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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A conversão de Jubamba

 


A Conversão de Jubamba

por José Brígido (Indalício Mendes)  

Reformador (FEB) Fevereiro 1963


             - Tire daí essa garrafa, meu amigo. Não bebo álcool.

            - Deixe disso, Estou festejando hoje o meu aniversário e todos aqui têm de beber a minha saúde. Uma recusa como a sua representa um insulto e eu não gosto de ser insultado. Vamos, beba! – concluiu o interlocutor com certa irritação na voz.

            Namiba olhou tranquilamente para o homem que o intimava a beber e retrucou, sem vacilar:

            - Desejo que Deus lhe dê muita saúde e, sobretudo, muito esclarecimento, meu amigo. Estou alegre por participar involuntariamente dessa inesperada festa de aniversário. Seja feliz, muito feliz, mas não insista, porque não beberei álcool em hipótese alguma.

            Jubamba, assim se chamava o homem, fechou a cara, cerrou os punhos e desferiu potente soco na mesa, gritando:

            - Aqui ninguém me desobedece! Hoje é um dia diferente. Você beberá à minha saúde, nem que seja forçado, ouviu?

            Namiba ficou sério, mas não deixou transparecer a preocupação que o assaltava. Olhos para Jubamba e procurou dar à voz, sem perda da energia indispensável, um tom de cordialidade.

            - Não briguemos. Não há razão para isso. Beberei à sua saúde, desde que troque o álcool pela água. Respeite o meu gosto. Não perturbemos um dia como este, que assinala a sua data aniversário. É, portanto, um dia de amizade, de alegria e de congraçamento, meu amigo. De acordo?

            Antes que pudesse defender-se, Namiba sentiu o punho poderoso de Jubamba na sua face desprotegida.

            Caiu com os lábios sangrando, meio tonto, por conta da passividade que a covardia impunha a quantos ali se encontravam, temerosos da reação de Jubamba, o desordeiro. Namiba ergueu-se, endireitando a cadeira para sentar-se quando Jubamba voltou a falar:

            - Como é? Você vai ou não vai beber o que está nesta garrafa? - e apontou para a mesa.

            - Quando Jubamba quer, faz-se. Aprenda isso.

            - Pois bem, Jubamba. Você está habituado a ser obedecido servilmente. Mas não serei eu que, para satisfazer a um capricho seu, vou renunciar a um hábito que sigo desde pequeno. Não beberei, nem que você me mate. Mas, ouça, se você crê em alguma coisa que está no plano invisível e acompanha todos os nossos pensamentos e todos os nossos atos; se você continuar assim, estará plantando dores para o futuro. Assim é a lei.

            Jubamba rugiu e avançou para ele, erguendo raivosamente o braço. Mas, quando o punho forte ia descer sobre Namiba, que não se afastara um centímetro, Jubamba soltou um gemido, que era mais um urro desesperado:

            - Uuuui! - E o braço continuou suspenso.

            Jubamba, olhos fora das órbitas, gritando:

            - Dei um jeito no braço! Ai! Ai! Ai!

            Todos, menos Namiba, correram para ele. Arranjaram unguentos e começaram a friccionar o ombro e o braço do agressor que cada vez parecia sofrer mais.

            - Isso não é gente, é o diabo! – esbravejou Jubamba fora de si – É o diabo! Fora com ele, fora!

            Mas ninguém ousou aproximar-se de Namiba.

            Passados alguns momentos, este se aproximou de Jubamba, que recuou, apavorado:

            - Saía daqui! Não se aproxime de mim! Você pagará caro o que fez!

            - Amigo, ouça: não lhe quero mal, não lhe fiz nada nem desejo que sofra. Quero apenas que seja compreensivo. Tomos somos irmãos ou pelo menos nos devemos considerar e tratar-nos como tal. Se me permitir, tentarei aliviar suas dores...

            Mas, ao aproximar-se, Jubamba, raivoso, explodiu:

            - Saia! Não quero nada com o diabo! Nada, nada, nada!

            E, antes que Namiba pudesse tomar qualquer atitude, foi ele, Jubamba, que se retirou, o braço erguido, sem poder baixa-lo, e sofrendo, cada vez sofrendo mais.

