Kardec-Roustaing I
Diante de inúmeras mensagens que vêm
sendo recebidas do Alto, psicograficamente, por
vários médiuns, dentre os quais convém destacar três que já têm publicadas
grandes obras
consagradas pelos mais cultos espíritas, parece-nos oportuno fazer uma síntese que
permita se evidencie estar sobejamente demonstrado ter sido Kardec um notável Missionário,
auxiliado por outros companheiros, ressaltando-se dentre estes a personalidade
de Roustaing, como encarregado de organizar o trabalho da fé, dando confirmação
às duas Revelações anteriores.
Os três médiuns a que nos referimos
são Zilda Gama (1), América Delgado (2),
e
Francisco Cândido Xavier (3). Deixamos de citar outros por não estarem ainda
conhecidos por meio de obras de grande significação doutrinária.
A Primeira Revelação abrange todo o
Velho Testamento e anuncia a vinda do Messias em muitas profecias, das quais
basta citarmos: Gênese, cap. 49; 10 e 11:
"Não
se afastará de Judá o cetro, nem a vara do comando dentre seus pés, até que
venha aquele de quem ela é, e a esse obedecerão os povos.
Isaías, 7, 14:
"Portanto, o Senhor mesmo vos
dará um sinal; eis que uma donzela conceberá e dará à luz um filho, e por-lhe-á
nome de Emmanuel.”
Esses dois eminentes vultos da
Primeira Revelação foram nominalmente citados e confirmados
por Jesus, como prepostos de Deus, grandes profetas. Cumpridos os tempos, veio
o Messias. Vamos transcrever o relato de dois evangelistas sobre o seu
aparecimento:
Mateus, cap 1º, v. 18 a 23:
“Ora,
o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, já desposada
com José, antes que se ajuntassem, ela se achou grávida por virtude do Espírito
Santo. José, seu marido, sendo reto e não a querendo infamar, resolveu deixá-la
secretamente. Quando, porém, pensava nestas coisas, eis que um anjo do Senhor
lhe apareceu em sonhos, dizendo: José, filho de David, não temas receber a
Maria, tua mulher; pois o que nela foi gerado é por virtude do Espírito Santo.
Ela dará à luz um filho, a quem chamarás Jesus; porque ele salvará o seu povo
dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que dissera
o Senhor pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele
será chamado Emmanuel, que quer dizer - Deus conosco.”
Lucas, cap 1º, v.. 26 a 38:
"No sexto mês foi enviado da parte de Deus o anjo Gabriel a uma cidade
da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava
José, da casa de David; o nome da virgem era Maria, Aproximando-se dela disse:
Salve! altamente favorecida, o Senhor é contigo. Ela, porém, ao ouvir estas
palavras, perturbou-se muito e pôs-se a pensar que saudação seria esta.
Disse-lhe o anjo: Não temas, Maria; pois achaste graça diante de Deus.
Conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a quem chamarás Jesus. Este
será grande e será chamado Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o trono
de seu pai David, e ele reinará eternamente sobre a casa de Jacob, e o seu
reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como será
isso, uma vez que não conheço varão? Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo virá sobre ti, e a virtude do Altíssimo
te envolverá com a sua sombra; por isso o que há de nascer, será chamado santo,
Filho de Deus. Isabel, tua parenta, também ela concebeu um filho na sua
velhice, e já está no sexto mês aquela que era chamada estéril; porque nenhuma
palavra, vinda de Deus, será impossível. Disse Maria: Eis aqui a serva do
Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra, E o anjo retirou-se.”
Os aparecimentos e desaparecimentos
de Jesus, antes e depois do drama do Calvário, demonstraram
a natureza excepcional de seu corpo, mas ficara reservado ao futuro, à Terceira
Revelação, o confirmar e explicar essa concepção supranormal .
Quando surgiu a obra "Os Quatro Evangelhos", de
Roustaing, Kardec lhe noticiou o
aparecimento em sua revista, às páginas 190, 1, 2, do mês de Junho de 1866,
apresentando-a como obra considerável,
com o mérito de não estar em contradição
com a Doutrina ensinada em "O Livro dos Espíritos", em "O
Livro dos Médiuns" e em "O Evangelho segundo o Espiritismo"
(únicas obras até então transmitidas ao Codificador), ressaltando que ela continha ensinamentos incontestavelmente
bons e verdadeiros e que merecia consultada com proveito pelos espíritas
conscienciosos.
