A Conversão de Jubamba
por José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Fevereiro 1963
- Tire daí essa garrafa, meu amigo. Não bebo álcool.
-
Deixe disso, Estou festejando hoje o meu aniversário e todos aqui têm de beber a
minha saúde. Uma recusa como a sua representa um insulto e eu não gosto de ser
insultado. Vamos, beba! – concluiu o interlocutor com certa irritação na voz.
Namiba
olhou tranquilamente para o homem que o intimava a beber e retrucou, sem
vacilar:
-
Desejo que Deus lhe dê muita saúde e, sobretudo, muito esclarecimento, meu amigo.
Estou alegre por participar involuntariamente dessa inesperada festa de aniversário.
Seja feliz, muito feliz, mas não insista, porque não beberei álcool em hipótese
alguma.
Jubamba,
assim se chamava o homem, fechou a cara, cerrou os punhos e desferiu potente soco
na mesa, gritando:
-
Aqui ninguém me desobedece! Hoje é um dia diferente. Você beberá à minha saúde,
nem que seja forçado, ouviu?
Namiba
ficou sério, mas não deixou transparecer a preocupação que o assaltava. Olhos
para Jubamba e procurou dar à voz, sem perda da energia indispensável, um tom
de cordialidade.
-
Não briguemos. Não há razão para isso. Beberei à sua saúde, desde que troque o
álcool pela água. Respeite o meu gosto. Não perturbemos um dia como este, que
assinala a sua data aniversário. É, portanto, um dia de amizade, de alegria e
de congraçamento, meu amigo. De acordo?
Antes
que pudesse defender-se, Namiba sentiu o punho poderoso de Jubamba na sua face
desprotegida.
Caiu
com os lábios sangrando, meio tonto, por conta da passividade que a covardia
impunha a quantos ali se encontravam, temerosos da reação de Jubamba, o desordeiro.
Namiba ergueu-se, endireitando a cadeira para sentar-se quando Jubamba voltou a
falar:
-
Como é? Você vai ou não vai beber o que está nesta garrafa? - e apontou para a
mesa.
-
Quando Jubamba quer, faz-se. Aprenda isso.
-
Pois bem, Jubamba. Você está habituado a ser obedecido servilmente. Mas não serei
eu que, para satisfazer a um capricho seu, vou renunciar a um hábito que sigo
desde pequeno. Não beberei, nem que você me mate. Mas, ouça, se você crê em
alguma coisa que está no plano invisível e acompanha todos os nossos pensamentos
e todos os nossos atos; se você continuar assim, estará plantando dores para o
futuro. Assim é a lei.
Jubamba
rugiu e avançou para ele, erguendo raivosamente o braço. Mas, quando o punho forte
ia descer sobre Namiba, que não se afastara um centímetro, Jubamba soltou um
gemido, que era mais um urro desesperado:
-
Uuuui! - E o braço continuou suspenso.
Jubamba,
olhos fora das órbitas, gritando:
-
Dei um jeito no braço! Ai! Ai! Ai!
Todos,
menos Namiba, correram para ele. Arranjaram unguentos e começaram a friccionar o
ombro e o braço do agressor que cada vez parecia sofrer mais.
-
Isso não é gente, é o diabo! – esbravejou Jubamba fora de si – É o diabo! Fora com
ele, fora!
Mas
ninguém ousou aproximar-se de Namiba.
Passados
alguns momentos, este se aproximou de Jubamba, que recuou, apavorado:
-
Saía daqui! Não se aproxime de mim! Você pagará caro o que fez!
-
Amigo, ouça: não lhe quero mal, não lhe fiz nada nem desejo que sofra. Quero apenas
que seja compreensivo. Tomos somos irmãos ou pelo menos nos devemos considerar e
tratar-nos como tal. Se me permitir, tentarei aliviar suas dores...
Mas,
ao aproximar-se, Jubamba, raivoso, explodiu:
-
Saia! Não quero nada com o diabo! Nada, nada, nada!
E,
antes que Namiba pudesse tomar qualquer atitude, foi ele, Jubamba, que se retirou,
o braço erguido, sem poder baixa-lo, e sofrendo, cada vez sofrendo mais.
