quinta-feira, 30 de agosto de 2012

II. Kardec e Roustaing



Kardec-Roustaing  II

Reformador (FEB)  Novembro 1946


            Em artigo anterior, demonstramos que já está cabalmente sancionada a obra do grande discípulo de Kardec, pela confirmação dos Espíritos que o Mestre prudentemente sugeriu fosse esperada. Com essa sanção, os dois Autores se completam na tarefa que lhes foi confiada para restauração do Cristianismo; mas é necessário salientar que, desde o primeiro momento, o trabalho monumental de Roustaing recebeu aprovação de Kardec em quase toda a sua estrutura, pois que o único ponto deixado de quarentena pelo Mestre foi a explicação dada quanto ao corpo de Jesus, aliás, sem qualificá-la de impossível. Em tudo mais, a Doutrina exposta pelos Espíritos a Roustaing é a mesma inserta nos livros de Allan Kardec e por este aceita como tal.

            Quanto a esse ponto único, Kardec foi prudentíssimo e sua reserva só pode aumentar nosso respeito por ele, pois que naquela época não estavam perfeitamente estudadas as materializações, tanto assim que o próprio Kardec ainda supunha “não passarem de uma aparência fluídica e que a nossa mão nenhuma resistência experimentaria ao tocar as aparições". Só muito mais tarde foi suficientemente estudado o fenômeno das materializações e ficamos sabendo que podem as aparições ter toda a consistência de matéria compacta, servir de original para moldes de parafina, ter peso verificado pelas balanças, órgãos em perfeito funcionamento, examinados por fisiologistas, confirmando, assim, plenamente, certas aparições registradas no Velho e no Novo Testamento. Isso só veio a ficar bem demonstrado com as materializações de Katie King pela mediunidade de Florence Cook e, mais tarde, por muitos outros médiuns em diversos países. Com a responsabilidade de Codificador, não aprovando nem reprovando a obra de RoustaingKardec  deixou ao tempo o encargo de a sancionar ou contraditar", e o tempo cumpriu o seu dever galhardamente, porque, oitenta anos mais tarde, a obra está plenamente sancionada. Ambos os livros transcrevem do Velho Testamento o Decálogo e demonstram sua concordância com os ensinos de Jesus e dos Espíritos, ou seja, a unidade eterna da Revelação Divina.

            Já vimos naquele artigo as profecias e a narração de dois Evangelistas quanto ao aparecimento misterioso de Jesus sobre a Terra. Agora vamos passar uma vista d' olhos pelas Escrituras para vermos se alguns fatos registados pelos Evangelistas poderiam ser explicados na vida de um Espírito encarnado em corpo de carne e osso como os nossos.

I) Jesus escapa das mãos dos seus perseguidores

            " ... E o levaram até o cume do monte sobre o qual estava edificada a cidade, para o precipitarem. Mas Jesus, passando por meio deles, seguiu seu caminho." (Lucas, 4: 29-30. )

II) Jesus anda sobre as águas

            "A quarta vigília da noite foi Jesus ter, com eles, andando sobre o mar. Os discípulos, vendo-o andar sobre o mar, perturbaram-se e exclamaram: É um fantasma! e de medo gritaram. Mas Jesus imediatamente lhes falou: "Tende ânimo, sou eu; não temais". (Mat., 14 :25-27). "Entrando ambos na barca, cessou o vento. Os que estavam na barca, adoraram-no, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus." (Mat., 14:32-33).

III) Jesus continua com o mesmo corpo depois da morte

            “Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se em pé no meio deles e disse: Paz seja convosco. Em seguida disse a Tomé: chega aqui o teu dedo e olha as minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente." (João, 20:.26-27).

            Diversas outras aparições, sempre com o mesmo corpo, se acham registadas nos Evangelhos, Veja-se Mateus, 28: 16-20; Marcos, 16 :15-20; Lucas 24 :36-43; João, 20 :11-23.

            Depois da morte aparente na cruz e do sepultamento, Jesus desapareceu do sepulcro, continuou, com o mesmo corpo, a aparecer e ensinar a Doutrina, Eis algumas de suas palavras nas aparições:

            "Jesus, aproximando-se, disse-lhes: "Foi-me dado todo o poder no céu e na Terra. Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em o nome do Pai e do Filho e do Espírito-Santo; instruindo-as a observar todas as coisas que vos tenho mandado. Eis que eu vou convosco todos os dias até ao fim do mundo." (Mateus, 28:18-20.)

