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domingo, 11 de março de 2012

21 'Doutrina e Prática do Espiritismo'


21      ***


IV - A personalidade humana. União do espirito ao corpo. Processo da Encarnação. O princípio vital e a durabilidade da existência no duplo ponto de vista fisiológico e espiritual. Influencia do organismo. Hereditariedade. Semelhanças morais e físicas. A afinidade eletiva dos espíritos é a lei que preside à constituição da família. Anomalias.


            Acabamos de examinar separadamente cada um dos elementos de que se compõe o ser humano: corpo físico, perispírito e espírito. É tempo agora de apreciarmos a ação conjugada desses três elementos, que constituem a personalidade, no curso de sua peregrinação terrestre.

            Antes, porém, de o fazer, não queremos deixar, mesmo transitoriamente, de tomar em consideração o ensino de um dos grandes ramos espiritualistas, que em nossos dias se desenvolvem, acerca da composição dessa personalidade, muito embora não entre no plano desta obra - demasiado restrito para isso - um exame comparativo de religiões.

            Falamos da Teosofia, cujas concepções fundamentais, idênticas às do Espiritismo, se distanciam destas contudo em algumas particularidades mais, ou menos importantes, sobre cuja significação não parecerá de certo inoportuno que nos vamos entendendo, quando não por outro motivo, como preparo do terreno em que, cedo ou tarde, acreditamos se há de operar, mediante recíprocas adaptações, fundadas na comprovação da experiência, a unificação das duas, como de todas as doutrinas espiritualistas.

            É assim que, enquanto o Espiritismo, uniforme nesse ponto com o Ocultismo, ensina a indicada constituição trina da personalidade humana, a Teosofia lhe atribui presentemente quatro corpos, "de uma sutileza crescente e cujos elementos se interpenetram", assim classificados, a partir do mais grosseiro ao mais sutil: corpo físico, corpo astral, corpo mental, corpo causal, susceptíveis de dissociação em certas condições e cuja durabilidade é mais ou menos longa (1) ", noções que assim explicitamente se completam:        

            (1) Dr. Th. Pascal, ESSAI SUR L'ÉVOLUTION HUMAINE, nota a págs. 19.  

            Preferimos nos reportar a esse autor, por nos parecer muito mais inteligível para o comum dos leitores o que sobre o assunto expõe, que o que se encontra na DOUTRINA SECRETA, reproduzida pela Sra. Annie Besant em sua CONSTITUIÇÃO SETENARIA DO HOMEM (págs. 1 a 107), em termos para cada um dos quais se requer interpretação peculiar, como Linga Sarira, Prana, Kama, Manas (Inferior e superior), etc. O conceito ao demais do Dr. Pascal, de alguma sorte, modernizado, e que parece adaptado por outros teosofistas, acerca dos sucessivos envoltórios do homem, em lugar dos sete princípios, tais como estão ali classificados, é suscetível de maior aproximação com as nossas teorias.

            "O corpo astral - também denominado corpo dos desejos, alma animal, Kama-rupa em sânscrito - é a sede da sensação, o mediador entre o mental e o físico; sua matéria forma continuidade, na escala de gradação progressiva, com a do corpo físico." E por ultimo: "corpos mais elevados nos estão reservados pela evolução: corpo búdico, corpo átmico, etc., bastando por enquanto menciona-los."

            Desses corpos, os quatro primeiros, constituindo o "quaternário", susceptíveis de dissociação durante a vida terrestre, se desintegram mais ou menos. lentamente após a desencarnação, pois somente a Tríade (e aqui acrescentamos um esclarecimento haurido na exposição da Sra. Annie Besant), formada por Manas e Atma-Budhi (o espírito), permanece indestrutível e imortal.

