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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Profissão de Fé - Parte 6



Profissão de Fé – parte 6
por Gustavo Macedo
Fonte:  Reformador (FEB) a partir de 15 de Abril de 1905

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            Os membros da igreja militante sobre a terra comunicam entre si, com as almas do purgatório e com os santos do céu. Relação entre os vivos e os mortos  (O jesuíta padre Schouppe. – ‘Curso de Religião’.)

            A profecia do Espírito de Verdade se realizou em sua plenitude: o mestre sofreu as maiores injúrias, calúnias e ingratidões, e só não sucumbiu esmagado, devido ao rigor de sua fé e à assistência dos seus guias espirituais.

            A Sociedade Espírita de Paris, fundada em 1 de abril de 1853, o teve sempre como presidente. Reunia-se às terças-feiras no Palais Royal, galeria Valoispassou, depois de um ano, a reunir-se às sextas-feiras em um dos salões do restaurante Douix, no Palais Royal, galeria Montpensier, até 4 de abril de 1860, quando se instalou em sua sede própria, à rua e passagem Santa Anna nº 59.

            Cresceu de tal modo o trabalho hercúleo do nosso mestre, em todos os ramos da doutrina, principalmente no preparo de obras e discursos de propaganda a outros países e a cidades da França, que se viu forçado a pedir demissão do cargo de presidente da sociedade, o que lhe foi unanimemente negado.

            Na primeira quinzena de janeiro de 1861, os Srs. Didier & C. editaram o Livro dos Médiuns, que “é ainda o vade-mecum de todos os que se querem entregar com proveito à prática do Espiritismo experimental.”

                                                                       *

            A comunicação entre os encarnados e os desencarnados se realiza por meio de médiuns; o médium é o aparelho de ligação sensível entre o mundo material e o espiritual.

            “Toda pessoa que sinta em qualquer grau a influência dos espíritos é, por isso mesmo, médium.”[1]

            Não há privilégios; por isso todos possuem rudimentos de mediunidade; entretanto a qualificação só se aplica aos que têm a faculdade nitidamente caracterizada.

            Cumpre notar: a faculdade não se revela em todos do mesmo modo, é conforme a aptidão especial para as diferentes ordens de fenômenos.

            As principais mediunidades são as que compreendem: os médiuns de efeitos físicos, os sensitivos ou impressíveis, os auditivos, falantes, videntes, sonâmbulos, curadores, pneumatógrafos, escreventes ou psicógrafos.

            O médium de efeitos físicos é particularmente apto a provocar voluntária ou involuntariamente fenômenos materiais, tais como pancadas nos móveis ou nas paredes e o movimento dos corpos inertes.

            Sensitivos são os suscetíveis de pressentirem a presença de espíritos por uma impressão geral ou local, vaga ou material. Distinguem em geral os espíritos bons ou maus pela natureza da impressão que experimentam.

            Auditivos, ouvem, percebem nitidamente as palavras dos espíritos e podem receber comunicações verbais.

            Falantes são os que falam sob a influência dos espíritos.

            Videntes veem os espíritos em estado de vigília. A vista acidental e fortuita de um espírito em circunstância particular é frequente; mas a vista habitual ou facultativa dos espíritos, sem distinção, constitui esta espécie de mediunidade.

            Sonâmbulos caem em letargia, transportam-se em espírito, descrevem o que veem, acompanham espíritos a regiões distantes, e no estado de sonambulismo são assistidos por outros espíritos. 

            Curadores têm o poder de aliviar, ou pela imposição das mãos ou por meio de orações.

            Pneumatógrafos obtém a escrita direta, fenômeno muito raro e principalmente muito fácil de ser imitado pelo charlatanismo.

            O espírito escreve diretamente no papel, sem se utilizar da mão do médium; muitas vezes dobre-se e guarda-se o papel na gaveta, e aí se opera a comunicação.

            Escreventes ou psicógrafos são os que têm a faculdade de escrever por si mesmos sob a influência dos espíritos.

            A fenomenologia é o que mais tem atraído a atenção universal e foi por onde se começou a estudar a doutrina espírita.

            O Livro dos Médiuns é profundo, complexo e indispensável para quem queira estudar a parte experimental e evitar os escolhos e perigos da mediunidade, perigos que de resto não são privativos desta, mas existem para todo inexperiente de qualquer ciência.

            O leitor se quiser melhor conhecimento dos fatos espíritas, deve recordar, entre outras, as seguintes obras:

            ‘Fatos Espíritas’, por W. Crookes, notável descobridor do quarto estado da matéria - o estado radiante; - Um caso de desmaterialização parcial do corpo de um médium, e ‘Animismo e Espiritismo’ por Aksakof - eminente sábio russo que obteve magníficas sessões a que compareceram notabilidades como Carl du Prel, Richet, Lombroso, etc.; L’Inconnu et les Problèmes Psychiques, do maior astrônomo do século, Camille Flammarion; ‘No País das sombras’, ou ‘Luz de Além-Túmulo’ de Mistress E. d’Esperance, O ‘Fenômeno Espírita’, de Gabriel Delanne, etc. 

            Entre os homens notáveis que o têm estudado, e afirmado a veracidade dos fenômenos, contam-se: Roberto Hare, professor na Universidade da Pensilvânia; Alfredo Russel Wallace, êmulo de Darwin, da Sociedade Real de Londres; Oxon (Stainton Moses), professor da Faculdade de Oxford; Varley, inventor do condensador elétrico; Lombroso, o grande criminalista italiano; Charles Richet, diretor de uma revista médica e lente da faculdade de medicina de Paris; Coronel de Rochas, ex-diretor da Escola Politécnica de Paris; Paulo Gibier, que escreveu, entre outras obras importantes, Espiritismo, ou “Fakirismo Ocidental”; Ch. W. Elliot, presidente da Universidade de Harvard; W. James, professor de psicologia da mesma Faculdade; Lapponi, médico dos papas Leão XIII e Pio X, que afirma a veracidade dos fenômenos, dos quais foi testemunha presencial; e o poeta médium Victor Hugo, que no exílio de Jersey, teve comunicações com os espíritos de Ésquilo, Shakespeare, Moliére, Lutero e outros. Augusto Vacquerie nos revela esses fatos, que constam do arquivo deixado pelo poeta.

                                                                                  *

            Dissemos em outro lugar: estes escritos têm leitores de todos os matizes; por isso, não podendo esta parte findar na enumeração que transcrevemos, vamos passar a outra, por assim dizer pitoresca.

            De aparições de mortos a vivos estão pejados os livros da igreja, que os apresenta nos devocionários como fatos ‘edificantes’.

            Nos livros do mês de Maria, por exemplo, há mais de um caso para cada dia, sem falar nos da vida dos santos, dos quais extrataremos alguns mais adiante.

