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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Às Portas Celestes

Venda de indulgências




    
            O grupo de desencarnados errava nas esferas inferiores... Integravam-no alguns cristãos de escolas diversas, estranhando a indiferença do Céu... Onde os Anjos e Tronos, os Arcanjos e Gênios do paraíso que não se aprestavam para recebê-los?

            Em torno, sempre a neblina espessa, a penumbra indefinível. Onde o refúgio da paz, o asilo de recompensa?

            Longos dias de aflição em jornadas angustiosas...

            Depois da surpresa, a revolta; após a revolta, a queixa. Finda a queixa, veio o sofrimento construtivo e com esse surgiu a prece.

            Em seguida à oração, eis que aparece a resposta. Iluminado mensageiro, em vestidura resplandecente, desafia a sombra da planície, fazendo-se visível em alto cume. Prosternam-se os peregrinos à pressa. Seria o próprio Jesus? Não seria? Ante a perturbação que os acometera, o emissário tomou a palavra e esclareceu, fraterno:

            - Paz em nome do Senhor, a quem endereçastes vosso apelo. Vossas súplicas foram ouvidas. Que desejais?

            - Anjo celeste - falou um deles - pois não vês?!.. Estamos rotos, exaustos, vencidos, nós, que fomos crentes fervorosos no mundo. Onde se encontra o Redentor que não nos salva, o Príncipe da luz, que nos deixa em plena treva? Que desejamos? nada mais que o prêmio da luta ...

            Não pode prosseguir. Ondas de lágrimas invadiram-lhe os olhos, sufocando-lhe a garganta e contagiando os companheiros que se desfizeram em pranto dorido.

            O preposto do Cristo, contudo, manteve-se imperturbável e considerou:

            - A Justiça Divina nunca falhou no Universo.

            - Ah! mas nós sofremos - replicou o interlocutor aliviado - e somos vítimas de algum esquecimento que esperamos seja reparado.

            O ministro de Jesus não se deixou impressionar e voltou a dizer:

            - Vejamos. Respondei-me em sã consciência. Quando em serviço carnal, amastes a Deus, sobre todas as coisas, com toda a alma e entendimento?

            Se estivessem à frente de autoridade comum, provavelmente os interpelados buscariam recuar, fugindo à verdade. A luz divina do emissário, porém, penetrava-lhes o âmago do ser. Decorrido um instante de pesada expectação, informaram todos a um só tempo:

            - Não.

            O anjo continuou:

            - Considerastes os interesses do próximo como se vos pertencessem?

            Novo momento de luta íntima e nova resposta sincera:

            - Não.

            - Negastes a personalidade egoística, suportastes vossa cruz e seguistes o Mestre?

            - Não.

            - Colocastes a Vontade Divina acima de vossos desejos?

            - Não.

            - Fizestes brilhar em vós, na Terra, a luz que o Céu vos conferiu?

            - Não.

            - Auxiliastes vossos inimigos, orastes pelos que vos perseguiram, ministrastes o bem aos que vos caluniaram e dilaceraram?

            - Não.

            - Perdoastes setenta vezes sete vezes?

            - Não.

            - Fostes fiéis ao Pai até ao fim:'

            - Não.

            - Vencestes os dragões da discórdia e da vaidade?

            - Não.

            - Carregastes as cargas uns dos outros?

            - Não.

            O mensageiro fixou benevolente gesto com as mãos e, mostrando olhar mais doce, observou, depois de comprida pausa:

            - Se em dez das lições do Divino Mestre não aprendestes nenhuma, com que direito invocais o seu nome? Acreditais, porventura; que Ele nos tenha ensinado algo em vão?

            Os infortunados puseram-se a chorar, com mais força, e um deles objetou:

            - Que será de nós? quem nos socorrerá, se tínhamos crença verdadeira?! ...

            - Sim - tornou o representante do Cristo - não contesto. Entretanto, como interpretar o possuidor do bom livro que nunca lhe examinou as páginas? Como definir o aluno que gastou possibilidades e tempo da escola, sem jamais aplicar as lições no terreno prático?

            - Oh! anjo bom, contudo, nós já morremos na Terra!... - acrescentou a voz triste do irmão desencantado, entre a aflição e a amargura.

            O mensageiro, porém, rematou com serenidade:

            - "Diariamente, milhões de almas humanas abandonam a carne e tornam a ela, no aprendizado da verdadeira vida. Quem morre no mundo grosseiro, perde apenas a forma efêmera. O que importa no plano espiritual não é o "interromper" ou o "recomeçar" da experiência e sim a iluminação duradoura para a vida imortal. Não percais tempo, buscando novos programas, quando nem mesmo iniciastes a execução dos velhos ensinamentos. Aprendiz algum tem o direito de invocar a presença do Mestre, de novo, antes de atender as lições anteriormente indicadas. Voltai e aprendei! Não existe outro caminho para a distração voluntária.

            Nesse mesmo instante, o enviado tornou ao plano de onde vinha, enquanto os peregrinos, ao invés de prosseguirem viagem para mais alto, obedeciam ao impulso irresistível que os conduzia para mais baixo.

Irmão X
por Chico Xavier
in Reformador (FEB) Março 1946

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