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sábado, 14 de novembro de 2020

Modos de interpretar

 


Modos de interpretar – Parte 1

por Geminiano Barboza  Reformador (FEB) Junho 1914

             Em uma sessão de estudo doutrinário a que estive presente, na Federação Espírita Brasileira, um dos oradores que tomaram parte no estudo da lição do dia, entre outras asserções, externou a seguinte:

             “ - Discordo da ideia exclusivista aplicada à pessoa de Jesus, que o coloca fora das leis gerais, como que agindo de modo diverso do que seguem os demais espíritos... Discordo porque esse modo parece fazer supor uma parcialidade da parte do próprio Deus, o que seria absurdo e, portanto, inadmissível... Acho mais razoável admitir que Jesus Cristo houvesse palmilhado a mesma estrada que nós outros seguimos, e que, de estágio em estágio, de progresso em progresso, conseguisse alcançar a perfeição magna de espírito puríssimo, conforme nos é apresentado pelos espíritos superiores... Isto me parece mais correto que admitir uma única exceção em favor de um único espírito.”

            Pondo de parte as minúcias complementares, temos ali resumida a opinião de um espírita, dada como ponto de doutrina escutada por mais de duzentos assistentes.

            Ora, é muito natural que aqueles assistentes, ou pelo menos muitos deles, necessitassem sem exame a opinião do orador e passem a transmiti-la a outros como ponto de doutrina.

            E exatamente isso que sinto pesar sobre minha consciência, como se fora um crime por mim praticado, deixar passar em silêncio uma ideia errônea, embora emitida de boa-fé e com os melhores intuitos, porquanto o que nos ensina a Revelação não autoriza, antes exclui, opinião tal.

            Se os espíritos partem todos de um mesmo princípio, dotados todos dos mesmos recursos, que são os seus atributos individuais, postos em pé de igualdade no momento inicial da vida consciente, onde começa para todos a responsabilidade própria; os desvios que se dão e as orientações diversas derivam dos próprios... espíritos, segundo suas inclinações, suas tendências, seus gostos particulares e o modo de usar a energia moral de que dispõe cada um.

            Há os que aspiram, no primeiro surto da vida de espírito emancipado, as regiões siderais e procuram haurir energia no próprio almejo, a fim de conquistar as alturas, e, no justo anseio de conhecer as belezas celestes, que de longe pressentem, empregam todo o esforço de que se sentem capazes; e o Pai, Misericordioso e Bom, apreciando com a devida Justiça o heroísmo e a nobreza que se revelam nos primeiros atos do iniciado, olha-o desde logo com a complacência de pai extremoso, e esse olhar sacrossanto incute no espírito assim encaminhado maior soma de energia e força de vontade.

            Devemos compreender aí, como em todos os outros casos de ordem geral e comum, a ação das leis naturais, como sejam: a de simpatia, a de atração, a de evolução, a de progresso, etc., etc.

            Essa classe de espíritos, entregues por completo a uma única preocupação, conservam-se impregnado dela e isto constitui para eles um verdadeiro preservativo, razão porque os sentimentos inferiores neles não se desenvolvem: abortam, extinguem-se, e ei-los vencedores, heróis.

            Aí está, meus amigos, a classe de espíritos onde devemos procurar Jesus, nosso divino Redentor.  

            Vejamos agora porque a maioria dos espíritos desvia-se da linha espiritual e condena-se à luta alternada das existências materiais.

            Cheios de alegria e satisfação pela liberdade que passam a usufruir quando entregues ao seu livre-arbítrio, nossos pobres espíritos, inexperientes ainda, fazem quase sempre mau uso do livre-arbítrio e deixam de acatar os conselhos de seus guias para obedecerem às próprias vontades, que nem sempre são exequíveis e convenientes, pois obedecem às vezes as tendências más, derivadas da própria índole, e que o espírito tem o dever de corrigir e apurar, por isso que é dever de todos trabalhar pelo seu aperfeiçoamento.

            Entretanto, empolgados pela ideia de gozos fáceis, descuidam-se da orientação que deviam procurar e manter com firmeza.

