Kardec-Roustaing II
Reformador (FEB)
Novembro 1946
Em artigo anterior, demonstramos que
já está cabalmente sancionada a obra do grande
discípulo de Kardec, pela confirmação dos Espíritos que o Mestre prudentemente
sugeriu fosse esperada. Com essa sanção, os dois Autores se completam na tarefa
que lhes foi confiada para restauração do Cristianismo; mas é necessário salientar
que, desde o primeiro momento, o trabalho monumental de Roustaing recebeu
aprovação de Kardec em quase toda a sua estrutura, pois que o único ponto
deixado de quarentena pelo Mestre foi a explicação dada
quanto ao corpo de Jesus, aliás, sem qualificá-la de impossível. Em tudo mais,
a Doutrina
exposta pelos Espíritos a Roustaing é a mesma inserta nos livros de Allan
Kardec e por este aceita como tal.
Quanto a esse ponto único, Kardec
foi prudentíssimo e sua reserva só pode aumentar nosso respeito por ele, pois
que naquela época não estavam perfeitamente estudadas as materializações, tanto
assim que o próprio Kardec ainda supunha “não
passarem de uma aparência fluídica e que a nossa mão nenhuma resistência
experimentaria ao tocar as aparições". Só muito mais tarde foi
suficientemente estudado o fenômeno das materializações e ficamos sabendo que
podem as aparições ter toda a consistência de matéria
compacta, servir de original para moldes de parafina, ter peso verificado pelas balanças,
órgãos em perfeito funcionamento, examinados por fisiologistas, confirmando, assim,
plenamente, certas aparições registradas no Velho e no Novo Testamento. Isso só veio
a ficar bem demonstrado com as materializações de Katie King pela mediunidade de
Florence Cook e, mais tarde, por muitos outros médiuns em diversos países. Com
a responsabilidade
de Codificador, não aprovando nem
reprovando a obra de Roustaing, Kardec
“deixou
ao tempo o encargo de a sancionar ou contraditar", e o tempo cumpriu o
seu dever galhardamente, porque, oitenta anos mais tarde, a obra está
plenamente sancionada. Ambos os livros transcrevem do Velho Testamento o
Decálogo e demonstram sua concordância com os ensinos de Jesus e dos Espíritos,
ou seja, a unidade eterna da Revelação Divina.
Já vimos naquele artigo as profecias
e a narração de dois Evangelistas quanto ao aparecimento misterioso de Jesus
sobre a Terra. Agora vamos passar uma vista d' olhos pelas Escrituras
para vermos se alguns fatos registados pelos Evangelistas poderiam ser explicados
na vida de um Espírito encarnado em corpo de carne e osso como os nossos.
I) Jesus escapa das
mãos dos seus perseguidores
"
... E o levaram até o cume do monte sobre o qual estava edificada a cidade,
para o precipitarem. Mas Jesus, passando por meio deles, seguiu seu caminho."
(Lucas, 4: 29-30. )
II) Jesus anda
sobre as águas
"A
quarta vigília da noite foi Jesus ter, com eles, andando sobre o mar. Os
discípulos, vendo-o andar sobre o mar, perturbaram-se e exclamaram: É um
fantasma! e de medo gritaram. Mas Jesus imediatamente lhes falou: "Tende
ânimo, sou eu; não temais". (Mat., 14 :25-27). "Entrando ambos na barca, cessou o vento. Os que
estavam na barca, adoraram-no, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus." (Mat., 14:32-33).
III) Jesus continua
com o mesmo corpo depois da morte
“Estando
as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se em pé no meio deles e disse: Paz seja
convosco. Em seguida disse a Tomé: chega aqui o teu dedo e olha as minhas mãos;
chega também a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente."
(João, 20:.26-27).
Diversas outras aparições, sempre
com o mesmo corpo, se acham registadas nos Evangelhos, Veja-se Mateus, 28:
16-20; Marcos, 16 :15-20; Lucas 24 :36-43; João, 20 :11-23.
Depois da morte aparente na cruz e
do sepultamento, Jesus desapareceu do sepulcro, continuou,
com o mesmo corpo, a aparecer e ensinar a Doutrina, Eis algumas de suas palavras
nas aparições:
"Jesus,
aproximando-se, disse-lhes: "Foi-me dado todo o poder no céu e na Terra.
Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em o nome do Pai e
do Filho e do Espírito-Santo; instruindo-as a observar todas as coisas que vos
tenho mandado. Eis que eu vou convosco todos os dias até ao fim do mundo."
(Mateus, 28:18-20.)