            Algumas pessoas ficaram na casa em que se encontrava Namiba. E, embora um tanto esquivos, procuraram conversar com ele. Então, Namiba foi franco:

            - Realmente, não fiz nada para molestar Jubamba. Ele está pagando o que comprou pela violência. Na vida, todos nós colhemos sempre o que semeamos. A violência é uma expressão e uma manifestação do mal. Somente seremos felizes se adotarmos a não – violência como norma de nossas resoluções. O homem paciente triunfa das dificuldades, quando se guia pela inteligência esclarecida.

            Fez um pequeno intervalo para prosseguir:

            - O álcool desfigura a personalidade humana, atira a criatura nos braços da violência e da miséria. Pode conduzi-la ao crime, através da estrada da degradação. Quanto mais nos prendemos à Terra, mais nos distanciamos da legítima felicidade. Sei o que aconteceu a Jubamba, Mas não fui eu quem o provocou... Foi ele mesmo que, atraindo sobre si forças maléficas que se identificavam com a sua injustificada revolta, acabou presa do infortúnio.

            Jubamba fora conduzido a um médico que o examinou detidamente, sem encontrar meios de explicar o que lhe havia acontecido. Procurou definir o caso com palavras esquisitas, fora do alcance daquelas pessoas de condição humilde. Mas, ao fim de duas ou mais, Jubamba continuava sem apresentar melhora.

            Já não gemia mais. Chorava também.

            - Ai! Ai! Ai!, que dor terrível! Não aguento mais!

            E as lágrimas lhe desciam pela cara de barba hirsuta.  

            Já alta hora da noite, quando o desespero de Jubamba havia atingido o auge, alguém a medo sugeriu:  

            - Quem sabe que aquele homem que o enfeitiçou, poderá quebrar o feitiço?

            - Não sei, não sei... – respondeu titubeante o infeliz Jubamba. Em seguida, ajuntou quase como uma insinuação: - É mesmo, quem sabe?

            - Se quer vou procura-lo já - ofereceu-se alguém.  

            - Então ... então, vá... - Concordo, desconcertado, o violento Jubamba.

                                                                                   *

             Muito tempo depois, o emissário retornou, informando:

            - Custei a encontrar o homem, Ele estava dormindo na hospedaria de Koluba. Quando lhe disse que você o desejava ver, ele levantou-se depressa, solícito, respondendo:  "- Onde está Jubamba! Bem, pode ir que eu sairei daqui o mais depressa possível.” Então, eu saí. Mas ele está demorando tanto!

            - Talvez não venha – atalhou Jubamba entre dois gemidos. – Talvez tenha medo de mim... Se eu não estivesse assim, ele seria estraçalhado.  

 *

             Nesse comenos, Numiba, concentrado, realizava uma prece profundamente sentida. Era médium e costumava sempre, antes de qualquer trabalho espiritual, entregar-se a grande meditação, a fim de recolher mais positivamente influências benéficas do Alto, que lhe dessem orientação mais segura.

            Compreendeu que não poderia atender ao sofrimento de Jubamba sem um auxiliar adequado. Foi quando se lembrou de que vira, na tarde anterior, uma jovem franzina, com todas as características de mediunidade. Foi busca-la. Obteve de seus pais autorização para acompanha-lo:

            - Tenho que ir ver Jubamba que está sofrendo muito. Mas preciso de alguém que me auxilie. Mas preciso levar em minha companhia a jovem Tilena?

            Depois de algumas dificuldades, teve o assentimento dos pais da mocinha.

 *

             Logo que chegou ao tegúrio (casebre) de Jubamba, disse Namiba o seguinte:

            - Receba-me como seu amigo, Jubamba. Estou aqui como um irmão que visita outro irmão. Só  lhe peço que você ponha o pensamento em Deus...

            - Em Deus? E você não é o diabo em pessoa? Indagou, surpreendido, o impulsivo Jubamba.

            - Não. Sou apenas humilde servidor de Deus, no roteiro do Cristo. O diabo só existe na imaginação das pessoas. O diabo simboliza o mal e todos aqueles que são maus e toleram o mal, esses sim, podem personificar essa figura lendária. Diabos somos todos quantos nos afastamos do bem, acredite.

            - Quem fez “isto”, então? – perguntou Jubamba.

            - Em, última análise, foi você mesmo. Quando falamos e agimos, trazemos para junto de nós influências boas ou más, segundo o nosso estado d’alma. O mundo invisível é habitado por Espíritos de várias condições morais. Depende de nós, exclusivamente, chamarmos os bons Espíritos ou os Espíritos que ainda não encontraram o caminho luminoso do Bem. Todos, porém, um dia, sereis bons, porque não há castigos eternos. O facínora de hoje poderá ser o santo de amanhã. Jubamba: olhe para mim como para um irmão que lhe quer muito bem. O que se passou, passou. Se você me ajudar com a sua boa vontade, talvez possa ficar livre desse sofrimento muito depressa.