            De aventura em aventura, de experiência em experiência, de leviandade em leviandade, de erro em erro, chegam às últimas consequências e condenam-se à materialização.

            Não se pode divisar aí nenhuma parcialidade, quando cada um seguiu livre e espontaneamente a direção que escolheu.

            Na vida prática da humanidade há um caso experimental que dá ideia de um perfeito símile:

            “Retira-se de um pombal uma dúzia de pombos, leva-se os à grande distância em condições discretas e, em dado momento, solta-se os conjuntamente.

            Alegres pela liberdade inesperada, as meigas avezinhas evoluem em torno do ponto de partida, tomando depois direções diversas, seguindo cada uma a orientação que lhe apraz.

            Resultado: - Uma se apresenta primeiro no pombal, em certa hora, outra meia hora depois, outra, duas horas mais tarde, algumas no dia seguinte, e outras nunca mais são vistas.”

            É justo atribuir parcialidade à pessoa que as criou?..

            Deve-se recriminar a Natureza por lhes não haver dado igual força e igual orientação?

De modo algum; porquanto, como sabeis, a Natureza é composta de variantes, que em tudo se revelam. Do mesmo modo, nenhuma parcialidade se pode atribuir ao criador dos pombos, que naturalmente, empregou iguais meios no tratamento de todos.

            Entretanto, convém não olvidar uma circunstância fundamental, que resulta entre os dois casos: é que os pombos agem instintivamente, ao passo que os espíritos operam conscientemente, não no sentido geral, mas no sentido restrito; que, não compreendendo a expressão clara e extensiva, compreende o modo de distinguir; e os espíritos não são entregues ao domínio de si mesmos senão quando em estado de distinguir os pensamentos e a vontade, por meio do raciocínio.

            Temos, porém, um ponto de doutrina que exclui a possibilidade daquela parcialidade conjecturada e que nos oferece margem para um largo estudo: é que o caso de Jesus não é singular, como parece supor o nosso irmão, pois só pode ser compreendido como singular perante o nosso mundo e seus habitantes. Mas o caso de Jesus é universal, por sua natureza e por sua origem, razão porque só na Vida Universal poderemos encontrar entidades similares à entidade de Jesus, o Messias; na órbita de um planeta não se pode encontrar similar para o seu fundador, o mesmo que dirigiu e dirige o destino de seus habitantes, função que iniciou já glorificado.

            Façamos voar nosso pensamento de mundo em mundo e descobriremos milhares de milhares de espíritos puríssimos iguais ao de Jesus; - eis os seus pares, seus companheiros de classe.

            Raciocinemos de conformidade com a Revelação e veremos que não há similitude possível entre o espírito de Jesus, que é infalido, e o espírito da humanidade terrena, falido em toda a linha.

            Se a doutrina nos ensina e a Revelação confirma a existência de uma infinidade de mundos de categorias diversas, possuindo cada um o seu governador e protetor, que é o seu Messias, o seu Cristo; se nos explica ainda a Revelação que esses postos representam prêmios de mérito outorgados aos espíritos que conseguem atingir o grau de espírito perfeito... sem haver falido, isto é, sem haver cometido a menor falta, claro está que Jesus Cristo possui no Universo milhares de milhares de irmãos infalidos, espíritos imaculados, puríssimos.

            Logo, Jesus não está só, não é único.

            O que, infelizmente, é deveras lamentável, é ser tão reduzido o número dos que sobem quão fabuloso o número dos que descem.

            É que, enquanto aqueles se esforçam para aproximar-se do Criador, estes últimos atiram-se à colheita de gozos e prazeres,

            Pois não é assim que procedemos ainda hoje, mesmo depois da Revelação?

            Se todos nós, que habitamos n Terra, tivéssemos querido e sabido nos revestir de humildade e amor, como aqueles irmãos, que souberam ser fortes para não atenderem às seduções materiais lobrigadas (percebidas) nos mundos inferiores; se, como eles, houvéssemos impelido nosso pensamento para o Alto e com ele os nossos melhores sentimentos, o olhar do Pai Celeste envolver-nos-ia e nós seríamos fortes, como foram aqueles irmãos, e, como eles, teríamos subido, em vez de descer.

