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Qualquer que seja a opinião que a crítica
racionalista entenda formular a cerca desse fenômeno tão imperfeitamente
definido e ainda menos satisfatoriamente Interpretado pelos mestres da ciência,
ou se trate de sonhos contraditórios e vulgares, ou de sonhos lúcidos de cunho
premonitório, ou ainda de visões simbólicas, como os que ficam relatados, não
permanecerão eles menos como um testemunho vivo da atividade extra corpórea do espírito, durante
a quotidiana fuga que uma lei providencial, não apenas permite, mas lhe impõe
como uma necessidade, até certo ponto, neutralizadora de sua paralização nos
limbos da matéria.
Desse fato, por assim dizer, universalmente
comprovado uma lição ou, pelo menos, uma advertência é lícito colher, e vem a
ser que, se assim durante o sono do corpo goza o nosso espírito essa liberdade
que lhe faculta entrar em relação com outros seres, como ele momentaneamente desprendidos,
ou de todo livres dos grilhões carnais, devem ser tais momentos de temporária
emancipação aproveitados, assim em frutuosos exercícios de instrução nas coisas
desse plano espiritual em que coexistimos, como sobretudo na prática de uma
salutar e benfazeja atividade; no primeiro caso, entrando em correspondência
mental, senão
em íntimo convívio, com elevados espíritos, cujos conselhos e lições devam ser
postos em prática no estado de vigília, e no segundo caso buscando por nossa
parte ir ao encontro de companheiros de presídio, isto é, de espíritos como nós
encarnados, ou mesmo desencarnados, a fim de nos beneficiarmos com os
testemunhos de uma afetuosa assistência que - tais sejam as condições em que
nos coloquemos para o desempenho desse piedoso ministério - pode ser da mais
fecunda e mútua utilidade.
Por quiméricas que, aos olhos dos
não iniciados, pareçam tais ideias, elas têm para os que das coisas espirituais
se preocupam uma positiva significação.
Se o destino do espírito, na Terra
como em todos os planos do universo, é o eterno progredir, e se esse processo
consiste no desenvolvimento das mais nobres faculdades, que em nós dormitam, e
no exercício das virtudes de que a caridade é o coroamento magnifico, o dever
nos corre de utilizar todas as oportunidades que para esse fim nos são proporcionadas.
Ora, o sono é um fenômeno de que
unicamente o corpo, sujeito a perdas e cansaço, participa. O espírito, por
natureza essencialmente ativo, não necessita repousar. Porque não há de, pois, utilmente
empregar as mesmas horas de fugaz libertação, que lhe é quotidiana e
providencialmente concedida?
Assim procedem sempre, pelo menos,
os iniciados nas transcendentes verdades com que o Espiritismo ilumina os seus
adeptos, os quais sabem não dever abandonar ao repouso o fatigado invólucro e
dele se desprender, sem resolutamente formar o propósito de prosseguir, no
estado errático, a tarefa do bem que na vigília, os preocupa.
Essa periódica e alternada permanência
do homem na esfera espiritual - em diferentes graus, é certo, conforme a natureza
de suas aspirações e sentimentos – sugere uma outra consideração. Se assim constantemente visitamos
a eterna estância donde viemos e para onde todos, mais dia menos dia, havemos
de regressar definitivamente; se, por outros termos, o sono, que já a velha mitologia,
no expressivo simbolismo de suas criações, apresentava como filho da Noite e
irmão da Morte, é um ensaio de iniciação nesse mistério, que, não obstante, a
todos amedronta, não a devêramos temer.
Morrendo todos os dias- e que outra
coisa é o sono senão morte transitória? - com serenidade confiante, que não com
apavorada relutância, deveríamos aguardar o sono definitivo, que é também a
definitiva libertação do nosso espírito.
