Excomunhões
Desenvolvimento da mecânica, rádio,
televisão, antibióticos, aviões supersônicos, desintegração atômica - eis
algumas conquistas do nosso século (2)!
Mais que isto, ainda temos: melhor
conhecimento da sobrevivência, novas elucidações acerca da vida espiritual;
aspectos científicos da interligação dos dois planos, diretrizes novas para o
comportamento das criaturas, face aos problemas do além-túmulo, e manifestação
inconteste de que “os tempos são chegados”.
Apesar de tudo isto, não se abateu
ainda a vaidade humana ...
Conquanto Jesus tivesse lançado a
Boa Nova, há quase 2.000 anos, para meditação, entendimento e consolidação da
paz pelo verdadeiro amor fraterno, teimam os homens em se digladiarem,
em se destruírem, numa ameaça constante à tranquilidade geral, movimentando-se
nações, povos e religiões para o esmagamento total dos próprios irmãos por acaso divergentes das ideias
supostamente dominantes.
Causa-nos espanto, pois, que ainda
se fale em excomunhões, se o Cristo nosso Mestre, em nome do qual se pretende
falar, foi o exemplo vivo do perdão e da humildade, e outro não foi o seu
objetivo de iluminado Espírito, que veio à Terra para a redenção das almas.
Não estamos condenando, porque
somente Deus é o Supremo Juiz dos nossos atos, pelos quais somos responsáveis.
Contudo, do recôndito do nosso ser, lançamos o brado pela compreensão do
verdadeiro sentido evangélico desta assertiva : “Devemos perdoar não sete
vezes, mas setenta vezes sete.” (Mateus, 18 :21-35.)
Para mostrarmos a inconsistência
dessas condenações, basta lembrarmos que, até o Império, tínhamos uma religião
oficial - também herança dos lusos -, e o soberano, se concedia favores
extraordinários à Igreja Romana, também tinha o direito de estabelecer normas
para a sua atuação.
Assim sendo, ainda que cheio de
impurezas e imperfeições, qualquer monarca brasileiro poderia anular inclusive
as excomunhões ditadas pelos prelados.
A História tal nos assevera,
conforme documento que abaixo transcrevemos:
"SOBRE EXCOMUNHÕES FULMINADAS PELO VIGARIO
DA VILLA NOVA DO PRINCIPE CONTRA
SEIS MILICIANOS QUE AUXILIARAM A PRISÃO DE UM PADRE. “
Coleção de Leis do Brasil de 1814
- Imprensa Nacional ano de 1890 – pg. 15
“N. 15 - BRASIL
Provisão da Mesa
do Desembargo do Paço
de 20 de junho de 1814.
"D. João, por graça de DEUS, Príncipe
Regente de Portugal, e dos Algarves, etc. Faço saber aos que esta provisão
virem, que sendo-me presente, em consulta da Mesa do meu Desembargo do Paço,
pela representação que lhe fizera o Ouvidor da Comarca de Paranaguá e Coritiba,
a temeraria ousadia com que o Padre Luiz José de Carvalho, Vigario da Villa
Nova do Principe, a impulsos de seu desmesurado orgulho, declarara
excomungados, e obrigara à penitência das
Varas na Porta da Matriz a seis
soldados milicianos que auxiliaram a prisão do
Padre Francisco José Monteiro Batalha, ordenada pelo Juiz Ordinário daquela
Villa, a fim de o remeter para o Juízo do seu Foro com a culpa que lhe
resultara da querela contra elle dada pelos crimes de rapto e estupro; e sendo estes escandalosos procedimentos
despidos de jurisdicção, por não serem de modo algum da competencia do dito
Vigario, praticados contra a positiva determinação do Decreto de 10 de Março de
1774, que reservou ao meu immediato conhecimento todos os casos de excommunhões
fulminadas pelos Tribunaes, Ministros, Magistrados
e Officiais de Justiça, quando contra elles se proceder sobre materias de sua
jurisdicção e officio, e por consequencia contra os que em seu auxilio vão,
como foram os sobreditos soldados milicianos; conformando-me por minha immediata
Resolução de 20 de Maio deste anno com o parecer da sobredita Mesa, em que foi
ouvido o Desembargador Procurador da Minha Real Coroa e Fazenda; sou servido
(alem do mais que determino) declarar capciosas, nullas, irritas, vãs e
de nenhum effeito as ditas excommunhões; ordenando que por taes sejam
tidas, havidas e reputadas para não produzirem effeito, nem prestarem
impedimento algum, qualquer que elle seja: e prohibo a todos e a cada um dos
meus vassallos, ecclesiasticos ou seculares, Ministros ou particulares debaixo
das penas da minha real e gravissima indignação, da confiscação de todos os
seus bens, e das mais que ao meu real arbítrio ficam, que deem alguma attenção
ou credito às ditas excommunhões, e procedimento do sobredito Vigario a este
respeito obrados; e ao Revmo Bispo da Santa Sé de S, Paulo ordeno, que chamando
à sua presença o referido Vigario, o reprehenda severamente no meu real nome,
por ter praticado tão abusivos, temerarios e incompetentes procedimentos;
fazendo-o assinar termo na Camara Ecclesiastica de se abster delles e de
quaisquer outros semelhantes, debaixo das penas acima declaradas, as quaes,
posto que dellas o relevo agora por efeito
da minha real clemencia, lhe serão irremissivelmente impostas no caso de
contravenção. E mando a todos os sobreditos meus vassallos, Ministros e mais
pessoas dos meus Reinos e Dominios, que debaixo das mesmas pennas executem, e
façam inteiramente
cumprir esta provisão na forma, que nella se contem. O Principe Regente Nosso
Senhor o mandou por seu especial mandado pelos Ministros abaixo assignados, do
seu Conselho, e seus Desembargadores do Paço. João Pedro Maynard d'Affonseca e
Sá a fez escrever. Monsenhor Miranda. Francisco Antonio de Souza da Silveira
." (1)
(1) Os grifos são do autor.
Esclarecemos aos leitores que foi
respeitada a ortografia da época, a fim de que não se tirasse
o sabor de tão precioso documento.
Quem terá o poder, pois, para
anular, nos dias correntes, as novas excomunhões que ainda se processam com
tanta frequência?
Rui Alencar Nogueira
Reformador (FEB) Jan 1955
(2) - Século XX. Do Blog
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