“Disse-lhes:
Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. O que crer e for
batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado. Estes sinais hão de
acompanhar aqueles que creem: em meu nome expelirão demônios; falarão em
línguas; pegarão em serpentes; e se beberem qualquer coisa mortífera, não lhes
fará mal algum; porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão." (Marcos, 16:15-18)
Conservou o mesmo corpo e continuou
agindo, falando e até comendo com os discípulos:
"Tendes aqui alguma coisa que
comer? Deram-lhe um pedaço de peixe assado; e tomando-o, comeu diante
deles." (Lucas, 24: 41-43)
Aqueles que dizem aceitar os Evangelhos
e apresentam Maria como Espírito excelso, não podem hoje, depois da confirmação
da obra de Roustaing, negar o ensinamento do corpo fluídico, porque isso seria
negar a pureza daquele mesmo Espírito, visto que a sua gravidez, nesse caso,
seria resultante de adultério.
Somente os que não aceitam os
Evangelhos serão coerentes com o seu ponto de vista; todavia, não se poderão
classificar como Kardecistas, porque o Codificador aceitou integralmente os
Evangelhos.
Nos originais dos Evangelhos e em
algumas traduções insuspeitas e religiosamente neutras, encontramos no
versículo 28, Cap. 7, de Lucas e vers. 11, Cap. 11, de Mateus - que entre os
nascidos de mulher nenhum houve maior que João Batista; logo, se admitíssemos
que Jesus nasceu de mulher, seríamos levados ao absurdo de admitirmos que João
Batista foi maior do que Jesus.
Vemos, pois, dos registos concordes
dos quatro Evangelistas, que Jesus continuou, depois
da sua suposta morte, possuindo o mesmo corpo que tinha antes e praticando os
mesmos atos, sabemos que ninguém é obrigado a crer nos Evangelistas, mas
igualmente ninguém que negue fé ao Evangelho tem direito de dizer-se cristão,
como não seria espírita quem negasse o fato fundamental da Doutrina: as
comunicações dos Espíritos.
Kardec crê no Evangelho e toma-o por
livro sagrado da segunda Revelação, como aceita
o Decálogo revelado a Moisés, e transcreve pontos para fundamentar a Doutrina dos
Espíritos. Portanto, o Espiritismo codificado por Allan Kardec é cristão, é a
Revelação iniciada em Moisés, confirmada por Jesus e continuada hoje pelos
Espíritos em numerosas obras. Dentre estas obras, uma existe, recebida por
pessoas dignas de todo o apreço de Kardec, como foram os seus contemporâneos
Mme. Emília Collignon e João Batista Roustaing, por ele citados como pessoas
sérias, cultas, respeitáveis e bons espíritas. Nessa obra, completando a
Revelação dada a Kardec, fica explicada a natureza excepcional do corpo de
Jesus. Kardec, mui prudentemente aconselhou que se aguardasse a confirmação
dessa explicação. São decorridos 80 anos e a confirmação está feita por muitos
Espíritos superiores, inclusive o mesmo Kardec. Portanto, hoje a obra de
Roustaing está consagrada como fundamental da Doutrina. Não há ainda unanimidade
de opiniões, pois que também quanto ao Evangelho não há ainda unanimidade; há
muita gente no mundo que não aceita o Cristianismo. Há pessoas que só aceitam o
Velho Testamento, outras aceitam o Velho e o Novo Testamentos, outras aceitam
os dois Testamentos e Kardec, por fim, alguns aceitam a
Bíblia, Kardec e Roustaing. A nosso ver, estes últimos são os mais coerentes,
porque as três Revelações formam um todo solidário, e quem nega parte, está
inconscientemente demolindo
sua própria casa, como sucede aos católicos e protestantes que negam os fenômenos
espíritas, sem perceber que justamente sobre esses fenômenos, repetidos através
da História, foram fundadas e conservadas até hoje suas Igrejas.
Negar fé à obra de Roustaing é minar
o edifício todo, desde Moisés até os nossos dias;
é quebrar um dos elos mais fortes dessa divina cadeia de Revelações que vem de
Gênese até aos dias atuais.
Dissemos em nosso artigo anterior
que os dois livros preparados simultaneamente pelos
Espíritos superiores se destinam a públicos diferentes e vamos explicar melhor
o nosso
pensamento, "O Evangelho segundo o Espiritismo" destina-se ao público
que busca no Espiritismo as regras evangélicas de conduta e com estas se
satisfaz, sem exigir mais explicações, São os homens que já aceitaram o
Evangelho como Revelação divina e têm a intuição de que tudo no Evangelho está
certo e não reclamam maior compreensão. Além desse público crente, existe
outro, mais exigente intelectualmente, que reclama explicações minuciosas de
tudo quanto se acha no livro sagrado do Cristianismo. Para este último foi, ao
mesmo tempo, ditada obra muito mais ampla -- "Os Quatro Evangelhos",
de J. B. Roustaing.