            Demais, na missa e nas orações diárias dos fiéis católicos, é praxe rezarem o Credo, ou “Creio em Deus Padre”, que é uma profissão de fé, ordenada pelos padres do Concílio geral de Nicéia, e contém o trecho seguinte: “Creio no Espírito Santo, na santa igreja católica, na comunicação dos santos.[2]” 

            No Catecismo de Monsenhor Couturier, aprovado pelo ex-bispo D. Pedro Maria de Lacerda, a páginas 33 estão consignadas as perguntas e respostas seguintes:

            - Onde estão contidas as verdades que a igreja ensina aos fiéis?

            - Na Escritura Sagrada, na tradição e principalmente no Símbolo dos Apóstolos.

                                                                       *

            Só o bendito Espiritismo pode explicar o fenômeno das aparições; a igreja no-las refere, porém a referência pura só pode produzir a incredulidade. Quantas vezes não vimos outrora o riso céptico do escárnio nos lábios do católico que ouvia a leitura dos casos ‘edificantes’ do mês de Maria!

            Se a criatura apodreceu na cova, com ela apodreceram as vestes que levou; e que corpo e vestimentas são essas que nos aparecem? Mistério!

            No entanto, o homem sempre se apavorou com espectros, e esse pavor fez cobrir os túmulos de pesadas lajes para tranquilidade do medo popular.

            As aparições tangíveis são devidas à condensação dos fluidos, que o espírito produz por ato de sua vontade, de modo que se possa fazer reconhecer por nós. Não é a carne, que se liquefez para entrar de novo no laboratório da vida universal pois nade se perde - já o dizia Lavoisier - é o corpo fluídico que surge aos nossos olhos, como S. Paulo no-lo afirmava: “Há corpos celestes e corpos terrestres.[3]

            Temos sobre a mesa, ao escrever esta parte da Profissão de Fé, muitos manuais de devoção, donde vamos extrair da vida dos santos, onde os supostos milagres pululam; não o faremos agora para não nos alongarmos demais e não cansar o leitor.

            O frade ficou morto nos escombros do catolicismo fanático e intolerante; a voz do sublime Espiritismo o chamou aos esplendores da vida espiritual; a voz soturna do canto chão já não apavora e fanatiza; o púlpito farisaico tombou; a tribuna democrática do cristianismo é acessível aos pregoeiros da verdade, que podem amaldiçoar o mal e imitar o Divino Mestre, de quem disse o grande Alexandre Herculano: “o que o Salvador mais solenemente amaldiçoou neste mundo foram a mentira e a  hipocrisia.[4]

            O erro não pode fazer morrer nos lábios do crente o depoimento da verdade; se a verdade é o Espiritismo, queremos resgatar a prática do erro com a sua pregação.

            Assim nos aconselha Santo Isidoro Pelusiota, quando diz: “Aqueles que com artifício nas palavras encobrem a verdade, muito mais desgraçados me parecem do que os que não a compreenderam. Porquanto os que por curtesa de engenho não a alcançaram, estes não são talvez indignos de desculpa; mas os que, sendo dotados de agudeza, investigaram a verdade e criminosamente a ocultam, cometem mais grave e imperdoável pecado.”


[1]  Vide Livro dos Médiuns, págs. 181.
[2]  Vide Coffiné, Manual do Cristão, págs. 21 e 62, e Catecismos Católicos.
[3]  Vide S. Paulo, “I Epístola aos Coríntios”, XV, 40.
[4]  Opúsculos, vol. 3º, págs. 128.
29
                Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei do meu espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos. 
            - Nesses dias derramarei o meu Espírito sobre os meus servos e servas, e eles profetizarão. 
(Atos dos Apóstolos, cap. II vv. 17 e 18; Joel, cap. II vv. 28-29).
                                                         
            Fleury, considerado um dos mais pios escritores da igreja, se expressa do seguinte modo com relação à sua história:

         “Vejo bem que a minha história não há de agradar aos espíritos acanhados, atidos às suas preocupações e sempre prontos a condenar os que pretendem desenganá-los; aos que tapam os ouvidos quando a verdade soa, para se abraçarem com fábulas, buscando doutores que vão com eles. Não lhes faltarão livros acomodados do paladar. Escrevo em vulgar, para ser útil aos homens de juízo.

            Desconhecendo a religião, não a tomam a sério, e nada os liga a ela senão as preocupações da infância e os interesses temporais.

            Nunca examinaram as seguras provas do Evangelho, nem sentiram a excelência da sua moral e a esperança dos bens eternos. É por isso que não ousam aprofundar as coisas antigas e temem conhecê-las; sabem que lhes não são favoráveis.[1]

            Sabe a Igreja: O Espiritismo é uma verdade, a Escritura Sagrada o refere e apoia; sendo assim, é prudente fugir ao estudo e às luzes da discussão, para espalhar as trevas do terror em seu lugar, por isso que, como acima o disse o douto historiador católico: - sabem que lhes não são favoráveis.

            No Antigo Testamento há inúmeras passagens de comunicações com os espíritos. Transcrevemos algumas:

            “E depois disso morreu Samuel e apareceu ao rei e lhe predisse o fim da sua vida; e, saindo da terra, levantou a sua voz, profetizando que ia ser destruída a impiedade da nação. (Eclesiastes, XLVI, v. 23).

            O padre Scio, comentando essa passagem, diz:

            “Julgo que aí não foi o demônio que apareceu a Pitonisa com a figura de Samuel, para notificar a Saul o fim da sua vida e a transferência do reino para a casa de Davi.”

            “E o Espírito entrou em mim, depois que me falou e que me pôs em pé, e ouvi o que ele dizia.” (Ezequiel, 11,2).

            “Estando ainda na minha oração, eis que Gabriel, o varão que eu havia visto no começo da visão, voando arrebatadoramente, chegou-se me na hora do sacrifício da tarde. Tocou-me, pois, de novo, aquele que eu via como um homem e me confortou. (Daniel X, 8 a 18).

            “Então, tendo Tobias saído, achou um gentil mancebo, que estava cingido e prestes a caminhar. E, não sabendo se era um anjo de Deus, o saudou e disse: Donde és tu, guapo mancebo? E ele respondeu: Sou um dos filhos de Israel. Mas para que não fiques com cuidado, digo-te que sou Azarias, filho do grande Ananias. (Tobias, V, 5,6,7 e 18).

            Não menos comprovativa é a inscrição, traçada por mão materializada, na parede da sala de jantar durante um festim que deu o rei Baltazar. (Daniel, cap. V).

            No Novo Testamento, sobretudo nos Atos dos Apóstolos, as comunicações são referidas de modo ainda mais claro e positivo. Vejamos:

            “Este viu em visão, manifestadamente e quase à hora da noa (6ª), que o anjo de Deus se apresentava diante dele, e lhe dizia: Cornélio!