Algumas
pessoas ficaram na casa em que se encontrava Namiba. E, embora um tanto esquivos,
procuraram conversar com ele. Então, Namiba foi franco:
-
Realmente, não fiz nada para molestar Jubamba. Ele está pagando o que comprou
pela violência. Na vida, todos nós colhemos sempre o que semeamos. A violência é
uma expressão e uma manifestação do mal. Somente seremos felizes se adotarmos a
não – violência como norma de nossas resoluções. O homem paciente triunfa das
dificuldades, quando se guia pela inteligência esclarecida.
Fez
um pequeno intervalo para prosseguir:
-
O álcool desfigura a personalidade humana, atira a criatura nos braços da violência
e da miséria. Pode conduzi-la ao crime, através da estrada da degradação.
Quanto mais nos prendemos à Terra, mais nos distanciamos da legítima felicidade.
Sei o que aconteceu a Jubamba, Mas não fui eu quem o provocou... Foi ele mesmo
que, atraindo sobre si forças maléficas que se identificavam com a sua injustificada
revolta, acabou presa do infortúnio.
Jubamba
fora conduzido a um médico que o examinou detidamente, sem encontrar meios de
explicar o que lhe havia acontecido. Procurou definir o caso com palavras
esquisitas, fora do alcance daquelas pessoas de condição humilde. Mas, ao fim
de duas ou mais, Jubamba continuava sem apresentar melhora.
Já
não gemia mais. Chorava também.
-
Ai! Ai! Ai!, que dor terrível! Não aguento mais!
E
as lágrimas lhe desciam pela cara de barba hirsuta.
Já
alta hora da noite, quando o desespero de Jubamba havia atingido o auge, alguém
a medo sugeriu:
-
Quem sabe que aquele homem que o enfeitiçou, poderá quebrar o feitiço?
-
Não sei, não sei... – respondeu titubeante o infeliz Jubamba. Em seguida, ajuntou
quase como uma insinuação: - É mesmo, quem sabe?
-
Se quer vou procura-lo já - ofereceu-se alguém.
-
Então ... então, vá... - Concordo, desconcertado, o violento Jubamba.
-
Custei a encontrar o homem, Ele estava dormindo na hospedaria de Koluba. Quando
lhe disse que você o desejava ver, ele levantou-se depressa, solícito, respondendo:
"- Onde está Jubamba! Bem, pode ir
que eu sairei daqui o mais depressa possível.” Então, eu saí. Mas ele está
demorando tanto!
-
Talvez não venha – atalhou Jubamba entre dois gemidos. – Talvez tenha medo de
mim... Se eu não estivesse assim, ele seria estraçalhado.
Compreendeu
que não poderia atender ao sofrimento de Jubamba sem um auxiliar adequado. Foi
quando se lembrou de que vira, na tarde anterior, uma jovem franzina, com todas
as características de mediunidade. Foi busca-la. Obteve de seus pais autorização
para acompanha-lo:
-
Tenho que ir ver Jubamba que está sofrendo muito. Mas preciso de alguém que me auxilie.
Mas preciso levar em minha companhia a jovem Tilena?
Depois
de algumas dificuldades, teve o assentimento dos pais da mocinha.
-
Receba-me como seu amigo, Jubamba. Estou aqui como um irmão que visita outro
irmão. Só lhe peço que você ponha o pensamento
em Deus...
-
Em Deus? E você não é o diabo em pessoa? Indagou, surpreendido, o impulsivo
Jubamba.
-
Não. Sou apenas humilde servidor de Deus, no roteiro do Cristo. O diabo só
existe na imaginação das pessoas. O diabo simboliza o mal e todos aqueles que
são maus e toleram o mal, esses sim, podem personificar essa figura lendária.
Diabos somos todos quantos nos afastamos do bem, acredite.
-
Quem fez “isto”, então? – perguntou Jubamba.
-
Em, última análise, foi você mesmo. Quando falamos e agimos, trazemos para junto
de nós influências boas ou más, segundo o nosso estado d’alma. O mundo
invisível é habitado por Espíritos de várias condições morais. Depende de nós,
exclusivamente, chamarmos os bons Espíritos ou os Espíritos que ainda não encontraram
o caminho luminoso do Bem. Todos, porém, um dia, sereis bons, porque não há castigos
eternos. O facínora de hoje poderá ser o santo de amanhã. Jubamba: olhe para mim
como para um irmão que lhe quer muito bem. O que se passou, passou. Se você me
ajudar com a sua boa vontade, talvez possa ficar livre desse sofrimento muito depressa.
