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quarta-feira, 14 de março de 2012

'Entre Dois Mundos'



  Entre Dois Mundos
           
            Estendera o Eterno, de um a outro extremo, a sua potência criadora - desde os puros espíritos até à matéria bruta.

            Desde a mais alta vida intelectual - até à mais profunda negação do intelecto.

            Entretanto, não atingira ainda o Eterno o extremo limite da sua divina audácia ...

            Restava-lhe ainda o mais temerário e paradoxal de todos os atos - a união do espirito e da matéria.

            Seria possível fundir em um único ser a luz dos puros espíritos - e a noite da matéria inerte? ...

            Reduzir a uma síntese essas duas antíteses?. ..

            ''E disse o Senhor: Façamos o homem - e fez Deus, da substância da terra, um corpo e inspirou-lhe na face o espírito vivente" ...

            E ergueu-se, no meio da natureza virgem, esse paradoxo ambulante, esse enigma anônimo, essa indefinível esfinge, semianimal e semi anjo - o homem ...

            Quando os espíritos celestes viram o homem, exultaram sobre a sua grandeza - e choraram sobre a sua miséria ...

            Cristalizaram-se, na alma humana, essas centelhas de júbilo e essas lágrimas de dor - e formaram um mar imenso de doce amargura e inextinguível nostalgia ...

            Principiou, então, neste mundo visível, a luta entre a luz e as trevas - entre o bem e o mal ...

            A história da humanidade ...

            Têm os puros espíritos sua pátria - lá em cima ...

            Tem a matéria bruta sua sede - cá embaixo ...

            Mas onde está a pátria do espírito-matéria?. ..

            Na terra? - protesta o espírito!

            No céu? - protesta a matéria!

            Entre o céu e a terra? - mas lá se erguem os braços duma cruz!

            É por isto mesmo que o mais humano e mais divino dos homens expirou entre o céu e a terra - na sua pátria cruciforme ...

            "Não havia lugar para ele" - em outra parte ...

            E é por isto mesmo que os melhores dentre os homens são sempre crucificados ...

            Não os compreende a terra - nem os acolheu ainda o céu ...

            E assim, entre o céu e a terra, vive o homem esta vida dilacerada de angústias e paradoxos.
           
            Sem pátria certa...

            Em perene exílio...

            Oscilando entre a matéria e o espírito ...
           
            Lutando...
           
            Sofrendo...
           
            Amando...

            Até que a matéria volte à matéria ...

            E o espírito ao Espírito ...

            Solvendo o enigma ...

            Sintetizando dois mundos ...

            Em Deus ...
           
Huberto Rohden

in “De  Alma para Alma” (Ed. União Cultural Editora 1956)





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