E, todavia, o supersticioso temor
que ao homem inspira a morte se explica por mais de um motivo: em primeiro lugar,
o medo instintivo do desconhecido, alimentado pela ignorância das esplendidas realidades
do Além, que o Espiritismo, com a sistematizada observação dos fatos, veio positivamente demonstrar em nossos dias;
em segundo lugar, e ainda em consequência dessa ignorância, que gera a incerteza da
verdadeira vida, o instinto de conservação, em nome e a impulsos do qual se
agarra obstinadamente o homem a única realidade em que geralmente crê; e por último
o aparato lúgubre de que as religiões cercam a morte,
fazendo-a aparecer, não o que realmente significa, isto é, o despedaçar da crisálida
em que, borboleta imortal, se encerra o espírito, para o restituir à liberdade
no infinito, mas como aniquilamento, por assim dizer, de tudo, a tal ponto que
no Memento em vez de se lhe
apresentar essa perspectiva sedutora de imortalidade, é a redução a nada o que
se lhe recorda, advertindo-o de que “é pó e em pó se há de tornar."
A essas razões, fundadas em errôneos
preconceitos, condenados por isso a desaparecer, cumpre acrescentar uma última,
que justifica, para a generalidade, o temor que inspira a morte: é a instintiva
noção do que se pode considerar a prestação de contas, que mesmo - e sobretudo
- o homem religioso sente que se verifica, nessa transposição, da esfera ilusória,
em que vivemos, para o que a sabedoria popular com tanta justeza denomina o mundo
da verdade.
É porque, numa reveladora intuição,
presente o homem que, com a passagem definitiva para o Além, caem os véus sob
que na Terra todas as coisas se mascaram, e cada um lá se apresenta com a insofismável
expressão do que realmente é e do que fez - tanto vale dizer que é o proferido no
tribunal da consciência, e com todo o rigor desse foro inapelável, o julgamento
da vida que deixou - que o homem, com justificado receio percebe avizinhar-se
a hora solene dessa impressionadora transição.
Vindo á Terra com o fim de pôr em prática
elevados propósitos de reparação de erros do passado e aproveitamento nas
virtudes, em que consiste aqui o seu progresso capital, quando reconhece próximo
o termo da jornada e começam a ilumina-lo as primeiras claridades do outro
lado, sente o espírito quão pouco se esforçara em tal sentido, e daí a legítima
apreensão que o sobressalta.
A não serem esses motivos de consciência,
cuja pressão, todavia, desconhecem aqueles que levaram uma existência utilmente
aproveitada no trabalho, no sofrimento e na pratica das boas obras, tríplice e
inestimável patrimônio que de sua passagem pela Terra pode unicamente o espírito
levar, o temor da morte é tanto menos justificável quanto essa passagem, ao
contrário do que geralmente se acredita, não é em si mesma dolorosa. E o Espiritismo
no-lo faz compreender, mediante fatos e argumentos.
À medida que a enfermidade prossegue
em sua marcha desorganizadora das funções vitais - para nos cingirmos ao caso
mais comum - o progressivo esgotamento do fluido vital vai operando o desligamento
do perispírito e afrouxando o laço que prende o espírito ao corpo, daí,
resultando um amortecimento das sensações, por isso que ,tanto maior é a exteriorização
da consciência, cuja sede, como se sabe, está no espirito, quão menos vivas são
aí as repercussões do que se passa no organismo. Fora, portanto, dos casos de
violenta desencarnação por acidente, em que o espírito experimenta um choque brusco, acompanhado
de uma espécie de atordoamento, mais ou menos prolongado até que se inteire de
sua verdadeira situação no novo estado, os fenômenos precursores da morte não
são quase percebidos pelo agonizante.
Para dizermos tudo em uma palavra, a
morte, como seu irmão o sono - a não ser que se trate de consciências sobrecarregadas
de remorsos, para as quais aproximação do julgamento constitui um motivo legítimo
de angústia - é uma suave transição, podendo mesmo em alguns casos ser um momento
de deslumbrantes êxtases, ante o esplendor das perspectivas descortinadas pelo
agonizante, ao entrar na posse do sentido psíquico, em consequência da anulação,
pelo menos parcial, do estorvo que lhe oponham os sentidos corporais.
É conhecida a exclamação de Goethe,
ao expirar: Luz! Mais luz! Como não é
menos expressiva a frase com que Schiller se despediu das trevas e das
vicissitudes deste mundo: "Os olhos de meu espírito se abrem a uma luz
mais viva!"
Poderíamos citar, em apoio da nossa
tese, numerosos testemunhos; mas acreditamos que, como subsídios ilustrativos e
documentais, bastarão os poucos que passamos a reproduzir, em obediência ao
duplo critério de os escolher entre os melhores e de não ocupar demasiado espaço.
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