            Mas a vaidade bem cedo nos empolgou, e após ela o orgulho e depois a ambição e outros sentimentos impuros, até que nos convertemos em espíritos rebeldes, voltando, voluntária, embora inconscientemente, a nossa condenação ao suplício da vida material, na qual permanecemos ainda.

            Tornamo-nos pois culpados e assim passíveis de penas; adquirimos impurezas; forçoso era que fossemos provados até que readquiríssemos a pureza perdida, e sob essa condição estamos e estaremos, talvez por muito tempo ainda, porque continuamos a alimentar nossos ferozes inimigos - a vaidade, o orgulho, a ambição, o egoísmo, a rebeldia, enfim.

            Sim, meus amigos, são esses os nossos maiores inimigos, de todos os tempos.

            Contra eles devemos sustentar luta sem tréguas, procurando haurir na doutrina de Jesus e na fé cristã a energia que nos falta para tão útil empreendimento.

            Firmemo-nos em franca e decidida resolução; apliquemos nossos sentimentos bons ao serviço da eliminação dos sentimentos maus e a Divina Misericórdia do Pai Celeste nos vir auxiliar, tornando bem mais fácil nosso triunfo...

            É assim que devemos trabalhar para a nossa regeneração.

            O nosso esforço, sustentado com solicitude e perseverança, ganhará mérito diante de Deus e a sua santa indulgência coroará nossos esforços, facilitando a ação progressiva da nossa reabilitação e proporcionando-nos ensejo de melhor perscrutar a Verdade e compreender as divinas sutilezas das coisas celestes, que as nossas imperfeições não nos permitem por enquanto compreender.

Modos de interpretar – Parte 2

por Geminiano Barboza  Reformador (FEB) 1º Julho 1914

             Se o Divino Pastor declarou que “o Pai não quer que se perca uma só das suas ovelhas”, porque não se submetem essas ovelhas ao jugo desse mesmo Pastor, que deu a vida por elas, conforme havia prometido ?..

            Em conclusão: - Os espíritos foram criados puros; transviando-se, conspurcaram sua pureza e tornaram-se maus; foram submetidos às provas materiais; incorporados, perderam a noção da sua origem e desviaram-se da senda do dever. Mas nem por isso a Assistência Divina os deixou abandonados.

            A Misericórdia do Pai Celeste não os desamparou jamais.

            Se mais não havemos conseguido em nosso benefício é devido à nossa rebeldia e às fraquezas a que nos entregamos, em vez de lutar contra elas.

            Agora, porém, que tudo está preparado e disposto de modo a facilitar a nossa reabilitação, mostremo-nos dignos dos favores do nosso Criador e retomemos o caminho perdido, sob a ação benéfica dessa Luz Divina que é a Revelação e o poderoso auxilio que ora nos prestam os novos Apóstolos do Divino Mestre.

            Estudemos, trabalhemos e esforcemo-nos por nos tornar melhores, porque já fomos muito maus.

            Reabilitemo-nos.

            Não é sem esforço que se consegue reaver o perdido.

            Temos, pois, que lutar e lutar muito, contra nossas fraquezas.

            Nosso passado foi um acervo de erros e faltas, que não só nos desviaram da senda que devíamos seguir, mas também nos criaram o futuro penoso e mortificante, que é o presente que hoje suportamos, amargurados.

            Mas não foi debalde que baixou à Terra aquele espírito puríssimo, que foi chamado “Divino Modelo”.  

            Lancemos um olhar retrospectivo sobre sua individualidade, seus atos e sua doutrina.

            Inspiremo-nos em suas palavras e nos seus exemplos e veremos operar-se esse grande milagre:-a conversão dos servos rebeldes do passado e do presente em humildes e mansos discípulos e apóstolos do futuro.

            Jesus, espírito puríssimo e perfeito, não estava de nenhum modo sujeito a provas materiais; entretanto, nós sabemos por quão duras provas passou Ele na Terra: desde o insulto aviltante até a morte ignominiosa que lhe foi aplicada, com todo o seu cortejo de horrores.