            “E Ele fixando os olhos, possuído de temor, disse: Que é isto, Senhor? Ele, porém, lhe respondeu: As tuas orações e as tuas esmolas subiram, para ficarem em lembrança na presença de Deus. Envia, pois, agora homens a Jope, e faze vir aqui a um certo Simão, que tem por sobrenome Pedro.”

            O apóstolo citado, indo fazer oração ao terraço da casa, “viu o céu aberto, e que, descendo um vaso, como uma grande toalha, suspensa pelos quatro cantos, era feito baixar do céu à terra. (Atos, X, v. 11).

            “E, considerando Pedro na visão, lhe disse o Espírito: Eis aí três homens que te procuram. Levanta-te, pois, desce e vai com eles sem duvidar, porque eu sou o que os enviei.” (Idem, v. 19 e 20)

            Quando os enviados de Cornélio chegaram à casa do apóstolo, bateram e perguntaram se ali residia “Simão que tinha por sobrenome Pedro.”

            Levantou-se Pedro e foi ter com os enviados, dizendo-lhes ser ele o procurado. (Atos, X, v. 19 a 22).

            Na confabulação entre Pedro e Cornélio, entabulada à vista de muitas testemunhas convidadas deste, perguntou aquele a que o chamara.

            “E disse Cornélio: Hoje faz quatro dias que estava orando em minha casa à hora de noa (6ª), e eis que se me pôs diante um varão vestido de branco e me disse: ‘Cornélio, a tua oração foi atendida, e as tuas esmolas foram lembradas na presença de Deus.” (Atos, X, vv. 26 a 33).

            Nas transcrições da Bíblia, que fielmente aqui estamos fazendo, notará o leitor que a palavra “espírito” está muitas vezes isolada, o que de resto acontecia na versão grega; S. Jerônimo acrescenta-lhe a de santo, e os tradutores da Vulgata fizeram - espírito santo[2].

            Paulo foi convertido por uma visão no caminho de Damasco, e depois dessa continuou a ter outras. Quando andava em missão por diferentes terras, teve a seguinte:

            “E de noite foi representada a Paulo esta visão: Achava-se ali em pé um homem macedônio que lhe rogava e dizia: “Tu, passando a Macedônia, ajuda-nos.” E assim que teve essa visão, procuramos logo partir para a Macedônia, certificados de que Deus nos chamava a irmos pregar-lhes o Evangelho. (Atos, XVI, vv. 9 e 10.)

            “E Cristo, que era o príncipe da sinagoga, creu no Senhor com todos os da sua casa: e muitos dos coríntios, ouvindo-o, criam e eram batizados.

            “Ora de noite, em visão, disse o Senhor a Paulo: Não temas, mas fala e não te cales.” (Atos, XVIII, vv. 8 e 9).

            Paulo, Barnabé e outros discípulos de Jesus, quando foram a Cesaréia, hospedaram-se em casa do ‘evangelista’ Filipe: “E tinha ele quatro filhas virgens, que profetizavam.” (Atos, XXI vv. 8 e 9).

            É sabido que Pedro foi liberto da prisão por um anjo; que Zacarias ficou mudo por não ter dado crédito ao anjo Gabriel, que lhe anunciou a gravidez de Isabel:

            “E desde agora ficarás mudo e não poderás falar até ao dia em que estas coisas sucedam, visto que não deste crédito às minhas palavras, que se hão de cumprir a seu tempo.”(Lucas, v. 20, Atos, XII, vv. 7 e 8.)

            Temos, ainda a aparição do plenipotenciário celeste Gabriel à Virgem Maria, por ocasião da anunciação do verbo de Deus; e a fuga de José para o Egito, para subtrair o menino Jesus às fúrias de Herodes (Lucas, cap. I v.26 a 46 - Mateus II v. 13 a 23); a adoração dos pastores e dos reis magos (Lucas II, v. 8 a 20, Mateus II v.1 a 12).

            Nos Atos dos Apóstolos se mencionam muitas aparições de Jesus, depois de sua morte.

            Para fechar a série de exemplos da Bíblia, dos quais apenas damos um pequeno resumo, vamos transcrever o testemunho dos três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, sobre as aparições tangíveis de Elias e Moisés a Jesus, na transfiguração do monte Tabor:

            “E seis dias depois toma Jesus consigo a Pedro, e a Tiago e a João, seu irmão, e os leva à parte, a um alto monte. E transfigurou-se diante deles. E o seu rosto ficou refulgente como o sol, e as suas vestiduras se fizeram brancas como a neve e eis que lhes apareceram Moisés e Elias falando com ele. E, começando a falar, Pedro disse a Jesus: Senhor, bom é que nós estejamos aqui: se queres, façamos aqui três tabernáculos: um para ti, outro para Moisés e outro para Elias.” (Mateus XVII v.1 a 4; Marcos IX v. 1 a 4; Lucas IX, 28 a 31).

            Parece-nos ouvir uma objeção pueril: as aparições eram para o bem. Sem dúvida; porém o Espiritismo não tem outro fito.

            No entanto, para citar apenas dois exemplos, lembraremos que, à semelhança dos apóstolos, nós condenamos o baixo Espiritismo ou Espiritismo de especulação.
            No livro dos Atos dos Apóstolos conta-se que, na cidade de Samaria, “havia, porém, um homem por nome Simão, o qual antes tinha ali exercido a magia, enganando ao povo samaritano, dizendo que ele era um grande homem; a quem todos davam ouvido, desde o menor até o maior, dizendo: Esta é a virtude de Deus, a qual se chama grande. E eles o atendiam, porque com as suas artes mágicas, por muito tempo os havia dementado.” (Atos, VIII v. 9 a 11).

            Nas pregações que João e outros apóstolos faziam, encontraram na ilha de Pafos um homem mago, falso profeta, judeu, que tinha por nome Barjesus, o qual procurava apartar da fé o pro-cônsul.

            Porém, Paulo fixando os olhos nele, disse:

            “Ó cheio de todo o engano e de toda a astúcia, filho do diabo, inimigo de toda a astúcia, tu não deixas de perverter os caminhos retos do Senhor.” (Atos, XIII vv. 5 a 11).

            É o que acontece ainda com o baixo e falso Espiritismo; e por isso nos pomos em guarda, seguindo o conselho do evangelista João: “Caríssimos, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus; porque são muitos os falsos profetas que se levantaram no mundo.” (I Epístola de S. João, cap. IV, v.1).

            Ora, todos esses fatos encontram a sua explicação científica no Espiritismo, como fenômenos naturais, embora de uma ordem supranormal, regidos, porém, por leis naturais e imutáveis.

            Produziram-se nos tempos bíblicos, repetiram-se na primitiva época apostólica e mesmo depois, e renovaram-se nos dias presentes da terceira revelação.

            As leis que os determinam, o modo como se produz essa intervenção ostensiva do mundo dos espíritos, o uso que dela se pode fazer, é o que se acha longa e brilhantemente exposto, entre outros, no Livro dos Médiuns, que temos analisado.