            “Disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. O que crer e for batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado. Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome expelirão demônios; falarão em línguas; pegarão em serpentes; e se beberem qualquer coisa mortífera, não lhes fará mal algum; porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão." (Marcos, 16:15-18)

            Conservou o mesmo corpo e continuou agindo, falando e até comendo com os discípulos:

            "Tendes aqui alguma coisa que comer? Deram-lhe um pedaço de peixe assado; e tomando-o, comeu diante deles." (Lucas, 24: 41-43)

            Aqueles que dizem aceitar os Evangelhos e apresentam Maria como Espírito excelso, não podem hoje, depois da confirmação da obra de Roustaing, negar o ensinamento do corpo fluídico, porque isso seria negar a pureza daquele mesmo Espírito, visto que a sua gravidez, nesse caso, seria resultante de adultério.

            Somente os que não aceitam os Evangelhos serão coerentes com o seu ponto de vista; todavia, não se poderão classificar como Kardecistas, porque o Codificador aceitou integralmente os Evangelhos.

            Nos originais dos Evangelhos e em algumas traduções insuspeitas e religiosamente neutras, encontramos no versículo 28, Cap. 7, de Lucas e vers. 11, Cap. 11, de Mateus - que entre os nascidos de mulher nenhum houve maior que João Batista; logo, se admitíssemos que Jesus nasceu de mulher, seríamos levados ao absurdo de admitirmos que João Batista foi maior do que Jesus.

            Vemos, pois, dos registos concordes dos quatro Evangelistas, que Jesus continuou, depois da sua suposta morte, possuindo o mesmo corpo que tinha antes e praticando os mesmos atos, sabemos que ninguém é obrigado a crer nos Evangelistas, mas igualmente ninguém que negue fé ao Evangelho tem direito de dizer-se cristão, como não seria espírita quem negasse o fato fundamental da Doutrina: as comunicações dos Espíritos.

            Kardec crê no Evangelho e toma-o por livro sagrado da segunda Revelação, como aceita o Decálogo revelado a Moisés, e transcreve pontos para fundamentar a Doutrina dos Espíritos. Portanto, o Espiritismo codificado por Allan Kardec é cristão, é a Revelação iniciada em Moisés, confirmada por Jesus e continuada hoje pelos Espíritos em numerosas obras. Dentre estas obras, uma existe, recebida por pessoas dignas de todo o apreço de Kardec, como foram os seus contemporâneos Mme. Emília Collignon e João Batista Roustaing, por ele citados como pessoas sérias, cultas, respeitáveis e bons espíritas. Nessa obra, completando a Revelação dada a Kardec, fica explicada a natureza excepcional do corpo de Jesus. Kardec, mui prudentemente aconselhou que se aguardasse a confirmação dessa explicação. São decorridos 80 anos e a confirmação está feita por muitos Espíritos superiores, inclusive o mesmo Kardec. Portanto, hoje a obra de Roustaing está consagrada como fundamental da Doutrina. Não há ainda unanimidade de opiniões, pois que também quanto ao Evangelho não há ainda unanimidade; há muita gente no mundo que não aceita o Cristianismo. Há pessoas que só aceitam o Velho Testamento, outras aceitam o Velho e o Novo Testamentos, outras aceitam os dois Testamentos e Kardec, por fim, alguns aceitam a Bíblia, Kardec e Roustaing. A nosso ver, estes últimos são os mais coerentes, porque as três Revelações formam um todo solidário, e quem nega parte, está inconscientemente demolindo sua própria casa, como sucede aos católicos e protestantes que negam os fenômenos espíritas, sem perceber que justamente sobre esses fenômenos, repetidos através da História, foram fundadas e conservadas até hoje suas Igrejas.

            Negar fé à obra de Roustaing é minar o edifício todo, desde Moisés até os nossos dias; é quebrar um dos elos mais fortes dessa divina cadeia de Revelações que vem de Gênese até aos dias atuais.

            Dissemos em nosso artigo anterior que os dois livros preparados simultaneamente pelos Espíritos superiores se destinam a públicos diferentes e vamos explicar melhor o nosso pensamento, "O Evangelho segundo o Espiritismo" destina-se ao público que busca no Espiritismo as regras evangélicas de conduta e com estas se satisfaz, sem exigir mais explicações, São os homens que já aceitaram o Evangelho como Revelação divina e têm a intuição de que tudo no Evangelho está certo e não reclamam maior compreensão. Além desse público crente, existe outro, mais exigente intelectualmente, que reclama explicações minuciosas de tudo quanto se acha no livro sagrado do Cristianismo. Para este último foi, ao mesmo tempo, ditada obra muito mais ampla -- "Os Quatro Evangelhos", de J. B. Roustaing.