            Jesus, porém, jamais se queixou; jamais deixou transparecer sequer a menor indisposição contra os próprios algozes, antes à última hora pedia ao Pai o perdão para eles.

            Inspiremo-nos, pois, nos exemplos do Divino Mestre; estudemos com critério e meditação a sua santa doutrina, a fim de aprendermos a pratica-la; apliquemo-nos

com dedicação e boa vontade à causa do Bem e seremos auxiliados pelos espíritos bons, postos ao serviço do Bem; veremos assim esclarecerem-se a nossa razão e a nossa consciência e crescer e consolidar-se nossa fé, que tão vacilante sentimos ainda hoje.

            Não fosse fraca e vacilante a fé que supomos possuir e não passaríamos pela triste decepção de ver surgir do próprio seio dos que estudam o Espiritismo a dúvida escabrosa e pertinaz acerca da Nova Revelação assinada pelos próprios Evangelistas com assistência dos Apóstolos, como é o caso a que me referi no princípio deste estudo, com relação à essência, origem e especialidade do espírito de Jesus Cristo.

            Penitenciemo-nos, pois, para que nos alcance a indulgência do Pai Celeste e esforcemo-nos por alcançar a Luz, porque só a Luz vinda de Deus nos permitirá compreender a Verdade, para não mais estarmos sujeitos à dúvida e vacilações, porque então teremos penetração de vistas através do mundo espiritual.

            Então compreenderemos a evolução dos espíritos infalidos, na senda do Progresso Universal, como compreendemos hoje a evolução do mundo físico, segundo o progresso material; compreenderemos a ordem universal dos mundos em geral e a razão porque não deve ser considerado “único” espírito infalido - Jesus, quando nos dizem os arautos de Deus que, cada mundo tem o seu Cristo, isto é, seu fundador, seu protetor e governador.

            Além disto, não repugna crer que existam em disponibilidade muitos espíritos infalidos, que, não sendo fundadores nem governadores de mundo algum, bem podem ser os principais auxiliares do Criador e grandes colaboradores do Progresso Universal, verdadeiros anjos de Deus.

            Os portadores da Nova Revelação não podiam vir da parte do Divino Mestre sugerir-nos ideias falsas e criminosas e o nosso irmão Roustaing, homem material como nós, jamais seria capaz de conseguir levar a termo, com a perfeição que ressalta do próprio conjunto, a obra transcendente que é a Revelação, sem o auxílio do mundo invisível, a cuja ordem se submeteu com docilidade, resignação e perseverança.

            Impõe-se nos a necessidade de sermos mais confiantes na Misericórdia de Deus e mais crédulos ante as promessas do Messias, se de fato desejamos ser espíritas e compreender os ensinamentos que nos são enviados por intermédio do Espiritismo para  alimentar e robustecer nosso espírito e liberta-lo das trevas da ignorância em que ainda permanecem acerca das coisas divinas e do mundo invisível.

            Não nos devemos esquecer, meus amigos, da grande lição que nos legou Jesus no fato da incredulidade de Tomé. Aquele Apóstolo não se mostraria incrédulo se tal lição não fosse necessária; se a divina perspicácia do Ressuscitado não descobrisse nela grande utilidade futura.

            Porque duvidara Tomé da Ressurreição de Jesus?..

            Não havia ele, como os demais discípulos, acompanhado o Rabino e assistido aos atos maravilhosos que Este praticara e às afirmativas que fizera, embora veladamente, de ser ele o Messias, o Cristo, o Filho de Deus?..

            Porque, pois, duvidava da Ressurreição do Mestre?.. 

            Porque precisava ser punido pela sua distração, talvez pelo pouco amor à causa que abraçara, por não se haver aplicado, com a constância devida, à criteriosa meditação, a fim de descobrir a razão lógica que encerravam as palavras do Nazareno, analisando-as em confronto com os atos que testemunhara, para tirar daí a consubstanciação da sua fé...  Eis porque foi Tomé punido com a descrença, duvidando da Ressurreição do Cristo.