-
Como? – indagou Jubamba.
-
Obedecendo cegamente ao que eu lhe determinar que faça. Antes, porém, preciso ficar somente com você e
Tilena.
-
E que vem essa franguinha fazer aqui? Não gosto que mulher veja um homem gemer...
E eu sou um homem!
-
Jubamba: seja humilde, aceite tudo quanto se passar aqui, com tranquilidade e
confiança. Veja o que ver, ouça o que ouvir, não diga nada, não faça nenhum
gesto. Espere. Espere sempre. Sei que você
não tem medo nem há razão para medo. Está certo? Faça um esforço e pense
fortemente no Cristo ou em Deus. Está de acordo?
-
Sim.
*
De
repente, Tilena sofreu um estremecimento ligeiro e saudou Namiba: - Irmão, aqui estou, atendendo ao seu
chamado. Sabe quem é?
-
Sei: o irmão Tanaka.
-
Estou com a falange inteira, pronto a trabalhar. Aquele pobre irmão (e apontou
para Jubamba) está “carregado”. A falange de Aismã o acompanha de longa data. É
um obsidiado. Hoje, porém, vamos libertá-lo de uma vez. Vou deixar a médium, mas
estarei a seu lado, protegendo-a. Seu “aparelho” servirá para trazer à sua
presença. Numiba, aqueles que perturbam Jubamba. Doutrine-os e o resto deixe
por nossa conta.
Foi
um trabalho terrivelmente fatigante. 0s obsessores pareciam invencíveis, mas,
afinal, enfraquecidos pela doutrinação cerrada de Namiba, afrouxaram um pouco a
ação perniciosa exercida sobre Jubamba. Envolvidos pela falange de Tanaka,
retornaram ao mundo invisível depois de se manifestarem pela incorporação em
Tilena. E partiram.
Namiba
aplicou passes no braço de Jubamba e, logo depois, ele não mais sentia dor alguma
e movimentava aquele membro com desenvoltura, maravilhado. Notava-se também que
seu estado d’alma se modificara. Não estava ali o homem violento, agressivo e
mau, mas um outro, humi1de e acessível.
-
Amigo - disse ele a Namiba - estou sentindo um alívio inexplicável. Parece que
mudei de alma. Estou mesmo confuso. Não sei bem o que me sucedeu, a não ser que
sofri muito.
-
Você foi vítima de obsessores, Jubamba. Está livre e ficará livre enquanto
permanecer fiel ao programa que, mais tarde, traçarei para você. É muito mais
grave do que certas pessoas supõem, o abandono do espírito e do corpo às coisas
materiais, aos vícios, à revolta e à violência.
Ficarei nesta terra durante dois meses, pois tenho aqui
compromissos ligados à minha profissão. Durante esse tempo, se o quiser, estudaremos
juntos, porque somente o estudo, ligado à perseverança e à fé, pode levar-nos a
bom rumo.
E assim foi feito.
Dois meses após, quando Namiba se despediu,
os olhos de Jubamba estavam deslizando em lágrimas de de tristeza. Era outro
homem. Adquira virtudes que antes desconhecia. Tornara-se um exemplo: não
bebia, não brigava, não altercava. Forte como um touro, era humilde como um
cordeiro. Aprendera que, podendo esmagar alguém com as mãos possantes, preferível
se tornava solucionar as dúvidas com brandura. Os verdadeiros valentes são
aqueles que, podendo punir, contentam-se em perdoar, esclarecendo. A legítima valentia
não está no exercício da superioridade física, mas no emprego da tolerância construtiva,
da paciência edificadora, da humildade consciente, que se faz de força moral, que
se multiplica para que o bem não deixe ao mal nenhuma oportunidade.
E dava gosto ouvir-se Jubamba, anos
mais tarde, diante de numerosos jovens, alguns impetuosos e impertinentes,
rematar suas lições com estas palavras:
- Se vocês querem ser fortes, perdoem!
Se querem ser fracos, castiguem!
E apanhando um livro que estava
aberto sobre a mesa, concluiu:
- Está finda, por hoje, a nossa lição.
E saiu sobraçando “O Evangelho
segundo o Espiritismo”...
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