Vale a pena suicidar-se?
João Marcus (Hermínio Miranda)
Reformador (FEB) Março 1963
É impressionante o número de suicídios que encontramos relatados nos jornais. Porque tanto se matam as criaturas, especialmente agora nesta época de dificuldades e incertezas? Deixemos de lado as causas imediatas, como problemas financeiros, amorosos ou de consciência. Isso é apenas a gota d’água que fez transbordar o cálice, toque final que acabou por romper o precário equilíbrio emocional do ser, desatando seu impulso destrutivo numa ânsia de libertação. São secundárias essas causas, embora tenham sido o fato precipitador da tragédia. Secundárias e relativas, porque um motivo, que poderia ser extremamente fútil para um, assume proporções alarmantes para outrem. Além disso, vemos o mesmo indivíduo suportar, às vezes, golpes muito mais graves e sucumbir, depois, diante de questões que um pouco mais de tolerância ou paciência teriam colocado em sua verdadeira perspectiva. Muito depende pois do seu estado emocional no momento em que lhe surge o problema pela frente.
Quando
penso nisso, lembro-me sempre de uma advertência que encontrei no guichê de uma
loja em Nova lorque, dizia assim: “Que diferença fará isso daqui a 99 anos? ” Aquilo
que agora nos parece uma calamidade insuportável, reduz-se às proporções de
mero incidente daqui a poucas horas, alguns dias ou uns escassos meses. É fácil
demonstrar a veracidade da afirmação: quais foram as mágoas que nos atingiram
tão fundo no ano passado? Ou há 3 anos? Mesmo que nos lembremos de algumas
delas - as que nos pareceram mais graves -, já não nos ferem como então. Com o
decorrer de pouco mais de tempo, lembrar-nos-emos delas até mesmo com certo
sorriso indulgente e pensaremos: “Veja só! Isso me deu tanto aborrecimento e,
afinal, nem valeu a pena...” De outras vezes, aquilo que nos atormentou, nem
sequer teve existência real; foi produto de uma imaginação exaltada, momentaneamente
obscurecida pelo cansaço, pelas paixões ou pelo simples desconhecimento dos
fatos. Logo a seguir, o que nos parecia tão alarmante, verificamos ser simples
suspeita com aparência de realidade.
Por
isso, não é necessário pesquisar as causas imediatas, que desencadeiam a
tragédia do suicídio, examinemos as origens profundas do fenômeno.
Porque
se mata a criatura humana? Mata-se o pobre, o aleijado, o doente, como também se
mata o rico, o belo, o saudável. Porquê? Na verdade, o suicídio é, basicamente,
uma fuga. O suicida quer fugir de situações embaraçosas, de desgostos, de
pessoas que detesta, de mágoas que não se sente com forças para suportar, deseja,
afinal de contas, fugir de si mesmo. É aí que está a gênese do seu fatal
desengano: não podemos, de maneira alguma, fugir de nós próprios. Para que isto
ocorresse, seria necessário que tudo se acabasse com a morte; seria preciso que,
ao cortar o fio da existência, tudo o que somos se dissolvesse num instante, em
nada. E não é assim que acontece; absolutamente não. Vemos, então, que o
fundamento da ilusão suicida está na total ignorância do homem diante de sua
própria natureza espiritual.
Há de chegar o dia em que todos compreenderão que somos Espíritos
encarnados e não simples conglomerado de células materiais; que o corpo físico
é um mero instrumento de trabalho e aperfeiçoamento do Espírito; acessório e
não principal, na estrutura da personalidade humana.