            Mas não devemos ver naquele ato a punição exclusivamente; mas principalmente o ato providencial, a lição perene e eterna legada à humanidade, para que aprenda ela a precaver-se contra as fraquezas inerentes à matéria, que dão ensejo à vacilação e à dúvida, fazendo oscilar e às vezes baquear a nossa fé.

            Inspiremo-nos nessa lição e sejamos vigilantes e prudentes para não sermos colhidos de surpresa, por incautos e negligentes.

            Jesus havia prometido o Consolador, alegando que este falaria d'Ele, como Ele falava do Pai; mas teve o cuidado de envolver no mistério o Consolador, como os profetas haviam envolvido no mistério o Messias anunciado.  

            Assim, o Messias veio e os que o esperavam não o receberam, porque não o reconheceram.

            Do mesmo modo, veio o Consolador, que é a Revelação da Revelação, e é combatido por muitos dos que o deviam receber com acatamento e respeito, por ser a maior prova do Amor de Deus para com os homens, o cumprimento da promessa de Jesus e poderoso elemento no cultivo do espírito humano, no preparo da reabilitação do espírito, para que possa alcançar a Luz, e com ela a Verdade e tornar-se livre.

            Jesus declarou não vir destruir a Lei nem os profetas, mas dar-lhes cumprimento; e nós bem sabemos que Jesus disse a verdade e cumpriu o que disse. A Revelação afirma não vir destruir a Igreja, mas restabelecer a Verdade.

            Ora, a Igreja aludida é naturalmente a católica, cognominada Igreja de Jesus, a qual tem como fundamento a doutrina do Cristo, embora não a cumpra (não entremos nessas indagações; não é essa a nossa missão); ruas vamos ao nosso fim; - O Espiritismo apresenta-se em nome de Deus, baseado nos Evangelhos cristãos; constitui-se no seio da humanidade uma força propulsora e simpática, fazendo prosélitos por toda parte e avassalando os sentimentos humanos, porque prega e pratica a doutrina de Jesus convidando a humanidade a praticar o verdadeiro Cristianismo e eis que se torna desde logo suspeito na opinião da Igreja Católica e por isso mesmo combatido por ela; mas vem logo após a Revelação Nova, baseada igualmente nos textos dos Evangelhos cristãos, explicando-os em Espírito e Verdade; eis que se torna também suspeita, não somente aos adversários do Espiritismo, mas também no seio da “Família Espírita”, tal qual a Ressurreição no seio dos discípulos do Messias!

            Valha-nos Deus! Valha-nos o Divino Mostre! Valha-nos a Misericórdia Celeste!

            Os escribas e fariseus desconheceram o Messias na pessoa do Nazareno e o guerrearam.

            Tomé duvidara da Ressurreição do Mestre e recusara-se acreditar sem lhe tocar as chagas; a Igreja Católica desconhece Jesus na Revelação Espírita e oferece-lhe combate sem trégua; finalmente, toma a palavra o Espiritismo para condenar a Revelação da Revelação!

            Pobre humanidade! Sempre precavida para não ser iludida, e sempre iludida nas suas precauções l

            Valha-nos Deus!

 

Modos de interpretar – Parte 3 e final

por Geminiano Barboza     Reformador (FEB) 16 Julho 1914

             Apenas havíamos concluído nosso longo estudo referente singular originalidade ou original singularidade do espírito de Jesus Cristo, eis-nos arrebatados por uma nova questão, um novo caso de dúvida, que convida a novas meditações, o que nos obriga a recapitular argumentos já vulgarizados.

            No argumento anterior tratava-se do espirito; na presente meditação trata-se do corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Messias, o Filho de Deus, nosso Divino Mestre, Redentor da humanidade e seu Divino Modelo.

            O nosso irmão, o dedicado orador de que nos vimos ocupando, encheu com a sua palavra toda uma sessão, no infeliz propósito de demonstrar a natureza material do Corpo de Jesus Cristo.

            Como o Apóstolo Thomé, nosso irmão padece de incredulidade, não aceita como verídicas as afirmativas da Revelação referentes ao corpo de Jesus; acredita ver nelas a opinião pessoal do Sr. Roustaing e acha que este sacrificou a verdade e está em contradição com os Evangelhos e com os ensinamentos transmitidos por Allan Kardec, que destroem (afirma o orador) a opinião que sustenta ser o corpo de Jesus - corpo fluídico.

