreverem-na antes de pedir conselho aos discípulos de Lutero! Coitados! Como estarão arrependidos de haver deixado a Bíblia inteira, cheia de comunicações espíritas! Hão de dizer, entre eles, que foram na Terra vítimas das velhacarias de diabos transfigurados em, anjos de luz!...        
            A doutrina espiritista não diz que somente os bons Espíritos se comunicam; os maus, ignorantes, atrasados, levianos, também se manifestam. A Bíblia mostra exemplos de comunicações de maus espíritos. Vejamos:

Atos XIX, 13-16;
Mateus VIII,28-34;
Marcos V, 1;
Lucas VIII, 27-31; II
Crônicas ou Paralipomenos XVIII, 20-22;
Mateus XVI, 22-23;
Lucas XXII, 3;
Atos VIII, 9-23 e XIII, 8-12, e em muitos outros lanços.

***

            A parábola do rico e de Lázaro, longe de ser uma passagem bíblica contrária ao Espiritismo, dá ainda mais força à sua confirmação. Abraão não disse que era impossível a comunicação de Lazaro; se não fosse possível, o rico não teria insistido, nem discutido com Abraão. Eis as suas palavras:
            - Rogo-te pois que mande a Lázaro na casa de meu pai, porque tenho cinco irmãos; para que dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Pai Abraão respondeu: Têm Moisés e os profetas, ouçam-nos. Insistiu o rico: Não, pai Abraão, mas se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam (1).

            (1)  "Verdade e Luz", nº 8: artigos do Pe. M. Deirrada.

            Pai Abraão não lhe combateu essa doutrina e se ela não fosse racional, Jesus não se lembraria de a intercalar nesta parábola. Nem mesmo o Cristo combateu esta ideia; apenas disse que, se a alma de Lázaro fosse falar aos seus irmãos, eles não dariam crédito: (julgariam que era o demônio); e ainda mais, se os irmãos do rico tivessem estudado o Velho Testamento, dariam crédito aos médiuns (profetas) daquele tempo e, nesse caso, poderiam acreditar; então Abraão poderia consentir que Lázaro lhes fosse falar pela boca de algum médium ou profeta. Mas, se um médium, ou profeta, entrasse na casa do pai do rico e dissesse aos irmãos deste: "Eu sou a alma de Lázaro que venho a pedido do teu irmão para avisar-vos de que ele sofre"; estes, não só não dariam crédito, mas, também chamariam o médium de "louco" e até poderia suceder que o entregassem à prisão! É o que dizem hoje os protestantes: - Os médiuns são uns loucos.
            A alma do rico e a de Lázaro, estavam ambas num só lugar: o inferno ou o céu estava com eles, em seu próprio Espírito. Jesus disse aos seus discípulos: O reino do céu está dentro de vós (Lucas XVII, 21). O grande abismo que os separava era a diferença da posição de seus Espíritos. O inferno do rico consistia na separação da sua púrpura, do seu linho fino, dos seus banquetes, do seu cofre de dinheiro; seu coração estava onde se achava o seu tesouro. Lázaro só possuía de seu, no mundo, um corpo cheio de úlceras, pelo que deu graças a Deus quando dele se desembaraçou: o rico sentia haver deixado os seus tesouros e sofria horrivelmente por não mais poder gozá-los. O céu de Lázaro consistia na satisfação de haver deixado o fardo insuportável, que lhe houvera servido de instrumento de suplício: Lázaro nada tinha no mundo, por isso nada nele deixou. Estava onde estava o seu tesouro - seio de Abraão - mundo invisível, lugar imaterial.
            Vemos, de fato, um grande abismo entre um rico coberto de pedrarias preciosas, vestido luxuosamente, morando num imponente castelo, ricamente adornado e passando a vida regalada e esplendidamente - e um mendigo miseravelmente vestido, sem teto, sem leito e sem pão, jogado à soleira da porta, com as chagas expostas ao olfato de cães esfaimados. O abismo que os separa na Terra também os separará do outro lado do véu (1).

            (1) Vide Despedida do Espírito de Alarico de Anteguera em "Espiritus Maledictus". Págs. VI e VII.

             Para destruir esse abismo e ficar um unido ao outro, é necessário a volta do rico à Terra; porém, passar nela pelo mesmo caminho que Lázaro passou, sem púrpura, sem linho sem teto, sem leito, sem pão, mendigo, miserável, coberto de lepra e quando pagar o último centil, a dívida contraída e chegar a sua vez de ir para o seio de Abraão, ele não tenha mais tesouro algum na Terra, para aí não ficar mais seu coração, e será também levado pelos anjos aonde Lázaro se achar - e ficará em igualdade de condições - Isso confirma-se pela Bíblia sobre a reencarnação, nova existência que lhe facultará os meios de destruir o mal que fez, como mau dispenseiro, e construir a ponte sobre o abismo, pelo bem, pela paciência, pela caridade, como bom dispenseiro.

***

            Quanto às informações que o senhor ministro colheu para o folheto "O Espiritismo e o Evangelho", não discuto, porque não têm importância alguma: é uma calúnia qualquer, como essas que os padres católicos costumam inventar contra o protestantismo. O tal testemunho autêntico do Sr. W. B. Laningue, tem tanta força quanto o fato de haver Josué feito parar o sol...
            A falsa compreensão das coisas faz ver tudo com olhos de vesgo. Outro fato que se segue, do pastor que escreveu, sem querer, comunicações de Espíritos e tornar-se adepto do Espiritismo. Ele sorriu das mentiras de Satanás! Eu faria o mesmo, sorrir-me-ia também, porque tenho convicção do que digo e não tenho medo. Já fui um tolo, acreditava também quando andava iludido. Quem sabe quem é, de onde vem e para onde vai quando passar desta para outra vida, compreende os planos do Cristo em relação à humanidade, não pode ter medo de coisa alguma, nada o assusta.
            Para os protestantes, o referido pastor está perdido, porque emprestou sua mão para Satanás escrever e depois ficou espírita e sorriu-se das suas mentiras.
            Não disse Jesus Cristo: "Aquele que vier a mim, de maneira nenhuma eu o lançarei fora?" Por que consentiu Jesus que o diabo levasse o pastor? Os padres não dizem dos seus colegas que deixam a batina e se fazem protestantes, que o diabo os levou?
            Os padres e os pastores destronam a Jesus e deificam Satanás, dando a este maior poder do que a Jesus! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário