O
Pré–determinismo
na
evolução humana
A natureza humana tem muito de indecifrável.
Basta que observemos os homens, que estudemos
o caráter de suas múltiplas reações, que perscrutemos, através das palavras que
proferem e dos atos que praticam, a gama, dos pensamentos que os animam, para,
fazermos uma ideia, ainda que imprecisa, de quão extensa e profunda é a
sabedoria das leis divinas. Cada ser humano é uma esfinge que tem de encontrar,
um dia, a própria decifração pelo conhecimento de si mesmo. É mais difícil ao
homem aclarar os mistérios da sua personalidade moral, do que descobrir erros,
defeitos e deficiências na de seus semelhantes. Portanto, a sua maior tarefa
tem de ser, e necessariamente o é, a reforma intima, conditio sine qua non de sua evolução.
A melhoria física do homem efetua-se
progressivamente, fato este constatável pelo estudo da ontogenia[1] e
da filogenia[2]
comparadas. A Natureza, em seus processos de seleção natural, promove o
apuramento físico-orgânico do homem, cujo aprimoramento espiritual será, sem
dúvida, alcançado mais lentamente. Compreende-se, portanto, que o papel do
Espiritismo na reforma moral do homem é importantíssimo. Ela se efetuará em
todos os quadrantes da vida terrena, auxiliada, numa certa medida, pelas forças
espirituais, Também a Natureza não age cegamente. O seu trabalho é o reflexo,
de uma orientação psíquica superior, objetivando a conquista de graus cada vez
mais elevados na escala evolutiva do ser humano.
*
O homem é um ser pré-determinado
para o progresso. Dentro desse determinismo bio psíquico, conta com os recursos
do livre arbítrio, ao qual está relativamente condicionada a sua marcha para o
futuro. À medida que se for conhecendo, mais facilmente irá, compreendendo a
razão das coisas, tornando-se mais espiritual, mais tolerante, mais amigo do
próximo, menos cego pelo
egoísmo, menos transtornado pela vaidade. À evolução do Espírito acompanhará a
evolução da matéria, tudo, porém, dentro do relativismo em que se exercem o
determinismo e o livre arbítrio, porque, na realidade, somente Deus é absoluto.
O corpo físico do homem moderno,
interna e externamente, é mais delicado do que o do homem dos primevos tempos.
Isso é irrefutável prova de que está em ação permanente o processo seletivo da
Natureza, processo que abrange todos os setores da vida orgânica e ínorgânica
no Cosmos. O fato, aliás, está previsto numa obra mediúnica verdadeiramente
magistral, surgida há cerca de oitenta anos. Citemos um trecho, entre muitos,
interessantes e instrutivos, que ela encerra: "O homem (referimo-nos aqui
à espécie e não ao sexo, pois do contrário designaríamos de preferência a
mulher como sendo de uma organização mais adiantada) - o homem, do ponto de vista
fisiológico, se irá modificando, a matéria tornando-se mais fraca, o sistema
nervoso maiís desenvolvido, a inteligência mais precoce e ultrapassando muitas
vezes as forças físicas; o espírito, enfim, irá dominando a matéria e a carne
diminuindo à medida que o sistema nervoso se for desenvolvendo e a força vital
animal for sendo substituída pela força espírito-nervosa. Tais os indícios que
vos prevenirão da mudança que se há, de operar em vós." (1)
(1) Os Quatro Evangelhos (A
Revelação da Revelação) .
Outro trabalho mediúnico de
transcendental importância confirma essa opinião, demonstrando com segurança
"as bases psíquicas dos fenômenos biológicos", encarecendo a
necessidade de ser introduzido o "fator psíquico" na interpretação de
todos esses fenômenos. E assevera: "O futuro vos prepara, através deste
aperfeiçoamento evolutivo, que culmina no espírito, a par da progressiva
desmaterialização das formas, da preponderância transbordante do psiquismo, um
festim energético tirado de um raio de sol e, sem luta nem morticínio,
repousareis saciados de eflúvios solares, tomando-os diretamente ao seu
dinamismo. Isso se dá em planetas mais evolvidos do que o vosso: dar-se-á, para
vós, num porvir ainda distante."(2)
(2) A Grande Síntese.