Como se tratava de assuntos novos,
completamente inéditos, quase diríamos revolucionários para os meios religiosos
da época, Kardec, receoso de que os Espíritos não a aprovassem,
receio esse não confirmado, pois que na imensa coleção de Revue Spirite, entre
numerosíssimas comunicações publicadas, nem uma só encontramos contra a obra de
Roustaing, Kardec, dizíamos, por precaução e pesando sua responsabilidade,
declarou que
ele não havia escrito uma obra semelhante, porque
não a julgava oportuna, e que, apesar de a teoria do corpo fluídico de Jesus
nada apresentar de impossível, ele não a aprovava nem reprovava, até que os
Espíritos se manifestassem, visto que a obra fora recebida por intermédio de um
único médium.
Vemos que a opinião de Kardec foi
pessoal, mas, em vista do seu grande, inigualável valor, surgiram espíritas
mais realistas do que o rei, os quais julgaram, erradamente, a prudente reserva
de Kardec como condenação definitiva da obra e não levaram em conta que, hoje,
já está a mesma com a única sanção que para ela exigia o Mestre: a confirmação
dos Espíritos. No Brasil houve quem julgasse um crime a tradução da obra e
pusesse em dúvida a honra e a dignidade da médium Mme. Emília Collignon e de
Roustaing... para não irmos mais longe.
Para que nossos confrades possam
conhecer a opinião de Kardec sobre essas duas respeitáveis
personagens, vamos transcrever a palavra do Mestre mesmo. Em Revue Spirite de 1861, págs. 167
a 172.
"Os
princípios que aí são altamente expressos (na carta que lhe escrevera
Roustaing) por um homem cuja posição o coloca entre os mais esclarecidos, darão
que pensar aos que, supondo possuírem o privilégio da razão, classificam todos
os adeptos do Espiritismo como imbecis.
"Vê-se
que Roustaing, apesar de recentemente iniciado, se tornou mestre em matéria de
apreciação; é que ele tem séria e profundamente estudado, o que lhe permitiu
apreender rapidamente todas as consequências da importante questão do Espiritismo,
e que, ao contrário de muitos, ele não ficou na superfície.
"Infelizmente, nem todos têm,
como ele (Roustaing), a coragem de dar a sua opinião, e é isso que alimenta os
adversários."
Quanto à Mme. Emília Collignon, de
Bordéus, médium absolutamente mecânica, dama
da alta sociedade, e que, pessoalmente, não concordava com a teoria do corpo
fluídico, enquanto os Espíritos a lançavam pelo seu lápis, transcrevemos a
palavra de Kardec da página 288 da Revue
Spirite de 1865, em noticiário por ele assinado:
"Temos
o prazer e o dever de chamar a atenção de nossos leitores para essa brochura
(Palestras Familiares sobre o Espiritismo, por Mme. Collignon) que
inscreveremos com prazer entre os livros recomendáveis."
A autoridade indiscutível de Kardec
reconhecia, pois, na médium e no compilador de
"Os Quatro Evangelhos", criaturas superiores, capazes, e hoje, diante
da aprovação geral
por parte dos Espíritos, nós, espíritas conscienciosos que seguimos o conselho
do Codificador,
lendo e consultando a obra de Roustaing, temos o dever de aproximar as obras
dos dois Missionários e não nos orientarmos por processos dissolventes, como
procedem confrades de outros países, onde até hoje combatem a Codificação
Kardeciana, por não aceitarem o a que chamam de dogma da reencarnação.
Toda a razão tinha Kardec em deixar
a teoria do corpo fluídico para ser julgada pelos que lhe sucedessem, depois
que os Espíritos se manifestassem, como ele mesmo veio a manifestar-se pela
médium Zilda Gama e outros. Toda notícia do Além deve ser julgada com as mesmas
precauções e a responsabilidade do Mestre era enorme; mas ele mesmo teve a
fortuna de inserir em sua revista, em 1868, págs. 45 a 55, numerosas
comunicações de Espíritos que se apresentaram com nomes respeitáveis, assegurando
todas elas que um novo Messias. que restabeleceria o Evangelho de Jesus-Cristo,
já estava encarnado, apesar de os comunicantes não estarem autorizados a
revelar o lugar em que ele havia nascido (pág. 45).
Em nota a essa mensagem recebida em
1861 e publicada em 1868, escreveu o Mestre:
"Esta revelação é uma das primeiras que nos foram transmitidas, mas outras
lhe sucederam. Há muito tem vindo espontaneamente grande número de comunicações
sobre o mesmo assunto em diferentes centros espíritas da França e do
estrangeiro. "
E termina assim a nota:
"Isto é um exemplo dos mais
notáveis da simultaneidade e da concordância dos ensinos dos Espíritos, quando
é chegado o tempo de uma questão ser apresentada."
