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Essa explicação psicológica do sono -
observaremos, por nossa parte, agora - marca indubitavelmente um progresso notável
sobre as teorias acentuadamente materialistas, como se viu, por outros
adotadas, uma vez que apresenta esse fenômeno intimamente conjugado com a
exteriorização e, portanto, com a atividade extracorpórea do que o autor denomina
subconsciência superior (1).
(1) Fórmula equivalente ao que nós chamamos
simplesmente o espírito, o eu real, ou a individualidade,
por suas faculdades, caracteres e funções diferente do ego ilusório e aparente
que é a personalidade, pelo Dr. Geley
também denominada o subconsciente inferior, distinção que adotamos e sobre que
adiante insistiremos, tornando-a mais clara.
Mas, limitando-se a registrar o
cortejo de circunstâncias que ocorrem no sono, fica ainda longe de indicar com
precisão a sua causa, a sua razão determinante.
Dizer, com efeito, que no ponto de
vista fisiológico o sono é o repouso dos centros nervosos, pela retração dos
neurônios ou, segundo opinam outros, pela a ausência das descargas de que são veículo,
e que no ponto de vista psicológico é a ruptura de colaboração entre o cérebro
e a subconsciência superior, ou o espírito, que se exterioriza, é simplesmente
assinalar um fato. Fica sempre de pé a interrogação, ou antes, subsistem as
interrogações: é a
exteriorização do espírito que determina o sono, ou é fenômeno puramente fisiológico
do sono que determina a exteriorização do espírito? E ainda: porque dorme o
homem e porque se exterioriza periódica, fatal e necessariamente o
espirito?
Reconheçamos desde logo que à ciência,
restringida no seu legítimo papel de observar os fatos, para deduzir as leis imediatas
que os regem, falecem elementos para penetrar mais alto no domínio das causas e
perscrutar origens a que só a filosofia, cm suas arrojadas indagações, é licito
remontar.
Justiça fazemos, pois, e não reparo
ao eminente cientista nosso confrade, reconhecendo que mais longe não poderia
conduzir a sua explicação, não pequeno serviço, entretanto, prestando aos
estudiosos e pesquisadores da Verdade, em franquear as barreiras do preconceito
materialista, com a intervenção, que demonstra necessária no fenômeno do sono e
em seu desdobramento em sonhos lúcidos, desse até agora sistematicamente
desprezado fator, que é o espírito, cuja atividade extra corpórea, durante o período
de repouso orgânico, é indispensável para explicar o fato, ainda tão obscuro,
dos sonhos não somente da indicada natureza, como até mesmo de índole vulgar.
Quanto a nós, desembaraçado de
responsabilidades científicas, não seremos decerto razoavelmente increpado, por
utilizar o nosso livre direito de pesquisa em buscar nos amplos domínios filosóficos,
e a propósito da existência alternada do espírito na terra, os elementos
determinantes, a razão categórica do sono.
Já o dissemos, a propósito da
duração da vida humana, que em todos os fatos do espírito, mesmo durante a sua
peregrinação terrena, é preciso buscar antes e acima de tudo uma razão de ordem
espiritual. E assim, começando por analisar o caso em sua invertida feição expositiva,
será lícito indagar : qual seria para o espírito, destinado a atingir a divinização
de sua própria natureza, para realização de seus destinos imortais, a consequência
de uma ligação constante,
ininterrupta, ao corpo e, portanto, às ilusões, prazeres e necessidades
inerentes ao estado de encarnado? - Indubitavelmente uma identificação muito
mais profunda com a matéria e, conseguintemente, uma longa paralisação nos
esforços que é e será cada vez mais induzido a empregar pela espiritualização
de suas aptidões e faculdades.
Pois bem, o sono, expelindo temporária
e periodicamente o espírito de sua prisão carnal, sobre ter a vantagem de permitir
ao corpo, como o assinalamos em começo, uma renovação fluídica reparadora de
suas perdas vitais quotidianas, vem, por isso mesmo que o transfere ao plano
invisível e superior, preencher essa necessidade de uma permanência, alternada
embora, no meio que lhe é próprio, a fim de que, ao contato dos seres desencarnados,
como dos próprios companheiros de prisão terrestre, como ele momentaneamente
exteriorizados, executando atos e movimentos próprios desse viver no espaço,
não perca inteiramente de vista o seu habitat
normal, a que mais dia menos terá de ser definitivamente reconduzido, para o prosseguimento
de sua jornada de progresso.
O sono, pois, afrouxando, ao fim de
cada vigília, os laços que prendem o espírito ao corpo, tem antes de tudo a sua
razão de ser na necessidade para aquele de se não identificar
excessiva e prejudicialmente com a matéria e as suas ilusões.
Qual é, porém, a causa que o produz?
Serão os movimentos amiboides dos neurônios, como o pretende o Dr. Pupin,
citado por Geley, que automaticamente o determinam? Será o espírito, como em
começo o indagávamos, que, por um impulso, inconsciente e instintivo de exteriorização,
busca evadir-se, ocasionando o reconhecido e necessário repouso dos centros
nervosos? Ou haverá ainda a intervenção do remoto Fator a que na série
interrogativa, sob
esses três aspectos formulada, aludíamos a pouco?
Para dizer toda a verdade que
sentimos, é na conjugação desse tríplice elemento que acreditamos poder ser
encontrada a explicação completa e categórica do sono.