Estas observações vêm a propósito,
porquanto, não faz muitas semanas, lemos num jornal o testemunho dum cientista
americano a cerca da modificação por ele
notada na estrutura físico-fisiológica de seus compatriotas. Essa alteração,
mesmo a somática, passa despercebida aos leigos, mas já a Ciência tem suas
atenções despertadas para o fenômeno, que anuncia, por esse meio, estar a
Humanidade quase no limiar de novos tempos, dos tempos que a desintegração
atômica parece indicar como sendo os primórdios do Terceiro Milênio.
As guerras, os cataclismos, as
grandes calamidades, instrumentos de provação da Humanidade, são sempre
seguidos pela miséria e pela fome. Os povos atingidos mais frequentemente por
essas provações vão experimentando os primeiros efeitos da ação evolutiva que
preparará os homens para o futuro. A Civilização, com os seus hábitos e os seus
excessos, também realiza sua tarefa nesse sentido, porque nada do que ocorre no
Universo sucede por acaso.
O progresso material, moral e
espiritual do homem é, pois, pré-determinado. A evolução se processa com maior
ou menor intensidade de indivíduo para indivíduo. Uns vão mais depressa;
outros, mais devagar. Fatores inúmeros, visíveis e invisíveis, influem na
marcha ascensional de cada um, porque o livre arbítrio de que dispomos é que
situa o nosso progresso em face da evolução cósmica. O determinismo evolutivo
se exerce por muitas formas, inclusive pelo sofrimento. As dores do mundo
representam a colheita que os Espíritos culpados vão fazendo, a todos os
instantes, a fim de cumprirem, graças à oportunidade de redentoras encarnações,
as leis a que está subordinada a nossa natureza espiritual, leis que, pelos
imperativos da causa e do efeito, fazem que o semeador colha sempre frutos
correspondentes às semeaduras efetuadas.
Tudo tem sua razão de ser. Ninguém
sofre por alheias culpas. O Mane, Thecel, Phares, do festim de Baltasar, repete-se em cada momento da vida
humana. Tudo está "pesado, contado, dividido", sendo impossível a
alguém fugir à lei de causa e de efeito, que é a "pena de talião" de
que nos fala o Velho Testamento, hoje compreendida em seu verdadeiro sentido. O
que é nosso, ninguém nos tirará, como também não tiraremos nada que pertença a
outrem. Para que se cumpra o "olho por olho, dente por dente" das
vetustas Escrituras, os Espíritos estão sujeitos às reencarnações, porque não
nos cai um só fio de cabelo da cabeça que não seja por vontade do Pai.
Não se julgue que os
desentendimentos humanos, os conflitos internacionais, as controvérsias
políticas que incendeiam nações, lançando-as nos horrores e nas confusões
fratricidas, sejam exclusivamente consequências de ações contemporâneas. Muitos
sofrimentos, muitas provações individuais e coletivas, podem vir de outros
tempos, representando o encontro de contas antigas, contraídas em passadas
encarnações. Por isto,
a lei de causa e de efeito - o "olho por olho, dente por dente", que
se interpretava como pretexto
para o homem exercer justiça por suas próprias mãos - é, já o dissemos, a lei
que todos
conhecemos hoje como manifestação legítima da Justiça Divina, traduzida pelas
palavras do. Cristo de Deus: "tudo o que quiserdes que os homens vos
façam, fazei-o assim também vós a eles; porque esta é a Lei e os Profetas"
.
É evidente, portanto, a necessidade
da prática do bem e o abandono definitivo do mal em todas as suas formas, para
que possamos apressar a nossa caminhada para a frente e para o alto. Somos, até
certo ponto, os arquitetos do nosso futuro moral e espiritual, porque, afirmou
o Mestre, "a cada um segundo as suas obras". E Paulo, na Epístola aos
Gálatas, deu realce a esse fecundo preceito evangélico, ao deixar aos pósteros
esta advertência:
"- Aquilo que o homem semear, isso
também ceifará" .
por Indalício
Mendes
in Reformador (FEB) Setembro 1945
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