Todos sabemos que os Espíritos,
quando querem enganar, podem igualmente fazê-lo através
de numerosos médiuns, e isso ter-se-ia verificado, se admitíssemos que Kardec
fora ludibriado com tais comunicações, publicadas em sua revista, por não se
haver confirmado o aparecimento de qualquer Messias; mas, se concluirmos que
Kardec não foi ludibriado, como cremos e afirmamos, aquelas mensagens iniciadas
em 1861, época em que o Evangelho de Jesus Cristo começou a ser medi unicamente
explicado, em espírito, pelos próprios Evangelistas e outros Espíritos, para
dois livros diferentes - "O Evangelho segundo o Espiritismo", de
Kardec, no qual aparecem mensagens dos anos de 1859 a 1863, e a primeira edição
apareceu em 1864, e "Os Quatro Evangelhos", de Roustaing, recebido de
1861 a 1865 e publicado em 1866 - somos de parecer que as referidas mensagens
indicavam exatamente
esse
acontecimento: preparação dos dois livros destinados a promover a compreensão e
revigoramento do Evangelho. Elas se confirmavam: uma dizia que nasceu um novo
Messias, outras afirmavam que eram vários Messias, e outros localizavam que já
estava encarnado, em França.
A coincidência das datas e o estudo
em conjunto dessas comunicações que tanto interessaram ao Mestre, levam-nos à
conclusão de que os Espíritos comunicantes não tinham permissão
de revelar tudo, mas apenas de indicar vislumbres.
Pelo conjunto das comunicações,
podemos hoje concluir que a notícia real a transmitir seria esta: - Vários
enviados (messias) desceram à Terra, procuraram dois iniciados encarnados, em
França, e lhes retransmitiram o Evangelho de Jesus Cristo, restabelecendo-o,
explicando-o, para duas obras que se completam, porém, cada uma destinada a um
público, conforme prometido para a época da vinda do Consolador. De tudo isso
concluímos, com os Espíritos, que Kardec, o grande Missionário, ao descer à
Terra, veio acompanhado de vários missionários auxiliares: Roustaing, para o
trabalho da fé: Léon Denis, para o desdobramento filosófico; Délanne, para a
estrada científica, e Flammarion, que nos desenharia as maravilhas das
paisagens celestes.
As três Revelações - Velho
Testamento, Novo Testamento, Espiritismo, - formam um todo inseparável, um
conjunto único em sua essência e não se pode atacar uma parte sem abalar todo o
edifício. Quando um judeu nega o Cristianismo, um católico nega o Espiritismo,
ou um espírita nega uma das duas Revelações anteriores, não percebe que está
minando sua própria fortaleza: a eternidade e universalidade das manifestações
espirituais. Se não fosse confirmada a natureza excepcional do corpo de Jesus
pelo Espiritismo, as duas Revelações anteriores teriam que cair e o Espiritismo
não subsistiria, porque tais aparições formam a base
das três Revelações. Felizmente; está sobejamente confirmada a natureza
excepcional do corpo de Jesus, em numerosas comunicações, e com isso
consolidada a obra de Kardec, e confirmados o Cristianismo e o Judaísmo.
Continuemos tranquilamente nossa
tarefa.
Hoje, ao recordarmos o 142.°
aniversário natalício do grande Missionário (1946) e quando o livro de Roustaing
completa 80 anos, sentimos imensa ventura em proclamar nossa forte convicção de
que os dois Enviados cumpriram fielmente suas missões, sem que exista ponto
algum que os afaste. Praza a Deus possamos também nós, os trabalhadores deste
Século vinte, cumprir nossas pequeninas tarefas.
Que Deus nos abençoe a todos,
dando-nos a graça de compreender os Seus Missionários, unindo-os
definitivamente entre os homens, que, em sua estreita visão, tanta vez se
servem das coisas mais sublimes como bandeira de separação e lutas. Graças a Deus,
nada mais existe para que as obras dos dois Mestres não nos guiem a todos rumo
ao futuro. Todas as incompreensões devem cessar.
Rio, 3 de Outubro
de 1946.
(1)
V. "Diário dos Invisíveis",
págs. 241/63.
(2)
V. "Funerais da Santa Sé",
págs. 95/9.
(3)
"Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", pág. 128.
‘Reformador’ Outubro 1946
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