            Mais claramente: com a destruição do primeiro invólucro do homem - o corpo físico - a consciência é transferida para o corpo astral, veículo apropriado ao meio em que passa a viver a personalidade. Ao fim de um tempo mais ou menos longo, também os elementos constitutivos do corpo astral se desintegram e passa a consciência para o veículo mental, donde a seu turno, destruído este, em período mais dilatado que o precedente, é transferida para o corpo ou veículo causal, correspondente ao plano mais elevado em que, no estada atual de sua evolução, é chamada a viver, fora do ciclo terrestre, a entidade humana.

            Essa coexistência de corpos, veículos ou envoltórios, que se desintegram à medida que o ser se eleva na escala evolutiva e nos planos ou regiões de atividade em que opera - cumpre observar - nada tem de ilógica e parece mesmo estar de acordo com a escala gradativa que em todas as ordens da natureza se observa. Para adquirir foros de consagração, o que é necessário é que multiplicados testemunhos a venham comprovar.

            Como obter esses testemunhos? - Por uma das seguintes formas, senão por ambas simultaneamente. É preciso, ou que as habitantes dessas regiões superiores, em rigorosas e excelentes condições de comunicabilidade, no-lo venham revelar, ou que o homem, graças a uma extrema espiritualização de sua natureza, se torne apto para essas remontadas sondagens no invisível. E uma coisa, evidentemente, é complementar da outra.

            Até agora, a Revelação espírita não nos tem falado senão de um único envoltório do espírito - o perispírito - o que, unido ao corpo, constitui a trilogia de que é formada a personalidade humana. Liberto da carne,  prossegue o espírito, através os tempos, a sua evolução e, à medida que nesta se avantaja, o seu envoltório, ou corpo sutil, com ele vai evoluindo, tornando-se cada vez mais etéreo, diáfano, luminoso mesmo, até se confundir na sua própria espiritualizada natureza. É uma noção, como se vê, satisfatória, pelo menos no estado atual dos nossos conhecimentos, e que apresenta a vantagem de simplificar o estudo da questão.

            Nada impede, entretanto, que, em vez de um ou dois, possa espírito se associar, simultânea ou sucessivamente, ao número de corpos necessários à ação que seja chamado a exercer nos diferentes planos ou regiões da criação. Nem a lógica, nem a analogia - força é reconhecer - se opõem a tal possibilidade. Há mesmo neste sentido, não propriamente uma observação, mas um depoimento que, apesar de isolado, nos parece digno de ser tornado em consideração.

            Registrou-o o coronel de Rochas no curso de suas experiências com sensitivos magnéticos, relatadas em sua obra LES VIES SUCCESSIVES, a que já tivemos ocasião de aludir, constituindo um simples incidente do que ele denominou "O caso de Mireille", mas que, pelo seu cunho de espontaneidade, tanto como pelo inesperado das manifestações que o determinaram, merece bem que em tal direção se encaminhem as pesquisas dos estudiosos.

            Foi o caso que, tendo o excessivo desprendimento do corpo astral daquele sensitivo (Mireille) dado lugar à intervenção de um espírito, Vicente, este, depois de longas práticas relativas, quer à sua identidade, quer ao processus de incorporação e do surpreendente fenômeno de substituição de personalidade, mais de uma vez produzido no curso das sessões, terminou por ministrar ao coronel de Rochas a seguinte informação (1):

            (1) Ver obra citada, págs. 424 in fine e 425.

            "Os espíritos possuem uma serie de envoltórios, cada vez menos materiais, de que se desfazem sucessivamente, à medida que se elevam na escala de sua evolução. É apenas para simplificar as ideias que se não contam ordinariamente mais que dois: o corpo carnal e o corpo astral, do mesmo modo que em física não se contam mais que sete cores no espectro, ao passo que elas são em muito maior número. Para comodidade do estilo é que, igualmente, se comparam esses corpos a envoltórios; porque, na realidade, não se encaixam uns nos outros como os tubos de um óculos; penetram-se em todas as suas partes, do que se pode ter ideia, considerando que o fluido nervoso, matéria constitutiva do corpo astral, é induzido a saturar todas as partes do corpo físico, para lhe transmitir a sensibilidade e a motricidade."