            Ora, primeiro que tudo temos a atender a esta preliminar: a Revelação não é obra humana, não derivou da vontade nem do senso do homem, porque é obra do próprio Jesus.

            Os Evangelistas declaram transmiti-la por vontade de Deus e ordem do Mestre, para restabelecer a Verdade, agora que “os tempos são chegados”.

            Em segundo legar, temos que atender ao que diz o próprio Roustaing no prólogo da citada obra, quando confessa que tivera a princípio suas prevenções contra o Espiritismo, só lhe dando credito depois de haver lido os livros de Allan Kardec, o que fez instigado por um amigo. Entretanto, essa leitura, conquanto lhe modificasse o modo de pensar, não lhe produziu a menor sedução; conservou-se indiferente, se bem que respeitoso, perante o Espiritismo.

            Incidentes posteriores e comunicações especiais determinaram sua conversão e submissão sob compromisso formal. O Sr. Roustaing não foi, pois, um intruso, não foi um explorador da boa-fé do próximo, não foi um charlatão; foi um escolhido, um predestinado, um espírito de seleção, um instrumento de valor, um médium de alta capacidade, em tudo tão respeitável quanto nosso mestre Allan Kardec.

                Passando a outra ordem de ideias, temos a considerar palavras e atos do próprio Jesus, predispondo a confirmação da Verdade relativa à natureza essencial do seu corpo.

                Se temos de solicitar o apoio dos Evangelhos para nossas opiniões, façamo-lo com humildade e a devida coerência e talvez possamos, com o auxílio das luzes divinas encerradas nas revelações contemporâneas, penetrar os mistérios e reconhecer a verdade.

            Os Evangelhos oferecem-nos muitas passagens reveladoras do corpo fluídico de Jesus, conforme se depreende de algumas parábolas e conforme atestam alguns atos do Rabino:

             - A passagem de uma a outra cidade, transpondo o mar de Galileia, em uma noite em que nenhuma embarcação fizera aquela travessia depois da barca em que seguiram os discípulos; a viagem por sobre as ondas, em demanda da barca em que se achavam aqueles, postos ao largo; o seu aparecimento súbito no templo, de modo inesperado e inexplicável, por ocasião da “festa dos Tabernáculos”, quando se havia deixado ficar na Galileia, sem meio de transporte; o seu desaparecimento súbito e misterioso do meio dos judeus, no alto da montanha, quando furiosos o levaram lá, com o fim de atira-lo ao despenhadeiro e que encontraram apenas o vácuo no lugar ocupado pelo Rabino, precisamente quando suponham agarra-lo em suas mãos; sem falar nas pequenas desaparições dentre seus discípulos, que o supunham em retiro, em oração e penitência; encontramos o grande fato, magna e irrecusável prova do corpo fluídico de Jesus, única circunstância que explica a Ressurreição dentro das leis naturais, sem mistério e sem milagre - a própria Ressureição.  

            Depois temos ainda como fatos, aliás importantes que comprovam a verdade do corpo fluídico do Cristo, a aparição do Mestre a seus discípulos, que se mantinham de portas fechadas e mais o ato da Ascenção, à vista do todos os Apóstolos.

            Aí temos, pois, três fatos que por si sós bastariam, como atestados que são da natureza fluídica do corpo de Jesus, para destruir todo e qualquer argumento contrário; porém, importa que meditemos também sobre algumas palavras do Divino Mestre e a autoridade dos Evangelistas, emissários da Revelação Nova.

            O desaparecimento do corpo de Jesus do fundo do sepulcro muito contribuiu para a dúvida de Thomé, que não achava a explicação para a ressurreição do corpo; e não eram de todo infundadas suas razões e sua dúvida, porquanto Tomé via no Rabino um homem como ele. Entretanto, esse mesmo desaparecimento é a prova mais robusta de que era fluídico e não material o corpo de Jesus, tal como no-lo mostra a Revelação.