            - Como? – indagou Jubamba.

            - Obedecendo cegamente ao que eu lhe determinar que faça.  Antes, porém, preciso ficar somente com você e Tilena.

            - E que vem essa franguinha fazer aqui? Não gosto que mulher veja um homem gemer... E eu sou um homem!

            - Jubamba: seja humilde, aceite tudo quanto se passar aqui, com tranquilidade e confiança. Veja o que ver, ouça o que ouvir, não diga nada, não faça nenhum gesto.  Espere. Espere sempre. Sei que você não tem medo nem há razão para medo. Está certo? Faça um esforço e pense fortemente no Cristo ou em Deus. Está de acordo?

            - Sim.

*

             Namiba e Tilena, silentes, realizam uma prece intensa.

            De repente, Tilena sofreu um estremecimento ligeiro e saudou Namiba: - Irmão, aqui estou, atendendo ao seu chamado. Sabe quem é?

            - Sei: o irmão Tanaka.

            - Estou com a falange inteira, pronto a trabalhar. Aquele pobre irmão (e apontou para Jubamba) está “carregado”. A falange de Aismã o acompanha de longa data. É um obsidiado. Hoje, porém, vamos libertá-lo de uma vez. Vou deixar a médium, mas estarei a seu lado, protegendo-a. Seu “aparelho” servirá para trazer à sua presença. Numiba, aqueles que perturbam Jubamba. Doutrine-os e o resto deixe por nossa conta.  

            Foi um trabalho terrivelmente fatigante. 0s obsessores pareciam invencíveis, mas, afinal, enfraquecidos pela doutrinação cerrada de Namiba, afrouxaram um pouco a ação perniciosa exercida sobre Jubamba. Envolvidos pela falange de Tanaka, retornaram ao mundo invisível depois de se manifestarem pela incorporação em Tilena. E partiram.

            Namiba aplicou passes no braço de Jubamba e, logo depois, ele não mais sentia dor alguma e movimentava aquele membro com desenvoltura, maravilhado. Notava-se também que seu estado d’alma se modificara. Não estava ali o homem violento, agressivo e mau, mas um outro, humi1de e acessível.

            - Amigo - disse ele a Namiba - estou sentindo um alívio inexplicável. Parece que mudei de alma. Estou mesmo confuso. Não sei bem o que me sucedeu, a não ser que sofri muito.

            - Você foi vítima de obsessores, Jubamba. Está livre e ficará livre enquanto permanecer fiel ao programa que, mais tarde, traçarei para você. É muito mais grave do que certas pessoas supõem, o abandono do espírito e do corpo às coisas materiais, aos vícios, à revolta e à violência.

            Ficarei nesta terra durante dois meses, pois tenho aqui compromissos ligados à minha profissão. Durante esse tempo, se o quiser, estudaremos juntos, porque somente o estudo, ligado à perseverança e à fé, pode levar-nos a bom rumo.

            E assim foi feito.

            Dois meses após, quando Namiba se despediu, os olhos de Jubamba estavam deslizando em lágrimas de de tristeza. Era outro homem. Adquira virtudes que antes desconhecia. Tornara-se um exemplo: não bebia, não brigava, não altercava. Forte como um touro, era humilde como um cordeiro. Aprendera que, podendo esmagar alguém com as mãos possantes, preferível se tornava solucionar as dúvidas com brandura. Os verdadeiros valentes são aqueles que, podendo punir, contentam-se em perdoar, esclarecendo. A legítima valentia não está no exercício da superioridade física, mas no emprego da tolerância construtiva, da paciência edificadora, da humildade consciente, que se faz de força moral, que se multiplica para que o bem não deixe ao mal nenhuma oportunidade.

            E dava gosto ouvir-se Jubamba, anos mais tarde, diante de numerosos jovens, alguns impetuosos e impertinentes, rematar suas lições com estas palavras:

            - Se vocês querem ser fortes, perdoem! Se querem ser fracos, castiguem!

            E apanhando um livro que estava aberto sobre a mesa, concluiu:

            - Está finda, por hoje, a nossa lição.

            E saiu sobraçando “O Evangelho segundo o Espiritismo”...

 


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