            Vamos agora passar à vida dos santos, interessantíssima nesse ponto de vista.


[1] Solemnia Verba, A. Herculano. Ops. vol. 3º., págs. 79 e 80.
[2]  Vide Bellemare e também Léon Denis, ‘Cristianismo e Espiritismo’, pág. 40.

30
                        Evitar o fenômeno espírita, desviar dele a atenção a que tem direito, 
é trabalhar para a bancarrota da verdade. (Vítor Hugo)

            O primeiro concílio de Colônia ordena aos pregadores que não falem imprudentemente de milagres, limitando-os aos que se refere a Bíblia, ou aos que forem narrados por escritores de peso, estribados em sólidos fundamentos históricos.

            Já o sabemos: não existem milagres; o que como tal se considerava outrora, é hoje perfeitamente explicável como fenômenos espíritas.

            No capítulo passado, em atenção aos irmãos católicos e protestantes, que têm como regra absoluta de fé a Bíblia, extratamos dela alguns fatos, que nos pareceram demonstrativos e inegáveis.

            O jesuíta Padre Schouppe, no seu curso de religião, no capítulo referente “a autoridade dos livros bíblicos” diz: “têm eles dupla autoridade: 1ª autoridade divina; 2ª autoridade humana e simplesmente histórica.”

            Encarando apenas a segunda parte, diz o autor: “Ora, as histórias de um e outro Testamento têm uma autoridade superior a qualquer outra; essa autoridade é tão certa e está tão bem provada, que é impossível pô-la em dúvida,[1] sem rejeitar-se ao mesmo tempo todo o monumento histórico, toda a autoridade histórica.”[2]

            Conseguintemente, é impossível pôr em dúvida os fatos espíritas narrados na Bíblia; a opinião não pode ser mais insuspeita. Os leitores desta série devem ser muito agradecidos, como o somos, ao jesuíta Schouppe, pelos robustos argumentos que fornece inconscientemente em defesa do Espiritismo.

            No capítulo milagres da obra do referido sacerdote, depois de defini-los, faz a defesa brilhante em favor dos fenômenos espíritas no trecho seguinte, que não resistimos ao desejo de transcrever:

            “O milagre operado em favor de uma doutrina é o selo da autoridade divina impresso nessa doutrina. E a chancela de Deus, como o selo do rei é o sinal com que ele garante a autenticidade de seus decretos.

            Uma doutrina sancionada por milagres é infalivelmente verdadeira; porque, se ela fosse falsa, seguir-se-ia daí que Deus havia impresso no erro o selo de sua autoridade e que Aquele que é a verdade suma se tinha feito o abonador da mentira, o cúmplice da impostura, o que é absurdo.

            Logo, se a revelação cristã é autorizada por milagres, ela vem de Deus, é divina, é verdadeira.”[3]

            Francamente, a obra desse padre não está merecendo ir para o Índex? O certo, porém, é que a roupeta de um filho de Inácio de Loiola não é bastante negra que impeça a transparência dos raios da verdade.

                                                                                   *

            Vamos agora ao ponto anunciado.

            Na vida dos santos, os fenômenos espíritas são inúmeros. Destaquemos alguns, da ruma de livros que temos sobre a mesa, todos aprovados e reaprovados por muitos bispos nacionais e estrangeiros, e grande parte editados pela tipografia dos padres salesianos de Niterói, que os publica subordinados ao título: “Leituras Católicas”.

            A maior parte das histórias, contudo, bem merecem o qualificativo de ‘mentiras piedosas’, e até seriam humorísticas, se às vezes não causasse pena o doce Jesus figurando como comparsa de comédias sagradas.

            Na vida de Santa Teresa, lê-se:

            “Ema dessas vezes, estando ela orando a Deus para que lhe fizesse conhecer sua vontade acerca de certas relações que ainda entretinha com pessoas do mundo e que seus confessores lhe aconselhavam que abandonasse tudo, a fim de se dedicar completamente a Deus, quando ela começava a recitar o hino Veni Creator, pelo qual pedia a inspiração do Espírito Santo, caiu num êxtase e ouviu estas palavras: “Não quero mais que converses com os homens e sim com os anjos somente.[4]”       
  
            Não sabemos como se hão de haver as nossas irmãs católicas solteiras que pretendem casar, visto ser pecado conversar com homens!

            “Outra vez, estando enlevada num desses arroubos de amor divino, a Santa viu junto a si, do lado esquerdo, um anjo com forma humana. Nas mãos trazia ele um comprido dardo, todo de ouro, exceto a ponta, que era de ferro e tinha na extremidade uma centelha de fogo. Por vezes traspassou com ele o coração da santa, que ficava deliciosamente abrasada no amor de Deus. A santa tinha então 44 anos e estava no convento da Encarnação, em Ávila, quando se deu essa visão miraculosa. Em comemoração desse insigne acontecimento, o papa Benedito XIV concedeu uma indulgência plenária a todos os fiéis que visitarem alguma igreja da ordem carmelitana na véspera e no dia da Transverberação do coração de Santa Teresa, que tem lugar em 27 de agosto.”

            Nove meses depois do enterramento dessa santa, foi o cadáver desterrado, e Frei Graciano, provincial da ordem, desarticulou a mão esquerda do cadáver, entregando-a, dentro de uma caixa, às religiosas do convento d’ Ávila, sem lhes revelar o conteúdo.

            “Pouco tempo depois a Santa, tendo aparecido à superiora do dito convento (já antes o tinha feito a diferentes pessoas), revelou-lhe o conteúdo da dita caixa.”

            A revelação da mão é de tanta importância que absolutamente não entendemos, o que não é culpa do biógrafo.

            Jesus nos perdoará, mas não podemos deixar de bordar comentários aos sucessos ridículos em que irreverentemente o intrometeram.

            Pois fizeram o maior espírito que jamais veio à Terra se entreter de jogar uma espécie de futebol com santa Rosa de Lima, denominada por um padre historiador de vida de santos, na “Notícia”, santa pan-americana:

            Eis o trecho ridículo:

            “Sucedeu enfermar com uma dor de garganta. Apareceu-lhe o Senhor com uns dados na mão, convidando-a para jogarem, com o concerto de que quem perdesse se sujeitaria à vontade do ganhador. Lançou-se o dado; caiu a sorte para Rosa; pediu que lhe tirasse a dor de garganta; e imediatamente ficou sem ela. Torna-se a repetir o jogo; ganhou Cristo, e aumentou-lhe de sorte as dores, e a obrigou que com lamentos despertasse toda a casa. Acudiu a mãe, de cujos desesperados desassossegos compadecida a Santa, lhe declarou equivocadamente dizendo que eram jogos e galantarias do Esposo: e nesta humilde relação se lhe viu o rosto com angélico e brilhante luzimento.”