            E não são os próprios Evangelistas os signatários da Revelação que Roustaing?!.. Não afirmam eles haverem recebido do Divino Mestre a missão da Revelação em Espírito e Verdade, por vontade de Deus?.. Não confessam eles não poder revelar ainda toda a Verdade, mas somente o que devia ser conhecido no momento da Revelação? ... Não há, pois, como duvidar da Revelação de Roustaing, se ela se nos apresenta obra complementar à Revelação de Allan-Kardec e o restabelecimento das verdades proclamadas pelo Divino Mestre.

            Não afirmara o Messias aos Apóstolos que nada havia ignorado que não viesse a ser sabido e nada oculto que não viesse a ser descoberto ?..

            Não afirmou Jesus que em tempo mandaria o Consolador e que este falaria d'Ele como Ele falava do Pai?..

            Não afirmou igualmente haver descido do Céu e ser o “Pão da Vida”?.. Não afirmou ainda Jesus que dos varões nascidos de mulher nenhum era maior, na Terra, do que João Batista, sendo entretanto o menor do Reino do Céu maior que ele ?.. Entretanto Jesus estava na Terra e era tido como nascido Mulher.

            Tudo, enfim, induz a crer e aceitar como boas e verdadeiras as revelações contidas nos Quatro Evangelhos de Roustaing, firmadas pelos Evangelistas, não somente por trazerem a assinatura destes, mas pelo espírito elevado dos comentários, pela harmonia do conjunto, pela lógica essencial na ligação dos fatos relatados, pela elevação e lucidez dos conceitos emitidos, e sobretudo pela sabedoria transcendente e profunda, revelando-nos assim a Sabedoria Divina.

            Nem de outro modo se poderia compreender a doutrina espírita como instituição filosófica, científica e doutrinária, que abriga em seu seio promessas de tão elevado alcance e tamanhas responsabilidades e se faz reconhecer doutrina ampliativa e progressiva, se tivéssemos de desprezar a Revelação da Revelação, que é a sua confirmação e a sua maior garantia, porquanto a Revelação está para a doutrina espírita como João Batista para o Messias: - é quem lhe há de abrir, não veredas, mas vastas estradas de luz por onde seguirá o Espiritismo em marcha triunfante, arrebanhando, uma a uma, as ovelhas do Senhor.

            Acho, pois, de bom aviso não levarmos tão longe nossos receios, nossas dúvidas e nossas precauções, que nos poderiam afastar dos bons princípios. Convém que não nos suceda o mesmo que sucedeu aos que se sentaram na cadeira de Moisés e os que se fizeram herdeiros da cadeira de Pedro.

            Cuidado com o nosso zelo e nossas precauções; se nos são úteis e necessários, são também bastante perigosos; cuidado com as demasias (exageros?)!

            Precisamos ser prudentes e criteriosos e sobretudo coerentes, tanto no que respeita ao estudo como ainda nas adoções e exclusões.

            Bem sabemos que Jesus não tinha vaidades e não proferia palavras inúteis; e a Revelação não é mais que a justificativa completa das suas palavras e dos seus atos. Porque, pois, havemos de condená-la?..

            Porque nos apresenta Jesus uma entidade em tudo diferente da criatura humana, assim na ordem espiritual, como na ordem física?

            Mas este é ainda um ponto perfeitamente logico, que bem deve satisfazer a natural curiosidade dos que estudam e meditam, porque nos fornece a chave dos mistérios até então impenetráveis e nos mostra o nosso Redentor em toda a sua grandeza, em toda a sua divina majestade.

            Jesus, espírito infalido, espírito puríssimo e de seleção, de perfeição quase absoluta, possuindo a moral divina e a ciência universal, tendo por sua divina piedade e por vontade do Pai, necessidade de vir ao seio da humanidade semear a palavra de Deus, semente da regeneração do espírito humano e base do progresso moral do nosso planeta; tendo enfim de praticar esse ato de abnegação e Amor, fê-lo em Espirito, mas não se submeteu às leis materiais a que somos sujeitos nós outros, espíritos falidos.