            É uma simples informação, como o dizemos, e a esse título é que unicamente a registramos, para a indicar à atenção dos experimentadores, tanto mais que parece vir em apoio do que a Teosofia afirma a tal respeito. Sem dúvida a prudência e o bom senso, que foram sempre o lúcido critério de Allan Kardec na codificação dos ensinos dos espíritos e devem ser a avisada norma dos seus continuadores e discípulos, aconselham que se não edifiquem teorias sobre a opinião ou o testemunho isolado de uma entidade extraterrestre, quando ao demais ainda em tanta obscuridade se envolvem as nossas relações nesse
domínio.

            O que cumpre é repetir as experiências e, sobretudo, como teremos ocasião de, na segunda parte, o assinalar, preparar-se o adepto, por uma incessante espiritualização de sua natureza, para adquirir o que na linguagem evangélica se denomina "olhos de ver", fórmula equivalente à utilização do sentido espiritual, que todos possuímos no estado de gérmen e que, só por aquela formas desenvolvido e cultivado, nos permitirá, com o discernimento, penetrar cada vez mais longe nas iluminadas regiões do espírito, em que a Verdade é menos revelada que sentida.

            Até lá, contentemo-nos com os aspectos dessa Verdade, que a cada um, na medida da evolução efetuada, nos é dado apreender.

            No que se refere à constituição da personalidade humana, a trilogia de que nos falam a Revelação espirita e o Ocultismo é suficiente, como ponto de partida, ao menos, de mais desenvolvido estudo, que por nossa parte em seguida empreendemos, para explicar o funcionamento, a conexão dos seus elementos e a existência dessa personalidade em sua estância neste mundo.

            Considerando-a desde a sua entrada, isto é, a começar da ligação que se estabelece entre o espírito e o corpo, eis como é descrito por Allan Kardec esse processo, resumindo a tal respeito os ensinamentos doutrinários recebidos, dos quais não foi somente o codificador, senão, também o analista e comentador clarividente (1):

                (1) Vide A GÊNESE (parte científica do Espiritismo), cap. XI, págs. 208 e 209.

            "O espírito, - diz ele - por sua essência espiritual, é um ser indefinido, abstrato, que não pode ter ação direta sobre a matéria; precisa de um intermediário; esse intermediário existe no invólucro fluídico que, de algum modo, faz parte integrante do espírito, invólucro semi material, isto é, participante da matéria por sua origem e da espiritualidade por sua natureza etérea. Como toda matéria, é ele tirado do fluido cósmico universal, que passa nesta circunstância por uma modificação especial.

                "Esse involucro, designado sob o nome de perispírito, faz do espírito - ser abstrato - um ser concreto definido, compreendido pelo pensamento, tornando-o capaz de atuar sobre a matéria tangível, como todos os fluidos imponderáveis, que são, como se sabe, os mais poderosos motores.

                "O fluido perispiritual é, pois, o traço de união entre o espírito e a matéria. Durante a sua união com o corpo é o veículo do seu pensamento, para transmitir o movimento às diversas partes do organismo, que acham, sob o impulso da sua vontade, e para repercutir no espírito, as sensações produzidas pelos agentes exteriores. Os nervos são os fios condutores, como no telégrafo o fluido elétrico tem por condutor o fio metálico.

                "Quando o espírito deve se encarnar num corpo humano, em via de formação, um laço fluídico, que é a expansão do seu perispírito, o prende ao gérmen, para o qual se acha ele atraído por uma força irresistível desde o momento da concepção. À  medida que o gérmen se desenvolve, se estreita o laço; sob a influência do principio vital material do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une molécula por molécula, com o corpo que se forma, donde se pode concluir que o espírito, por intermédio de seu perispírito, adquire uma como raiz nesse gérmen, qual a planta na terra. Quando o gérmen está inteiramente desenvolvido, a união é completa e então ele nasce para a vida exterior. '









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