Nesse
dia não haverá mais suicidas. Suicidar para quê? Se apenas o organismo físico
se destrói, ao passo que o princípio espiritual sobrevive? Abandonado pelo
Espírito, o corpo não é mais que um amontoado de matéria. E, como tal, volta
para a sua origem, isto é, a terra, O Espírito, a seu turno, também regressa
para o lugar donde veio; aquilo a que o Dr. Hernani G. Andrade chama
hiperespaço. Com o espírito é que pensamos e sentimos; nunca com o corpo físico,
mera ferramenta. Para certificar-se disso, basta ver um cadáver. Que é que
falta à criatura que acaba de Morrer? Tem ainda os músculos, a mesma cor dos
olhos, o cérebro. Os órgãos internos. Porque não se mexe mais não anda, não
fala, não vive? Porque sua carne entra logo em decomposição e seu corpo começa
a ruir como uma casa abandonada? A resposta é simples: é porque algo muito
importante deixou aquele corpo para sempre. Esse algo, princípio imaterial do ser,
é o Espírito, órgão diretor e coordenador, sem o que tudo se desorganiza e se
desintegra. A parte que fica é inerte sem vida própria, não sente dor, nem outra
qualquer sensação - é só matéria. A consciência está no Espírito que parte. Por
conseguinte, quando deixamos o corpo material, levamos nossas lembranças, sentimentos,
paixões, alegrias, tristezas, esperanças, temores, angústias e sofrimentos, tal
como os experimentávamos aqui na carne. O corpo não é mais que uma vestimenta perecível
do Espírito imortal. E se sofríamos aqui, sofreremos muito mais do lado de lá
da vida, se praticarmos a violência do suicídio. Não só porque nossas mágoas
terrenas persistem, mas porque descobrimos, surpresos, envergonhados e
terrivelmente arrependidos, que continuamos vivos, com as mesmas ideias que tínhamos,
e ainda sofrendo dores muito mais agudas, porque só então nos assalta, num
tremendo impacto, a amarga compreensão da loucura que praticamos.
Para
os espíritas, familiarizados com a literatura mediúnica, isso não é novidade.
Temos inúmeros depoimentos de Espíritos que provocaram a destruição de seu
corpo físico, na trágica ilusão de que dessa forma se libertariam para sempre
de seus problemas. E vêm confessar,
amargurados, que o portão da morte não se abre para a escuridão vazia do nada; que
a vida continua, com o corpo físico ou sem ele; e aquilo a que chamamos morte é
uma simples transição - seus portões no levam a uma outra forma de vida e não
ao aniquilamento. E então aquele que destruiu voluntariamente seu envoltório
material chega à dolorosa conclusão de que apenas conseguiu agravar enormemente
seus problemas íntimos, sem libertar-se de nenhuma de suas dificuldades. E descobre,
ainda mais, que terá de voltar à carne em outras condições, talvez ainda mais
penosas e precárias, tantas vezes quantas forem necessárias – para corrigir, refazer
e pacificar.
Assistimos,
então, ao funcionamento inapelável da lei cármica de causa e efeito, ajudando o
pobre ser derrotado e doente a tomar o amargo remédio da recuperação. E aquele
que arrebentou seus próprios ouvidos, com um tiro assassino renasce com o mecanismo
da audição destruído; não podendo ouvir, não aprende a falar. E daí atravessar
uma existência inteira, isolado na solidão forçada, a fim de que seu Espírito compreenda,
no silêncio, o verdadeiro sentido da vida e o valor inestimável dos dons que recebem
ao nascer. O que tomou venenos corrosivos, volta à carne com as vísceras deficientes,
sujeitas a misteriosas e incuráveis mazelas.
Tudo isso porque não podemos ir adiante sem pagar o que devemos, e, sendo a justiça de Deus tão perfeita, não pagamos senão o que devemos, segundo diz a Lei. Logo, o suicídio é o maior, o mais trágico e lamentável equívoco que o ser humano pode cometer. Para não suportar uma dor que deveria durar alguns instantes, buscamos, precipitadamente, outra que pode durar tanto quanto uma nova existência de aflições.
Certamente
Deus nos dá os recursos necessários à recuperação, mas o esforço da subida tem
que ser nosso, para que dele decorra o mérito da ação.
Isso
de dores, mágoas, sofrimentos e aflições é tudo condição transitória de seres
em reajuste moral. No fundo de si mesmo, o Espírito esclarecido sabe, intuitivamente,
a razão da sua dor e se rejubila com ela, porque somente pagando o que deve poderá
prosseguir para o Alto. E sabe mais: certo da perfeição da Lei, na qual não há injustiças,
compreende que, se sofre, é porque deve; a Justiça Divina não cobra multas a
quem não cometeu infrações: ela é infinitamente mais perfeita que a dos homens.
Dessa
forma, interferindo violentamente no mecanismo das leis supremas, o suicídio agrava
os problemas, em vez de resolvê-los.
A
ordem é esperar com paciência, resignação e confiança, aguardando serenamente a
libertação, Acima de toda mágoa, o Espírito pode pairar serenamente e até mesmo
embalado por secreta alegria, pois tem a certeza de que está resgatando com a única
moeda válida - a do sofrimento - compromissos que ainda o prendem a um passado faltoso.
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