            Em outro lugar de sua vida lê-se que, depois de sua morte, fez diversas aparições.

            “Ao doutor João del Castillo apareceu ornada de luzes e engraçadas flores, e com uma açucena nas mãos; e por mais de 50 vezes se repetiu a visita, revelando-lhe altíssimos mistérios. - A virtuosa viúva apareceu, dizendo-lhe: Trabalhar, trabalhar, porque o prêmio celestial é grande. A mim me correspondeu copiosamente.  A várias pessoas chamadas para deporem, e jurarem, nos informes para a canonização, no mesmo ato em que estavam depondo, lhes aparecia a Santa com risonho semblante, aprovando o que iam dizendo.

            “No mosteiro da Santíssima Trindade se achava Sóror Maria de Bustamante com algum escrúpulo do que tinha jurado na dita informação Despertou-a uma voz, e disse-lhe: Não te aflijas, nem duvides da santidade de Rosa; Rosa é Santa. - Desconfiado dos médicos, e já com vigias no último paroxismo se achava o Provincial Frei Agostinho de Veiga da nossa Ordem. Apareceu Santa Rosa a um secular, e lhe mandou fosse dizer ao moribundo que escaparia da enfermidade, e que para maior glória de Deus seria Bispo. No mesmo instante que se lhe deu o recado, começou a melhorar; e depois se verificou o bispado.”

            Em 1182 nasceu um santo popular, S. Francisco de Assis, que procurou reagir contra o esplendor da igreja, fundando uma ordem mendicante; pela proverbial pobreza dos seus frades ficou o axioma - pobreza franciscana.

            Conta-se, na sua história, “que o papa Inocêncio III, que governava a igreja em 1210, relutava em permitir o estabelecimento da ordem, até o instante em que teve em sonhos uma visão pavorosa. O magnífico templo de S. João de Latrão se lhe afigurou vindo à terra, ao mesmo tempo que um homem pobre e desprezado suportava sozinho o peso da igreja, amparando-a com os braços possantes.”

            Dessa visão nasceu a licença para o funcionamento da congregação.

            “Tendo ido Francisco, em um sábado, a Assis, afim de ali pregar no domingo, na catedral, tiveram seus irmãos, durante a noite, encantadora visão. Em um carro de fogo, encimado por um globo mais esplendente que o sol, apareceu-lhes Francisco, circunscrevendo três vezes pela casa.

            Os religiosos não ousaram duvidar um só instante de que tudo isso fora uma manifestação celeste, um penhor seguro a golfar plena luz sobre a elevada santidade de Francisco.”

            O escritor católico que apelidou Santa Rosa de santa pan-americana, e que se mostra extremado adversário do Espiritismo, a ponto de chamar os espíritas ‘malabaristas das almas’ publicou, no dia dezesseis de setembro, n’A Notícia, o seguinte:

            “S. Francisco de Assis foi o primeiro dos santos beneficiados com a dolorosa graça da impressão das chagas de Jesus. Depois de S. Francisco, um imenso batalhão, escolhido pelo Salvador, sobretudo entre o sexo frágil, tem obtido essa suprema e terrível mercê da divina vulneração. Os santos que Jesus distingue com esse favor são chamados ‘os estigmatizados’. A ciência moderna em vão tem procurado, por todos os meios, desacreditar o fenômeno místico da estigmatização, em que o sobrenatural mais evidentemente se patenteia. Até hoje, porém, Charcots e Bernheims, e os seus discípulos, hipnotizando e sugestionando histéricas, não puderam desbancar esse prodigioso fato que, na história da igreja, existe desde S. Francisco de Assis. A estigmatização deste santo operou-se, como é sabido, depois de um áspero jejum, no alto do Alverve, baixando do céu um alado serafim - ardente e crucificado que do seu lado, dos seus pés e das suas mãos desferia flechas luminosas sobre o lado, os pés e as mãos de Francisco em êxtase. Daí por diante o penitente de Assis tinha, a cruciá-lo, essas Cinco Chagas sanguinosas. A igreja consigna o fato numa comemoração especial, mencionada no dia de hoje.”

            Quando Francisco morreu, narra o seu biógrafo:

            “No mesmo dia apareceu Francisco ao irmão Agostinho de sua Ordem, que se achava gravemente enfermo, bem como ao bispo de Assis, que fora em peregrinação ao Monte São Miguel, dizendo-lhes: - Deixo a terra e vou para o céu!”

            O leitor vai nos agradecer agora o trecho sublime que passamos a transcrever; é uma ‘mentira piedosa’, é certo, porém o estilo é simplesmente um primor; é do mais doce dos clássicos: Manoel Bernardes. Ouvi”

            “Estando um monge em matinas com outros religiosos do seu Mosteiro, quando chegaram aquilo do Salmo, onde se diz: Mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem, que já passou, admirou-se grandemente, e começou a imaginar como aquilo podia ser.

            Acabadas as matinas, ficou em oração, como tinha de costume: e pediu afetuosamente a nosso Senhor se servisse de lhe dar inteligência daquele verso. Apareceu-lhe, ali, no coro, um passarinho que, cantando suavissimamente, andava diante dele, dando voltas de uma para outra parte, e deste modo o foi levando pouco a pouco até um bosque, que estava junto do Mosteiro, e ali fez seu assento sobre uma arvore e o servo de Deus se pôs debaixo dela a ouvir. Dali a um breve intervalo (conforme o monge julgava) tomou o voo e desapareceu, com grande mágoa do servo de Deus, o qual dizia muito sentido: “Ó passarinho da minha alma, para onde te foste tão depressa”?

            Esperou. Como viu que não tornara, recolheu-se para o Mosteiro, parecendo-lhe que naquela mesma madrugada, depois das matinas, tinha saído dele. Chegando ao Convento, achou tapada a porta, que de antes costumava servir, e aberta outra de novo em outra parte. Perguntou-lhe o porteiro quem era e a quem buscava.

            Respondeu-lhe: “Sou o sacristão, que poucas horas saí de casa, e que agora torno, e tudo acho mudado.”

            Perguntado também pelos nomes do abade e do prior e procurador, ele os nomeou, admirando-se muito de que o não deixasse entrar no Convento, e de que mostrava não se lembrar daqueles nomes. Disse-lhe que o levasse ao Abade; e posto em sua presença não se reconheceram um ao outro; nem o bom monge sabia que dissesse ou fizesse mais que estar confuso e maravilhado. O abade então iluminado por Deus mandou vir os Anais e Histórias da Ordem, onde buscando e achando os nomes, que o monge apontava, se viu a averiguar com toda a clareza que eram passados mais de trezentos anos desde que o monge saíra do Mosteiro até que tornara para ele. Então este contou o que lhe havia sucedido como a irmão seu do mesmo hábito. E ele, considerando na grandeza dos bens eternos, e louvando a Deus por tão grande maravilha, pediu os sacramentos, e brevemente passou desta vida com grande paz no Senhor.[5]

            Este, porém, não é o caso de aparição, é certo: por delicioso entendemos encaixa-lo aqui, como ponte que separe os fatos das vidas dos santos, narradas neste, e os outros interessantes que se vão seguir no próximo número.


