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segunda-feira, 25 de março de 2013

25. 'Fenômenos de Materialização'




25

Fenômenos de Materialização
por     Manoel Quintão
 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
 1942



            O Brasil ocupa vasta extensão de território, equivalente a pouco menos de metade da América do Sul, e confina com todas as nações políticas que constituem o continente, exceto o Chile.

            Dizemos nações políticas porque, na verdade, adotado o critério etnográfico, todas essas nações ainda hoje se confundem em suas origens e desdobramentos.

            Iberos e Lusos, neolatinos ambos, os dominadores se mesclaram mais ou menos ao aborígene aqui encontrado, e cujos ancestrais, por sua vez, não prescindem de uma genealogia comum.

            No Brasil, entretanto, como em a Norte-América, outro fator se imiscuiu cedo bastante para caldeamento da nova raça, com a diferença que lá, nos Estados Unidos, o negro se insulou, extremado de cruzamento, enquanto aqui, estimulado pela índole do colonizador, prolificou e preponderou mesmo, ao Norte, em Estados como Bahia e Maranhão.

            Com a bravura e o espírito de liberdade do índio; com a resistência pacífica e a amorosidade do negro; com o espírito de aventura e cavalheirismo do luso, como que se acentuaram e apuraram os característicos do crioulo para receber e assimilar o influxo da civilização europeia.

            Quando assinalamos estes valores étnicos em escorço desta natureza, é claro que não pretendemos subordina-los a influências biológicas quaisquer, pois que o sangue, para nós, é um fluido orgânico especificamente idêntico em todo o ser humano.

            Queremos, sim, e devemos condiciona-los ao ascendente psicológico, ou seja ao contato dos Espíritos em reencarnações iterativas, criando interesses e laços de afinidade intelectual e moral, na formação de uma Pátria comum, com finalidades definidas na evolução da humanidade.

            Assim, do africano a superstição, do índio a exaltação e o ardor votivo, e do luso o misticismo poético se fundiram, para nos dar uma religiosidade pacífica, temperada de suave racionalismo e extreme das violências e demasias que ensanguentaram, quanto denegriram, a evolução religiosa do velho continente. 

            É um fato que, à parte ocorrências isoladas, acidentes mais políticos que religiosos, as lutas sectaristas, a Inquisição, não tiveram eco aquém mar.

            Dir-se-ia que ao sol dos trópicos, em reflorir de seivas, ao contato de uma natureza virgem, quão magnífica, os corações se destravavam, os Espíritos se abrolhavam, as gentes se acomodavam à comunhão de um Novo Ideal também novo como o cenário que se lhes rasgava aos olhos e maravilhoso dessas mesmas maravilhas.

            Duas citas ilustrativas bastam a sancionar o asserto: - Nassau, em Pernambuco, luterano confesso, não consta tenha hostilizado o culto católico e, no Império, por oficial o Catolicismo nenhuma religião, aliás permitida, embora com restrições, sofreu violências.

            Se tais restrições, aliadas ao bafejo oficial, não facultavam a esses credos maior desenvolvimento, não iam, contudo, ao ponto de lhes cercear o proselitismo e estancar as fontes de uma propaganda discreta, que haveria de avolumar e produzir frutos oportunos, como sucedeu com o Protestantismo e com a nossa própria doutrina.

            Proclamada a Republica com surpresa e espanto da maioria da Nação (bestificada, na frase de Aristides Lobo (1), estatuída oficialmente a liberdade de cultos, a "Revelação Espirita", estudada e praticada, até então, de modo por assim dizer "fragmentário e dispersivo, quão platônico, entrou a corporificar-se, havendo por centro de irradiação natural o Rio de Janeiro, a capital do país, o" seu maior e mais importante núcleo de população e intelectualidade.

            (1) Ainda há quem insista no afirmar que Deodoro, ao marchar para a Praça d'Aclamação, não tinha em mente derrubar a Monarquia, mas apenas destruir o ministério Ouro Preto, como consequência da chamada questão militar. Esse seu desígnio fora, porém, anulado in loco e de chofre. E por que não ver nesse incidente uma prova da influência, dos Espíritos, quando ela está por toda a parte?

            Os médiuns curadores, mais que quaisquer outros, repontaram a flux em todas as camadas sociais, á proporção que as obras espíritas se vulgarizavam por todo o país, de Norte a Sul.
           