Há assim - e o arrazoado, para ser
metódico, tem que obedecer à inversão daqueles elementos - em primeiro lugar
uma inteligência - a Inteligência reguladora de tudo no universo - que, todas
as coisas dispondo segundo um plano sábio e providencial, encaminhado aos
superiores fins da evolução, preside, mediante leis inflexíveis e impecáveis,
não somente aos grandes acontecimentos da vida universal, como aos pequenos
sucessos da existência humana e faz, portanto, sentir a sua ação até nesse fenômeno
alternado de vigília e de repouso ,a que está submetido o homem.
Essa ação oculta incide antes de
tudo sobre o espírito, por uma sorte de periódica magnetização - e aí está o segundo
elemento -determinativo do sono - provocando a exteriorização, como vimos,
dupla e eminentemente salutar, da entidade psíquica e por último o organismo, obediente
às leis peculiares do seu funcionamento, de tal modo se associa às necessidades
superiores do seu locatário, que sem constrangimento e sem esforço, por seu
característico automatismo, tão depressa esgota a provisão ordinária de energia
correspondente a uma vigília, e logo denuncia, pelo entorpecimento, a
necessidade de reparação.
Admiremos, ainda e sempre, nessa
maravilhosa combinação de movimentos, tendentes a um elevado e nobre fim, que é
a evolução do espírito em todos os planos da criação, mediante apropriados
exercícios, a inescrutável sabedoria com que todas as coisas estão organizadas.
E não pareça estranho que filiemos
antes de tudo o sono a uma ação magnética superior e invisível, pois que nisso
mais não fazemos que particularizar, a tal propósito, a universalidade daquela
sugestão oculta a que sentimos necessidade de recorrer, para explicar o sapiente
automatismo das funções da vida vegetativa, assim no homem como em todos os
seres escalonados nos vastos departamentos do mundo biológico (1).
(1) Vide cap. IV, pág. 308-310.
Ao demais, força é convir que,
diversificado embora em suas modalidades, é sempre o mesmo o fenômeno do sono,
para cujo estudo experimental proporciona o magnetismo um campo sempre aberto às
mais fecundas e instrutivas investigações.
Que faz o magnetizador em presença
do sensitivo? - Pela ação dominadora de sua própria vontade, procura entrar com
este em relação de alma a alma. Ora, o primeiro efeito dessa ação mental é
atrair, intencionalmente ou não o espírito do sensitivo para fora do organismo.
Ao mesmo tempo, a corrente de fluido que entre os dois se estabelece, e que a
projeção metódica dos passes contribui para intensificar, se pode em alguns
casos, como o tem demonstrado a experiência, provocar uma excitação local,
quando se trate sobretudo de uma aplicação terapêutica com esse intuito, vem
geralmente a produzir, por uma correspondente modificação do dinamismo vibratório
do corpo astral, uma ação anestésica sobre o sistema nervoso. Daí o sono. Mas o
que prova – não percamos de o assinalar - que é este um fenômeno puramente fisiológico,
circunscrito ao corpo, sem atingir a atividade psíquica, é que tanto mais
profundo é o sono quão mais extensa é a atividade e mais intensa a lucidez
do espírito.
Não nos propomos estudar aqui todas
as modalidades do sono, sobre o qual não se poderia escrever apenas um capítulo,
mas tem sido escritos compactos volumes, unicamente de interesse que é para nós
agora o sono denominado normal, ou ordinário. Para dissipar, todavia, a objeção
de exclusivismo, ou deficiência que poderia provocar a nossa explicação, não passaremos
adiante, sem reconhecer que nos sonos de origem narcótica e anestésica, de
natureza tóxica portanto, como os produzidos pelo clorofórmio, o cloral, a morfina,
etc,. e em alta dose o álcool, é a ação, mediata ou imediata, de tais substâncias
no sistema nervoso que, produzindo primeiro a exalação e, em seguida, o
entorpecimento, determina a expulsão do espírito,
sem intervenção alguma sugestiva .
Essas modalidades de sono,
violentamente provocado, não destroem contudo a nossa tese, que permanece intacta,
servindo apenas para demonstrar que por diferentes processos pode ser obtido um
mesmo efeito. De todo modo, ou se trate de uma ação mental exercida sobre a
entidade psíquica, ou de uma ação adormecedora de índole puramente fisiológica,
é sempre o espírito que, por natureza essencialmente ativo é repelido para fora
do organismo, desde que se torna este incompatível à sua permanência, no
primeiro caso sendo a sua evasão o motivo do entorpecimento cérebro-nervoso, e
no último operando-se o movimento inverso.
Rematemos, pois, estas considerações
acentuando que o sono física e psicologicamente considerado, só pode ser cabal
e satisfatoriamente definido em sua razão fundamental, como o resultado daquela
suprema ação diretora que tudo no universo regulou com impecável sapiência, de
tal modo revelando em todas as coisas a unidade da Lei que todas rege, que esse
mesmo fenômeno do sono alternando com a vigília não é mais que um elo dessa
imensa cadeia de ritmos que por toda parte observamos, desde o movimento dos astros,
repartido em atração e repulsão, ou forças centrípeda e centrífuga que os
animam, e os fenômenos metereológicos, físicos, químicos, etc., como o dia e a
noite, o verão e o inverno, o calor e o frio, a afinidade e a repulsão, até os que
tem por teatro o maravilhoso aparelho do organismo humano, como a nutrição e a eliminação,
a sístole e a diástole, a aspiração e a expiração, nem mesmo à obediência a
esse ritmo escapando as manifestações do ainda mais maravilhoso mundo moral em
que se agita a criatura: a dor e o prazer, a tristeza e a alegria, o amor e o ódio,
o bem e o mal, a virtude e o vício, antíteses que, para abreviar, remataremos, colocando
em face os dois termos em que tudo se resume: a criação e o Criador.
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