[1]  O grifo é do autor.
[2]  Vide obra citada, págs 32.
[3]  Obra citada, págs. 30.
[4] A frase foi aspeada pelo próprio autor da obra citada.
[5]  P. Manoel Bernardes, Pão Partido em pequeninos, págs. 7 a 9.

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                               Quando começou o primeiro império, então começou também a idolatria, digno castigo do céu; que, pois, os homens se fizeram adorar, Chegassem os mesmos a adorar paus e pedras. (Padre Antônio Vieira, Sermões Seletos, págs. 139)

            As grandes riquezas que possuem os conventos desta cidade são devidas às doações feitas em artigo de morte pelos beatos, com a condição de se lhes rezarem missas pelas almas.

            O concílio de Trento, na sessão XXV, sobre o decreto do purgatório diz o seguinte:

            “Instruída pelo Espírito Santo a igreja católica, conforme as sagradas letras e antiga tradição dos Santos Padres, sempre ensinou haver Purgatório e as almas ali detidas serem aliviadas e ajudadas com os sufrágios dos fiéis e, principalmente com o gratíssimo Sacrifício do Altar; por isso manda o Santo Concílio aos Bispos que procurem com diligência que a sã doutrina do Purgatório seja abraçada pelos fiéis de Cristo, e em toda parte seguida, ensinada, pregada... e cuidem os Bispos que os sufrágios dos fiéis vivos, a saber missas, orações, esmolas e outras obras de piedade, que costumam fazer pelos fiéis defuntos, se façam pia e devotamente segundo as regras da igreja; e que tudo quanto se deve aos ditos defuntos pelas fundações dos testadores, ou por outro princípio, lhes seja pago com cuidado e diligências pelos Sacerdotes, Ministros de Estado, e outros que têm obrigação de assim o executar.”

            Tem a igreja o cuidado de esclarecer os fiéis, ensinando: as missas são oferecidas em forma de sufrágio, isto é, Deus, se assim for sua vontade, aplicará a missa em socorro daquele em cuja intenção é celebrada; se não se tem certeza de livrar a alma do purgatório com a missa, deve-se mandar celebrar o maior número possível, tanto mais que sempre aproveita um pouco a alma a quem é destinada!

            Em atenção aos desfavorecidos da fortuna, e movidos de santo zelo, os padres lazaristas fundaram a Archiconfraria da Santíssima Trindade, para aliviar as almas, mediante espórtulas fornecidas pelos fiéis para a celebração de missas.

            Depois de enumerar os milagres que serviram para o estabelecimento da sociedade, mostram a modicidade dos preços com que se obtém graças e alívio para as almas do purgatório.

            Cada associado deve pagar três francos, preço de três missas em França; porém para o Brasil resolveu o conselho administrativo de Paris, sob a presidência do geral dos lazaristas, que aqui se pagaria dois mil réis anuais, ou uma ‘fundação perpétua’, pagando cem francos, ou quarenta mil réis, se se não quiser, ‘uma fundação’ de cinquenta francos, ou vinte mil réis.

            Deixamos de mencionar as vantagens e graças especiais concedidas pela ‘munificência’ pontifícia, e remetemos o leitor, para mais amplos esclarecimentos, ao livro “Manual ou Tesouro da Guarda de Honra do Coração de Jesus”, livro aprovado por bispos do Brasil e do estrangeiro, e que é inseparável do batismo feminino.

            Ferida a sensibilidade humana com a ideia de acudir aos entes caros que se foram, desenvolveu-se em larga escala a exploração, forjicando-se casos de aparições ridículas, a ponto de indignar muitas vezes os homens sérios da igreja, e entre eles o ‘venerável frei Caetano Brandão, ilustre prelado que pretendia reformar o breviário e missal bracharenses por causa das suas intoleráveis patranhas e falsidades[1].   

                                                                                  *

            Aparecendo à madre Francisca do Santíssimo Sacramento, uma alma saída do purgatório lhe disse:

            “Mais é entre nós um só instante de sofrer, que padecer entre vós até o fim do mundo.”

            S. Vicente Ferrer, S. Leonardo e outros santos são de opinião que por um só pecado venial se padece um ano no purgatório.

            Não resistimos ao desejo de transcrever trechos ‘edificantes’.

            S. Leonardo conta em o seu sermão XXIII o seguinte caso:

            “Aparecendo a alma do papa Inocêncio III  a Santa Lutgarda, pedindo-lhe piedoso auxílio, lhe disse que Deus, por sua misericórdia, o tinha condenado ao Purgatório até o dia do Juízo Universal... mas que alcançara licença para lhe pedir comunhões, indulgências, esmolas e penitências, a fim de lhe ser abreviada tão longa expiação!... O que deve mais assombrar neste caso é que era este papa mui zeloso da igreja, vigilante no seu governo e fervoroso na fé; e, no conceito do grande Bellarmino, este pontífice viveu santamente e não cometeu advertidamente culpa grave!”

            Temos outros casos:

            “A venerável madre Francisca do Sacramento, carmelita de Pampelona, suscitada por Deus para fazer de toda sua vida um sacrifício perpétuo a favor das almas do Purgatório, estava com elas em contínua comunicação: frequentavam sua cela dia e noite, ouvia-lhes os gemidos, sofria por elas, e pasmada ficara por ver e ouvir muitas almas santas que lhe contaram os muitos anos de Purgatório  em que haviam sido sentenciadas por culpas em aparência leves ou por falta de penitência de culpas graves perdoadas, pelas quais satisfaziam no Purgatório.

            Um santo bispo lhe disse que havia 59 anos estava padecendo no Purgatório por algum descuido no desempenho das suas sublimes funções!... (ver o Padre William Faber - Purgatório.)

            Há 60 anos que eu sofro no Purgatório lhe disse a alma de um fidalgo, e por coisas de que se não faz caso no mundo, como banquetes, danças e outros divertimentos profanos!...”

            “64 anos eu já padeci, lhe disse outro defunto, pela inclinação que tive em jogar. Rogai a minha família que me socorra com missas!”

            “A alma de outro lhe disse havia 80 anos que padecia no Purgatório, e ainda não sabia o que lhe faltava, e isto apesar de muita penitência que tinha feito três meses antes de morrer, e das muitas lágrimas que tinha derramado pelas culpas que lhe haviam sido perdoadas!”

            “A alma de um sacerdote lhe disse que tinha sido sentenciada a 45 anos de desterro naquela região de dores, por algumas leviandade no cumprir seu santo ministério.”