            Ora, havendo Jesus presidido a elaboração, a transição e desenvolvimento do nosso planeta; sendo, por seu valor e por sua ciência, senhor do Elemento Universal, por mercê do Pai, que sobre Ele depusera toda a sua complacência; sabendo dominar e dirigir os fluidos com a mesma facilidade que nós dirigimos o olhar, o pensamento, etc.; a formação do corpo com que se apresentava aos homens era simplesmente objeto de sua vontade e jamais precisou de gestação.

            O espírito do Messias, sendo de origem puramente divina e já glorificado no seio do Pai; essência celeste que é, não podia de modo algum suportar a fusão material a que se submetem os espíritos que encarnam na Terra.

            A necessidade das lições de fatos e exemplos, assim como a ignorância e o transviamento dos espíritos em nosso mundo na época da vinda do Messias, determinaram o Mistério da Encarnação e todo os mais que lhe silo adstritos.

            Pois não estava escrito que o Messias descenderia da tribo de Israel, da geração de David?

            ...Logo, o Messias devia ser um homem aparentemente semelhante aos outros. Consequentemente, o Mistério da Encarnação é um fato perfeitamente coerente.

            Demais, nós sabemos hoje que não há mistério eterno, como não há penas eternas.

            O próprio Jesus afirmou:

            “-Tudo será dado a seu tempo .”

            Assim, creio que não temos o direito de estranhar que, de longe em longe, uma nova revelação, mais ampla e mais lúcida venha esclarecer, ampliar ou reformar os pontos deficientes de uma revelação anterior, de conformidade com o progresso alcançado e o progresso a desenvolver.

            Apurar a verdade, por todos os meios a seu alcance, é dever de todos quantos se dedicam à propagação e difusão da doutrina espírita. Duvidar, porém, das comunicações ou revelações trazidas por espíritos superiores, quais os que assinam a Revelação de Roustaing, não é apurar a verdade, mas atentar contra ela.

            O Divino Mestre declarou que: - “-Não é o discípulo mais que o mostre, nem o servo maior que seu Senhor!”

            Como, pois, pretendermos nós corrigir ensinamentos - dados pelos próprios Evangelistas em Espírito e Verdade?.. Ai de nós!.. Como estamos atrasados!

            A Revelação da Revelação (diz um dos seus comentadores) “é a terceira explosão do Amor de Deus para com as suas criaturas da Terra”.

            Nosso espírito, porém, não está ainda devidamente preparado para compreende-la integralmente; eis porque nos sentimos abalados nas nossas crenças, em nossas convicções, quando de súbito deparamos com as novidades sublimes que suas páginas encerram e que de algum modo nos confundem.

            O cego não pode de chofre encarar com firmeza a luz no próprio instante em que lhe é restituída a vista; é o nosso caso ante a Revelação.

            Apelemos para a Misericórdia do Pai Celeste; supliquemos a divina Graça de iluminar a nossa razão, esclarecer nossa consciência e avigorar a nossa fé. Seja humilde e sincero nosso pedido e a luz nos será facultada e nossa pobre inteligência alcançará a compreensão - não só da Revelação de Roustaing, mas de todas as revelações. Assim haja aplicação e boa-vontade.

            Conclusão: - 0 corpo de Jesus Cristo, em tudo semelhante ao nosso, não entretanto, igual ao nosso, porque era fluídico e não material.

            Se Jesus possuísse um corpo material, teria sido indubitavelmente um grande profeta e grande doutrinador, mas nunca poderia ser o Cristo Ressuscitado, o Salvador da humanidade, porquanto, no momento histórico da sua Missão na Terra, bem poucos teria conseguido salvar; mas os Evangelhos nos dizem que toda a humanidade deve ser salva por Ele.

            O corpo material está sujeito à morte; mas os Evangelhos dizem haver Jesus afirmado em várias ocasiões que “sua vida ninguém tirava: era Ele quem a deixava para a retomar de novo.”

            Essa parábola, que naquela época não pode ser compreendida, sabemo-lo hoje: - Jesus compunha e decompunha o seu corpo à vontade, sempre que isso se fazia necessário, para apresentar-se ou para se ausentar da presença do homem.

            O Messias nunca foi carne.


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