Comparando as datas das mensagens
ditadas para o livro de Allan Kardec com o período
em que foi recebido o de Roustaing, vemos que os Espíritos os prepararam simultaneamente:
o de Kardec apareceu em público em Abril de 1864 e o de Roustaing foi
recebido de Dezembro de 1861 a Maio de 1865.
A obra de Kardec, no Brasil, está
hoje com a 32ª edição em preparação e só agora está
sendo preparada a 4ª edição de Roustaing, que, por ser muito maior, tem menor distribuição.
Isso demonstra que não se dirigem ao mesmo público.
A nossa Federação tem tido a fortuna
de distribuir sempre os dois livros desde a sua
fundação até hoje e sente-se ricamente recompensada de seus esforços ao vê-los
ambos consagrados pela opinião de grandes Espíritos e das pessoas que mais
profundamente estudam a Doutrina em nossa Pátria.
Não só pela obra completa de
Roustaing, como também em "Elucidações Evangélicas", de
Sayão; "A Divina Epopeia", de Bittencourt Sampaio, e outros livros
respeitáveis, a Doutrina revelada pela sublime mediunidade de Mme. Collignon
vem sendo divulgada há dezenas de anos, paralelamente com os diversos livros de
Allan Kardec, em todo o território nacional, e assim se vai consolidando esse
todo grandioso, esse conjunto que forma as três Revelações. Todos os embates
contra o Espiritismo - quer de adversários diretos, quer dos que se dizem
espíritas e só atacam por partes a terceira Revelação - têm, por mercê de Deus,
passado
sem
abalar a obra dos nossos Maiores, que segue sua rota rumo ao futuro.
Roustaing foi atraído para o
trabalho exatamente como o foi Kardec: pela possibilidade das comunicações
entre os dois planos da vida. Ambos foram avisados pelos Espíritos que se
manifestaram através de médiuns, que se deveriam dedicar às suas missões; ambos
fizeram alteração nos títulos de suas obras evangélicas por ordem do Alto;
ambos receberam aviso de que vários messias (enviados) viriam trabalhar na obra
de propagação do Espiritismo; ambos retocaram a primeira edição dessas obras,
por sugestão dos Espíritos; ambos não conseguiram até hoje conquistar todo o
meio estudioso, porque os tempos ainda não foram chegados para essa conquista,
sendo certamente necessárias as discussões sobre a reencarnação e sobre o corpo
fluídico; ambos só conseguiram ter as suas obras publicadas sem interrupção, e
até mesmo distribuídas gratuitamente, na "Pátria do Evangelho"; ambos
receberam ingratidões entre os seus próprios companheiros, que lhes chamavam -
autoritários dogmáticos e místicos; ambos não conseguiram ver respondidas todas
as perguntas que dirigiram aos Espíritos, porque o mundo não as poderia receber
no momento; e, finalmente, ambos só se dedicaram ao trabalho, só se
converteram, após duvidarem e somente em idade já avançada.
Como vemos, Roustaing, como enviado
especial para auxiliar o trabalho do Codificador, passou pelas mesmas fases e
sofreu igualmente como o missionário-chefe - Allan Kardec.
Ao completarem oitenta anos as obras
de Kardec e Roustaing, sempre firmes e apoiadas pelos dois mundos o - visível e
invisível -, apesar de todos os ataques e perseguições que pretenderam destruí-las
em nome da Religião, da Filosofia, da
Ciência; ataques por vezes perigosíssimos por virem de dentro dos nossos
próprios arraiais e astuciosamente preparados para desnortear os crentes,
podemos dizer que os dois grandes Missionários venceram a dura prova do tempo,
que destrói todas as construções sobre a areia e só deixa de pé as que foram
edificadas sobre a rocha.
A primeira fase da Missão da
Federação foi levada a bom termo com a solidez já adquirida
no Brasil pelas obras dos dois Missionários, e por isso rendemos graças a Deus
e manifestamos nosso reconhecimento à firmeza de caráter dos nossos
antecessores. A segunda fase, que ora apenas se esboça e reclamará longo tempo
para cumprir-se, há de encontrar em nossos sucessores igual perseverança,
idêntica firmeza, porque a Alta Direção
é sempre a mesma dos Espíritos superiores guiados por Ismael. Quanto podemos
prever dos acontecimentos que se desenvolvem em nossos dias, a segunda fase
será divulgar em escala mundial a mesma Doutrina já firmada entre os espíritas
do Brasil. Serão necessários muitos decênios ao desenvolvimento desta segunda
fase, porque não compreende somente a publicação das obras em Esperanto; exige
preliminarmente a divulgação do Esperanto e esta tarefa é muito morosa, está
sujeita a muitos imprevistos que a podem atrasar. Cumpramos, porém, o nosso
dever, sem nos preocuparmos com a época em que se realizarão as nossas
esperanças.
Rio, 3-10-1946.
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