            “A alma de outro foi condenada a 50 anos de Purgatório, por não ter acudido com presteza, levando os últimos sacramentos a uma enferma, que morreu sem os receber!”

            “Enfim, refere a mesma venerável carmelita que às vezes caía em desmaio e perdia os sentidos, por ver e ouvir as almas de algumas religiosas[2] da sua ordem, que haviam sido fervorosas e santas nesta vida, e que lhe diziam serem sentenciadas a 20, 30 e 60 anos de Purgatório!...” (Vide Padre Faber, Purgatório.)

            Agora, ouvi o comentário que de tais fatos faz o pio autor do manual citado:

            “Ó meu Deus, o que será de todos nós!... o que será das almas dos nossos pais, parentes, amigos, de todos os que nos são caros!

            Não demoremos nos sufrágios e orações com que os podemos aliviar, e não cessemos de aplicar-lhes Missas e comunhões, porque não sabemos de que Missa e de que comunhão Deus lhes há de aplicar a virtude que lhes dará entrada no Céu.”

            Santa Teresa conta que, na cidade de Valadolid, o fidalgo D. Bernardino de Mendonça, que lhe doara uma casa, jardim e vinha para fundar um convento, falecera sem que ela soubesse, e nessa ignorância viveria, se Jesus não lhe aparecera, dizendo-lhe que a sua misericórdia se estendera sobre o fidalgo, por causa dos dons que havia feito para fundar-se um convento de sua mãe santíssima, e que a alma penaria no purgatório até o dia em que fosse celebrada na capela do convento a primeira missa.[3]

            Diz S. João Crisóstomo que os anjos não somente assistem ao sacrifício da missa, senão que no fim acodem voando às portas do Purgatório a libertar as almas, as quais Deus aplica a virtude do sacrifício que se acaba de celebrar.

            “Refere o venerável Beda que depois duma batalha, celebrando-se o sacrifício da missa pelas almas de alguns soldados que se julgava terem morrido no campo da batalha, e que se achavam presos e acorrentados, no dia e na hora em que dizia-se missa por eles quebraram-se de repente as correntes de ferro, e os presos acharam-se em liberdade, e voltaram à sua querida pátria! Bela imagem da eficácia do sacrossanto Sacrifício da missa a favor das almas do Purgatório, que pela virtude do sangue preciosíssimo de Jesus alcançam a liberdade de voarem para sua Pátria celestial.”

            Fechemos esta já longa relação de exemplos com o fato seguinte:

            “S. Bernardo no-lo declara com o exemplo da irmã de S. Malaquias, bispo de Irlanda. Este santo prelado, depois da morte de sua irmã, ofereceu por ela a Deus o Sacrifício da missa muitos dias seguidos, depois dos quais aplicou suas missas por outras intenções: apareceu-lhe então a alma da irmã, triste, abatida, e queixou-se dizendo-lhe: “Já são trinta dias que sou privada do alívio que recebia, e do pão celestial que cada dia me davas!” Reconhecendo o santo que naqueles dias havia deixado de dizer a missa por ela, reparou seu descuido, ofereceu de novo o Sacrifício pela de sua irmã e teve a felicidade de tira-la dos abismos da expiação e de vê-la subir gloriosa ao céu.”

*

            Embora o leitor muitas vezes tenha sorrido durante a leitura deste capítulo, sem dúvida também terá tido momentos em que sua alma se encheu de tristeza e dor, por ver que existem homens que se servem do seu prestígio para atrofiarem o cérebro de criaturas fanáticas, que muitas vezes têm perdido a razão na fantasmagoria dos fogos infernais.

            Eça de Queiroz traçou uma página magistral, em que aparece a figura doce de um padre simples e bom, o abade Ferrão, que se entristece vendo a complicação doentia de um alma de beata da cidade.

            Vamos transcrever a página soberba da confissão da carola ao bom padre Ferrão:

            “Logo na primeira noite em que chegara a Ricoça (contava ela), ao começar o rosário a Nossa Senhora, lembrara-lhe de repente que lhe esquecera o saiote de flanela escarlate, que era tão eficaz nas dores das penas...

            Trinta e oito vezes de seguida recomeçara o rosário, e sempre o saiote escarlate se interpunha entre ela e Nossa Senhora!...

            Então desistira, exausta, esfalfada.

            E imediatamente sentira dores vivas nas pernas, e tivera como uma voz de dentro a dizer-lhe que era Nossa Senhora, por vingança, a espetar-lhe alfinetes nas pernas...

            O abade pulou:

            - Oh! minha senhora!...

            - Ai, não é tudo, senhor abade!...

            Havia outro pecado que a torturava: quando rezava, às vezes, sentia a expectoração e, tendo ainda o nome de Deus ou da Virgem na boca, tinha de escarrar; ultimamente engolia o escarro, mas estivera pensando que o nome de Deus ou da Virgem lhe descia de embrulhada para o estômago e se ia misturar com as fezes. Que havia de fazer?

            O abade, de olhar esgazeado, limpava o suor da testa.

            Mas isso não era o pior; o grave era que na noite antecedente estou toda sossegada, toda em virtude, a rezar a S. Francisco Xavier - e de repente, nem ela soube como, pôs-se a pensar como seria S. Francisco Xavier...[4]

            O bom Ferrão não se moveu, atordoado.

            Enfim, vendo-a a olhar ansiosa para ele, à espera das suas palavras e dos seus conselhos, disse:
            - E há muito que sente esses terrores, essas dúvidas?..

            - Sempre, Senhor Abade, sempre!

            - E tem convivido com pessoas que, como a senhora, são sujeitas a essas inquietações?

            - Todas as pessoas que eu conheço. Dúzias de amigas, todo o mundo. O inimigo não me escolheu só a mim... A todos se atira...

            E que remédio dava a essas ansiedades da alma?...

            - Ai, Senhor Abade, aqueles santos da cidade, o senhor pároco, o senhor Silvério, o Sr. Guedes, todos, todos nos tiravam sempre de embaraços...

            “E com uma habilidade, com uma virtude...

            O abade Ferrão ficou calado um momento: sentia-se triste, pensando que por todo o reino tantos centenares de sacerdotes trazem voluntariamente o rebanho naquelas trevas da alma, mantendo o mundo dos fiéis num terror abjeto do céu, representando Deus e seus santos com uma corte que não é menos corrompida nem melhor que a de Calígula e dos seus libertos.

            Quis então levar àquele noturno cérebro de devota, povoado de fantasmagorias, uma luz mais alta e mais larga. Disse-lhe que todas as suas inquietações vinham da imaginação torturada pelo terror de ofender a Deus... Que o Senhor não era um amo feroz e furioso, mas um pai indulgente e amigo... Que é por amor que é necessário servi-lo e não por medo... Que todos esses escrúpulos, Nossa Senhora a enterrar alfinetes, o nome de Deus a cair no estômago, eram perturbações da razão doente. Aconselhou-lhe confiança em Deus, bom regime para ganhar forças.[5]

            Sabemos que há no clero muitos abades Ferrão, que se vexam com “as mentiras piedosas” mas a quem o preconceito do fanatismo não permite publicamente atacar o erro e desmascarar a hipocrisia.

