02/03 Melquisedec e Jesus
Zêus
Wantuil
Apêndice sob título ‘Docetismo’
in
“Elos Doutrinários” (FEB) 3ª Ed 1978
Caráter figurativo - O Livro dos Salmos - 110:4 ou 109:4,
segundo alguns tradutores, referindo-se ao Messias futuro, diz: “Tu és
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec.”, frase que nos conduz de
imediato, sem alternativa, à exclusão de toda e qualquer outra espécie de
sacerdócio, inclusive, por conseguinte, o sacerdócio judaico, à maneira de
Aarão.
Os homens, na sua vaidade e
pretensão, almejam também o título de messias. Talvez por isso é que, até os
dias de hoje, no ritual da ordenação dos sacerdotes da Igreja, o bispo católico
declara: “Tu és sacerdote in aeternum,
secundum ordinem Melchisedec.”
O Apóstolo dos Gentios, na Epístola
aos Hebreus - 5:6 e 10; 6 :20, transcreveu as palavras de David e expôs largamente
no capítulo sétimo, dessa mesma epístola, a semelhança entre Jesus e
Melquisedec.
Desejando positivar, ante os olhos
dos judeus, a autoridade e superioridade da pessoa e da missão de Jesus, o
inspirado apóstolo de Tarso aproveitou aquela personagem misteriosa, talvez
pelas seguintes razões: a) em vista
da dupla dignidade de Melquisedec, como sacerdote de Deus e como rei; b) pela aplicação do seu próprio nome: “rei
de justiça” e do nome da cidade sobre a qual reinou, intitulando-se “rei de
Salem”, isto é, “rei de paz”, aproximando-se, destarte, da revelação
transmitida ao profeta Zacarias, concernente a Jesus: “Eis vem a ti o teu rei. Ele é justo e traz a salvação.” “Ele anunciará a paz às nações.” Dizendo ser
Melquisedec “sem pai, nem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem
fim de vida, permanecendo sacerdote para sempre”, anunciou-o Paulo, por
conseguinte, “semelhante ao Filho de Deus”.
A seguir, o apóstolo assinala que o
superior que abençoa é quem recebe o dízimo do seu inferior. Ora, Melquisedec
abençoou, a Abraão, bem como todos os sacerdotes levíticos descendentes do
patriarca, inclusive o próprio Levi, os quais, indiretamente, pagaram dízimos a
Melquisedec na pessoa de Abraão. (Hebr., 7:4 a l0).
Era imperfeito e incompleto o
sacerdócio levítico e igualmente a lei moisaica, salvaguarda do mesmo, que apenas
estabelecera as bases da Lei divina. O tempo, diante da evolução alcançada pelo
homem, exigia uma “melhor esperança”, que foi trazida por Jesus-Cristo, sumo-sacerdote
perpétuo e incorruptível, “não feito segundo a lei do mandamento carnal”, não
mais da estirpe de Aarão, mas de um sacerdócio superior ao deste último, isto
é, da ordem de Melquisedec, conforme revelação pré-anunciada pelos Salmos de
David (Hebr., 7:11 a 24).
O versículo três do capítulo em
foco, esclarecem-no os autores católicos, e de maneira inteligente, dizendo que
chamando Paulo a Melquisedec – “sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo
princípio de dias nem fim de vida”, quis relacionar estas palavras não
propriamente à personalidade de Melquisedec, em si mesma, mas querendo com isto
significar que a Escritura intencionalmente lhe não menciona o pai, a mãe, a
genealogia, nem nascimento, nem morte, para que deste silêncio das Escrituras
resultasse Melquisedec mais semelhante a Jesus, a quem prefigurava.
A Enciclopédia de Migne explica que
o dizer - o rei-sacerdote de Salem não teve princípio nem fim de vida - com
esta referência se quis fazer entender que ele não tivera limites marcados nas
funções do seu sacerdócio, não possuindo predecessores nem antecessores, podendo-se
daí inferir que ele não havia tido nem princípio nem fim de sua vida
sacerdotal, prefigurando-se, já antecipadamente, a eternidade do sacerdócio de
Jesus.
A primeira elucidação acima exposta
se nos apresenta incompleta sob uma análise minuciosa, pois surge-nos de
imediato a interrogação: Quererá o autor afirmar que Jesus apareceu e
desapareceu do mundo com aqueles quesitos do versículo?
Analisemos as razões judiciosas
dessa pergunta que encerra em si, ocultamente, inúmeras outras interrogações.
Vamos dizer que essa revelação
paulina se relacione à origem espiritual de Jesus no seio imperscrutável do Criador.
Ora, se assim fosse, estaríamos diante de uma revelação sem razão de ser, pois
todos os seres igualmente saíram do Criador e eternamente viverão.