            Comparando as datas das mensagens ditadas para o livro de Allan Kardec com o período em que foi recebido o de Roustaing, vemos que os Espíritos os prepararam simultaneamente: o de Kardec apareceu em público em Abril de 1864 e o de Roustaing foi recebido de Dezembro de 1861 a Maio de 1865.

            A obra de Kardec, no Brasil, está hoje com a 32ª edição em preparação e só agora está sendo preparada a 4ª edição de Roustaing, que, por ser muito maior, tem menor distribuição. Isso demonstra que não se dirigem ao mesmo público.

            A nossa Federação tem tido a fortuna de distribuir sempre os dois livros desde a sua fundação até hoje e sente-se ricamente recompensada de seus esforços ao vê-los ambos consagrados pela opinião de grandes Espíritos e das pessoas que mais profundamente estudam a Doutrina em nossa Pátria.

            Não só pela obra completa de Roustaing, como também em "Elucidações Evangélicas", de Sayão; "A Divina Epopeia", de Bittencourt Sampaio, e outros livros respeitáveis, a Doutrina revelada pela sublime mediunidade de Mme. Collignon vem sendo divulgada há dezenas de anos, paralelamente com os diversos livros de Allan Kardec, em todo o território nacional, e assim se vai consolidando esse todo grandioso, esse conjunto que forma as três Revelações. Todos os embates contra o Espiritismo - quer de adversários diretos, quer dos que se dizem espíritas e só atacam por partes a terceira Revelação - têm, por mercê de Deus, passado
sem abalar a obra dos nossos Maiores, que segue sua rota rumo ao futuro.

            Roustaing foi atraído para o trabalho exatamente como o foi Kardec: pela possibilidade das comunicações entre os dois planos da vida. Ambos foram avisados pelos Espíritos que se manifestaram através de médiuns, que se deveriam dedicar às suas missões; ambos fizeram alteração nos títulos de suas obras evangélicas por ordem do Alto; ambos receberam aviso de que vários messias (enviados) viriam trabalhar na obra de propagação do Espiritismo; ambos retocaram a primeira edição dessas obras, por sugestão dos Espíritos; ambos não conseguiram até hoje conquistar todo o meio estudioso, porque os tempos ainda não foram chegados para essa conquista, sendo certamente necessárias as discussões sobre a reencarnação e sobre o corpo fluídico; ambos só conseguiram ter as suas obras publicadas sem interrupção, e até mesmo distribuídas gratuitamente, na "Pátria do Evangelho"; ambos receberam ingratidões entre os seus próprios companheiros, que lhes chamavam - autoritários dogmáticos e místicos; ambos não conseguiram ver respondidas todas as perguntas que dirigiram aos Espíritos, porque o mundo não as poderia receber no momento; e, finalmente, ambos só se dedicaram ao trabalho, só se converteram, após duvidarem e somente em idade já avançada.

            Como vemos, Roustaing, como enviado especial para auxiliar o trabalho do Codificador, passou pelas mesmas fases e sofreu igualmente como o missionário-chefe - Allan Kardec.

            Ao completarem oitenta anos as obras de Kardec e Roustaing, sempre firmes e apoiadas pelos dois mundos o - visível e invisível -, apesar de todos os ataques e perseguições que pretenderam destruí-las em nome da Religião, da Filosofia,  da Ciência; ataques por vezes perigosíssimos por virem de dentro dos nossos próprios arraiais e astuciosamente preparados para desnortear os crentes, podemos dizer que os dois grandes Missionários venceram a dura prova do tempo, que destrói todas as construções sobre a areia e só deixa de pé as que foram edificadas sobre a rocha.

            A primeira fase da Missão da Federação foi levada a bom termo com a solidez já adquirida no Brasil pelas obras dos dois Missionários, e por isso rendemos graças a Deus e manifestamos nosso reconhecimento à firmeza de caráter dos nossos antecessores. A segunda fase, que ora apenas se esboça e reclamará longo tempo para cumprir-se, há de encontrar em nossos sucessores igual perseverança, idêntica firmeza, porque a Alta Direção é sempre a mesma dos Espíritos superiores guiados por Ismael. Quanto podemos prever dos acontecimentos que se desenvolvem em nossos dias, a segunda fase será divulgar em escala mundial a mesma Doutrina já firmada entre os espíritas do Brasil. Serão necessários muitos decênios ao desenvolvimento desta segunda fase, porque não compreende somente a publicação das obras em Esperanto; exige preliminarmente a divulgação do Esperanto e esta tarefa é muito morosa, está sujeita a muitos imprevistos que a podem atrasar. Cumpramos, porém, o nosso dever, sem nos preocuparmos com a época em que se realizarão as nossas esperanças.

Rio, 3-10-1946.




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