            Qual o primeiro caso de cura mediúnica? Ignoramo-lo . 

            Sabemos, entretanto, que eles se realizaram por milhares e de tal quilate que aliciaram adeptos na própria classe médica, adeptos do estofo de Marx, Dias da Cruz, Bezerra de Menezes, Maia Barreto, Fernando de Alencar, Pinheiro Guedes, para só falar dos desencarnados .

            Mas, por que essa feição singular, que não teve e não tem paralelo na história espiritista de outro povo?

            A nosso ver; porque a índole, a alma coletiva da nossa gente, a sua formação, o seu determinismo histórico, as circunstancias mesológicas, territoriais, econômicas e morais assim o permitiram, providencial que não fortuitamente.

            É um prisma doutrinário superior, que nenhuma escola clássica poderia consultar e que, mesmo para a generalidade do proselitismo, demanda amplitude de horizontes visuais e muita coordenação de raciocínio, conhecimentos históricos e filosóficos, senso comparativo e alta intuição teleológica.

            A índole brasileira, a própria história do país definem-na como a mais pacífica do mundo.

            Conquistas de ordem moral e politica, tais como a Independência, a igualdade civil (abolição da escravatura), a República, a separação da Igreja e do Estado, a delimitação de fronteiras, tudo se há conseguido, pode dizer-se, sem efusão de sangue.

            Essa indiferença, essa desambição, a miúde julgadas um mal, um sintoma de frouxidão do caráter nacional, é antes, para nós outros, um signo benéfico, um timbre de superioridade moral - antevisão específica, inconsciente embora, da evolução espiritual, prenúncio de confiança, em suma, no potencial divino, em trânsito acelerado para a fraternidade universal.

            Se o Cristo disse - que um fio de cabelo não cairia sem que o Pai quisesse, não devemos daí iludir a lei de trabalho e esforço, que nos compete individual e coletivamente realizar, para enriquecimento do patrimônio de progresso planetário; mas, do esforço e do trabalho inteligente e pacífico à violência, aos surtos da força, às explosões do egoísmo, em detrimento da moral universal e da razão divina, vai todo um abismo, que só pode ser coberto pela lei de Amor.

            Indivíduos, classes de indivíduos e nações, ainda não experimentaram até que ponto a humildade deixa de ser covardia, porque uns e outras, tarados de orgulho - fermento que leveda toda a massa - não se precatam da existência das correntes espirituais que conduzem a humanidade.

            Ora, de um nateiro de Espíritos assim distribuídos e conjugados, o pendor latente e pronunciado por mil feitos esparsos é o da beneficência mútua e, como a desproporção da massa inculta e boa é enorme; como a dispersão dessa massa é também um fato e mais: como essa população numerosa vive em rincões remotos, isolada e pobre, dada a dificuldade de comunicações, era natural que os médicos do espaço aí acorressem e, ao mesmo tempo que curassem corpos, suscitassem a cura dos Espíritos.

            Quem perlustra o interior do nosso país e o conhece na singeleza simplesmente encantadora dos seus hábitos e costumes, sabe que o Brasileiro ainda não contaminado da gafeira do modernismo teórico e dissolvente, é um espiritista inconsciente, seja um cristão inato.

            Ele pode, na verdade, ouvir a sua missa na igrejola rústica do povoado próximo, mas sabe como ninguém de histórias de almas do outro mundo e as conta com a convicção de verdadeiro crente.

            E, se nos centros civilizados o médium prescreve homeopatia, lá, por esses sertões a dentro, é a flora opulenta o reservatório em que os Espíritos buscam remédio para todas as enfermidades.

            Poderá ele, o ingênuo, o mísero instrumento da Providencia, não saber ler; poderá não conhecer, de oitiva sequer, a Doutrina dos Espíritos, mas o que ele não ignora é que há almas boas e almas ruins, pelo que também possui orações para atrair umas e afugentar outras.

            Com mais um pouco, se um dia cai num centro espirita, magnífico de intuição, é de vê-lo adepto integrado naquela "zona lúcida" de que nos fala o ilustre Dr. Paul Gibier (1).

            (1) Analyse des choses.

            Autóctone, remanescente de velhas migrações orientais, ádvena da África ou forasteiro da Europa, mais recente, que importa?

            Ele saturou o seu Espirito no "ambiente espiritual" desta terra de Santa Cruz - é um filho
de Deus que busca o aprisco do Pastor, sob as vistas de Ismael.




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