            Pobres padres! Maior que o preconceito do farisaísmo, tendes a aguardar a justiça de Deus.


[1] A. Herculano, Opsc.3º., págs 6.
[2] Freiras
[3]  Vide Obra Citada, págs. 419 e 420.
[4] Suprimimos, por irreverente, o resto da frase.
[5]  O Crime do Padre Amaro, págs. 586 a 588.
32
                Todo esse aparato que impressiona os sentidos e toca o coração, todas essas manifestações da arte, a pompa do ritual romano e o esplendor das cerimônias, não são como um brilhante véu que oculta a pobreza da ideia e a insuficiência do ensino?
            Não foi o sentimento da sua impotência para satisfazer as elevadas faculdades da alma, a inteligência, o julgamento e a razão, o que impeliu a igreja para o caminho das manifestações exteriores e materiais? (Léon Denis, ‘Cristianismo e Espiritismo’,. Introdução, págs. VII e VIII.)
             
                Em abril de 1864 publicou o nosso mestre a Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo, contendo as explicações das máximas morais do Cristo, sua aplicação e concordância com o Espiritismo. O título dessa obra foi modificado, e é hoje O Evangelho segundo o Espiritismo.

            “Os atos comuns da vida de Cristo - diz ele - os milagres, as predições, as palavras que serviram para estabelecer os dogmas da igreja e o ensino moral, são as cinco partes em que se divide o Evangelho; a última te permanecido inatacável, ao passo que as quatro primeiras têm dado lugar a controvérsias, suscitadas por questões dogmáticas.”

            Só da última parte fez o mestre objeto da sua obra, de modo a todos poderem encontrar nela os meios de conformar a sua conduta com a moral do Cristo.

            Dividiu os versículos evangélicos por diversos capítulos, adicionando-lhes as explicações dadas pelos espíritos em diversas partes do mundo, o que constitui a chave para os pontos aparentemente ininteligíveis e irracionais, por faltar-lhes os meios da verdadeira compreensão.

            “A garantia única, eficaz, do ensino dos Espíritos está na concordância que existe nas revelações feitas espontaneamente, por intermédio de grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, em diversos países.”

            Dá o mestre a explicação de certo termos frequentemente empregados nos Evangelhos, e que muito elucidam alguns trechos.

            Samaritanos, os dissidentes do judaísmo: formaram uma igreja à parte em Samaria, para não irem anualmente, como era de preceito, ao templo de Jerusalém.

            “Admitiam somente o Pentateuco contendo as leis de Moisés, e rejeitavam todos os livros que ali foram anexados. Eram os protestantes da época.”

            Nazarenos, faziam voto perpétuo ou temporário de castidade; abstinham-se de bebidas alcoólicas e conservavam as cabeleiras. “Sansão, Samuel e João Batista eram nazarenos.”

            Publicanos eram os cobradores de impostos do governo romano; os judeus consideravam o imposto contrário à sua religião: organizaram um partido de resistência, chefiado por Gaulanita, para recusar o imposto.

            Portageiros eram cobradores de classe inferior, porém incluídos no ódio comum aos publicanos.

            Fariseus (parasck, separação, divisão). Nas disputas sobre as interpretações das escrituras, sempre se extremaram, tinham horror às inovações e eram observadores servis das práticas exteriores.

            Afetavam severidade dos costumes, devoção meticulosa, porém eram cheios  de orgulho e desejosos de dominar. Esta seita dissidente do judaísmo remonta aos anos de 180 a 200 a. C..

            Escribas, explicavam a lei de Moisés ao povo, e faziam causa comum com os fariseus.

            Sinagoga - Casas de culto onde os judeus se reuniam aos sábados, para orar e estudar as escrituras. Todos podiam tomar parte do estudo; razão pela qual Jesus, que não era sacerdote, nelas ensinava algumas vezes.

            O templo de Jerusalém, que não mais existe, era reservado às grandes solenidades.

            Saduceus, seita formada no ano 248 a.C., só acreditavam em Deus e nas recompensas temporais, como prêmios da Providência: só admitiam o texto da lei antiga, sem interpretações nem tradições.

            Essenienses ou Essênios, viviam em comunidade religiosa, habitando casas semelhantes a mosteiros. Viviam em celibato, abstinham-se de tomar parte nas disputas religiosas e cultivavam as virtudes; seu viver era semelhante ao dos cristãos.

            Esta seita foi fundada no ano 150 a.C..

            Terapeutas, tinham um viver semelhante ao dos essênios; eram contemporâneos do Cristo. Eusébio de Cesaréia e S. Jerônimo os consideravam cristãos.

                                                                         *

            Para mostrar que as grandes ideias têm sempre precursores, o mestre passa a resumir as doutrinas de Sócrates e Platão, vítimas da intolerância religiosa, mostrando sua concordância com os princípios do Cristianismo.

            Em seguida expõe: Jesus não veio destruir a lei, e sim dar-lhe cumprimento.

            A lei divina, dada a Moisés no monte Sinai, está compendiada no decálogo: - os dez mandamentos da lei de Deus, como vulgarmente se diz.

            Aditou o legislador hebreu muitas leis disciplinares àquela lei básica, atribuindo-lhes origem divina, como meio de dominar, pelo terror religioso, um povo turbulento, brutal e ignorante, incapaz de compreender a elevação do amor de Deus.

            Tendo progredido o espírito humano, e chegado o tempo anunciado pelos profetas, veio Jesus dar cumprimento às profecias e à lei divina, imprimindo-lhe o verdadeiro sentido moral, e mostrar que ela se resume em “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.”

            Quanto à lei moisaica, propriamente dita, modificou-a no fundo e na forma, combatendo sem tréguas a religiosidade aparente, isto é, as práticas exteriores.

            De tudo deixou o Divino Mestre gérmens de verdade dando somente à humanidade o que era compatível com o seu estado moral e intelectual e reservando o complemento do seu ensino para a época da 3ª Revelação prometida, que é o Espiritismo.

            A 3ª revelação é uma ciência moral e experimental, que vem dar cumprimento à lei cristã, já despida das alegorias e parábolas, explicando-a em seu sentido profundo, como o Cristo o anunciara.

            Até agora têm vivido em luta aberta a ciência e a religião, pelos pontos de vista exclusivistas em que ambas se têm colocado.

            O bisturi da ciência tem retalhado de tal modo as entranhas do dogma, que dele nada mais resta que um simulacro, ou melhor, uma ruína do atraso religioso.

            O Espiritismo é a ponte que une a ciência e a religião, porque à filosofia racional e à moral cristã que prega, junta a esmagadora prova experimental.

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