Os espíritas também não podemos
compreender e aceitar o Cristo como parte de uma Trindade Divina, igual a Deus,
visto que, baseados nas palavras do mesmo Jesus, conservamo-nos monoteístas, só
admitindo, por conseguinte, um único Deus, sempiterno e incriado.
Prossigamos: Segundo os católicos, o Cristo teve um nascimento
sobrenatural, sofrendo, ao fim de sua missão, a morte real consequente à
crucificação. Somente três dias após o sepultamento ressuscitou, no mesmo corpo
de carne, indo com este envoltório para as altas regiões celestes. Baseados
nesse modo de entender, poderiam afirmar que o Mestre não nasceu nem morreu.
Esta exposição católica, diante das
leis naturais a que todos os seres e coisas forçosamente devem obedecer, peca
por sua incoerência, irracionalidade e visível infantilidade. É até degradante,
mesquinho e misérrimo aos nossos olhos, pensar-se que o Unigênito do Pai se
dirigiu aos altos páramos celestiais num corpo de carne pútrida. Graças, porém,
às revelações do Espírito Santo, através do Consolador prometido que já vive
entre os homens, estamos elucidados de maneira satisfatória quanto a esse fato
da vida do Cristo.
Jesus, aos olhos da quase totalidade
dos cristãos, nasceu da virgem Maria, obedecendo sua formação a todo o processo
normal da evolução intrauterina, iniciada de maneira desconhecida, anormal,
milagrosa. Houve, destarte, para os teólogos, um verdadeiro nascimento humano.
Agora, se admitirmos concepção,
evolução fetal e parto aparentes, sem afetar a pessoa de Maria, já não poderemos
dizer que houve nascimento real.
Tomemos nesse ponto a segunda
proposição em estudo, isto é, a morte do Cristo. De antemão, todos sabemos
impossível a propalada ressurreição de Jesus, em carne morta, como impossível e
desnecessária também será a ressurreição de todos os seres humanos falecidos, nos
seus primitivos corpos de carne, no dia do Juízo final.
Mas - objetarão -, os quatro
evangelistas unanimemente afirmam, citando testemunhas, que o corpo do amado
Senhor desaparecera do sepulcro previdentemente guardado por soldados das
autoridades administrativas, aparecendo depois a inúmeros discípulos.
Não negamos a autenticidade de tais
fatos. As Escrituras merecem-nos todo o respeito e admiração, principalmente à
vista de um ponto em que o acordo é perfeito entre diferentes relatores. O que
não é concebível é o admitir-se, até hoje, diante do progresso científico e do raciocínio
mais iluminado, uma ressurreição em carne e osso.
O fato de vários espíritas só
admitirem que Jesus ressurgiu no corpo perispirítico, que então se tornava visível
quando ele o desejasse, deixa, entretanto, no ar, uma interrogação a respeito
do que sucedera ao corpo carnal do mesmo Jesus, e, além disto, o maravilhoso e comentadíssimo
fato da Ressurreição deixaria de ter a importância que os crentes e descrentes
lhe emprestaram e continuam a emprestar; seria um fato corriqueiro, sem interesse
algum, pois era sabido dos judeus, baseados em exemplos inúmeros do Velho
Testamento, e o é para nós, que todos ressurgiremos num corpo perispirítico,
após nossa morte corporal.
Vemos, pois, que esta última maneira
de explicar é incompleta, não só pelas razões acima referidas, como também por
estar em desacordo com Paulo, que considera o Mestre sem princípio e sem fim de
vida.
Resta-nos, então - pelo menos
provisoriamente -, admitir que o Senhor tivesse um corpo de natureza fluídica,
e que, por isso mesmo, não estava sujeito à morte, como a conhecemos. Essa
concepção se baseia em fatos inúmeros observados durante a peregrinação do
Salvador pelo mundo e diante ainda da sua afirmação aos onze apóstolos, após a
sua falada morte, quando lhes disse que ele era ele mesmo e não um espírito: “Vede
as minhas mãos e os meus pés; pois um espírito não tem carne nem ossos, como
vedes que eu tenho.”
Assim raciocinando, concluímos que à
Terra desceu Jesus o sumo-sacerdote divino, “santo, inocente, imaculado,
separado dos pecadores e feito mais sublime que os céus” - não, pois, em carne
dos pecados, mas “em semelhança de carne de pecado”, diz-nos a Epístola aos Romanos.
Não nos dilataremos nessas pobres
reflexões, as quais - dizemos lealmente - de maneira alguma queremos dar
aspecto inflexível, dogmático, mesmo porque o capítulo referente a Melquisedec
pode comportar raciocínios outros.
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