A “Ave-Maria” mostrando
a desmoralização do Espiritismo...
por Leopoldo Machado Reformador (FEB) 16 Junho 1937
Conhece o leitor a Ave Maria? Não nos queremos referir à saudação do anjo a Maria, nem tampouco à oração que dela derivou, ao bimbalhar montono (monótono) de sinos à hora do Angelus. Referimo-nos à revista semanal e paulista, católica, ilustrada, filiada à Associação dos Jornalistas Católicos. Um de seus números, o de 21 de novembro de 36, que às mãos nos veio por obsequio de mãos amigas, traz, na página de frente, um artigo suculento, do Padre Luis Salamero C. M. F. contra o Espiritismo, sobre cuja cova Flammarion e Raupert lançaram - diz o articulista - as últimas pás de cal. Lendo a moxinifada (miscelânea) repontou-nos, para logo, à mente, aquela do católico Ruy Barbosa: “O sistema papal foi sempre este: difamar sem escrúpulos”. (“O Papa e o Concilio”), 2ª Edição, pag.31).
Dizer,
com efeito, que Camille Flammarion foi, para o Espiritismo, o que diz o reverendo
Salamero, só mesmo por ignorância, ou má fé, que é pior, ou abuso da ignorância
de seus fiéis, que é mais grave, ou por difamação, que é doloroso!
O
reverendo, cheio de ódio clerical contra o espiritismo assente, parece-nos,
naquelas coisas todas juntas, assevera que daquelas
regiões ignotas donde ninguém mais volta, nem Kardec, nem Flammarion, com todo
os seus vivos trejeitos, conseguiram que um só Espírito de morto voltasse.
E arruma uma confissão do astrônomo francês, aquela confissãozinha já muito
conhecida, arranjada pelos inimigos do Espiritismo, em que Flammarion diz que “em
quarenta anos de pesquisas, todos os médiuns célebres passaram por seu gabinete
e não houve um só que ele não surpreendesse em trapaças. TRAPAÇAS D0 ALTO
ESPIRITISMO, escreve em grifo o Reverendo. E conta mais uma história confusa
como os dogmas de sua Igreja, complicada como o mistério da sua Santíssima
Trindade, de uma sessão em que Flammarion e Kardec andaram às voltas com o
Espírito de Galileu, que não era mais do que o próprio Flammarion auto sugestionado,
como ele mesmo Flammarion confessou. E conclui, dizendo que o grande astrônomo,
embora confessasse que alguns (médiuns) houve, talvez, poucos, que pareciam
sinceros, mas enganou-se miseravelmente.
De
onde tirou tudo isto, não diz o reverendo. Nem dize-lo precisava, de vez que
escreveu somente para quem só crê por força do pater-dixit.
Comecemos
estranhando aquele seu ‘regiões ignotas’
a respeito da ‘outra vida’. Como ‘ignotas’, de vez que S. Revma. vende, a
dinheiro de contado, a entrada no Céu, conforme as posses do freguês, que lhe
mande celebrar missas e exéquias; que lhe pague sacramentos e formalidades
religiosas? E não lhe é conhecidíssimo, também, o inferno, para onde vão os
espiritistas, os protestantes, os que não leem por seu catecismo? E do purgatório
não tira S. reverendíssima, à força de missas muito bem pagas, as almas
sofredoras? ‘Ignotas’ quer dizer
desconhecidas. Ora, se a Igreja de S. reverendíssima mercadeja com o Céu e o
Purgatório e manda para o inferno quem não vai ao mercado, logo... para S. reverendíssima
e para sua Igreja ‘a outra vida’ não
deve suportar aquele seu incisivo regiões
ignotas, donde ninguém mais volta. E se, padre Luis Salamero, uma entidade
clerical mais graduada do que V. Revma. vier dizer que volta? Se esse mesmo
Flammarion, que v. reverendíssima cita de má fé ou de indústria, provar que
volta? E se o próprio Raupert desmentir à V. Revma., dizendo que volta? Se os
três juntos atestarem, ao mesmo tempo, que V. Revma. não sabe o que diz, ou que
mente, desvirtuando os factos?
Um
bispo é alguma coisa mais do que um simples Salamero. D. Viçoso, bispo de
Mariana, ao ouvir do cônego Rosário que falecera o cônego Manoel Júlio, por
cujo falecimento dobravam os sinos de Mariana, turbou-se. Diz-lhe, então, o cônego
Rosário, para atenuar lhe a turbação: “Spiritus qui vadit non redil”, (o espírito de quem está caminhando não se
recuperará) Sr. Bispo. “Volta -
respondeu-lhe D. Viçoso - quando Deus o permite. E o bispo contou, então, a
aparição de um moço do Tijuco, aluno do Colégio Caraça, ao Padre Leandro Rebelo
Peixoto, cujo cadáver estava ainda em exposição na capela, no momento mesmo em
que o padre superior participava o seu falecimento à família. O fato se contém
no livro de memórias do Sr. Victor Silveira, publicado a expensas do governo de
Minas...
Se
o padre conhecesse o livro de Flammarion, “A
Morte e seu Mistério”, três alentados volumes que Briguiet editou traduzida
em 1923, não diria a tolice que afirmou. Na obra em questão, não faz outra
coisa o grande astrônomo francês, senão demonstrar a verdade da existência e
manifestação dos Espíritos, manifestação, até, de Espíritos de pessoas ainda vivas.
O que faltou ao padre Salamero foi observar esta advertência judiciosa de quem,
realmente, examina antes de aceitar, as teses, e que é do próprio Flammarion: “Todas
as narrativas devem ser, a priori, consideradas suspeitas; porém, declara-las
todas inadmissíveis é simplesmente uma estupidez.” (Obra citada, volume III, pág.
10). Pois é assim que o Reverendo Luís Salamero declara todas elas...
Nem
queremos, por enquanto, apreciar o grau de sabedoria do Sr. J. Godfrey Raupert,
que, “como membro da Sociedade Psíquica
de Londres, observou os fenômenos de manifestação dos Espíritos”, como
declara ele.
Só
bem nos sabe, por agora, confundir o Reverendo Luís Salamero, mostrando-lhe que
o seu sábio de Londres, o sr.Godfrey Raupert, recentemente convertido das ilusões espiritas á verdadeira luz do
Catolicismo, não nega os fatos que o articulista reverendo nega. Temos o
livro de Raupert: “O Espiritismo”,
tradução de Lucio José dos Santos, edição da Tip. Lar Católico, de Juiz de Fora,
1930. Um dia, ainda havemos, se Deus nos der forças e vagar, de contar
interessantíssima história de sua conversão ao catolicismo e fazer, do mesmo passo,
a análise da maravilhosa peça que é o seu livro contra o Espiritismo. O autor,
o sábio J. Godfrey Raupert, admite, e o
demonstra cabalmente, a existência de seres inteligentes, invisíveis, externos
ao homem, aos quais se deve atribuir a produção de muitos destes fenômenos. No
fundo, pois, está Raupert de acordo com os espiritistas, deles divergindo,
porém, quanto à natureza da causa produtora dos fenômenos. (Obra citada,
prefácio, pag. 11).
E aqui temos um sábio que admite, como qualquer padre Luís Salamero, a existência do diabo a acionar as manifestações espiritistas. E dado que Satanás, em que a Igreja e os padres fingem acreditar, existisse de verdade e fosse o produtor dos fenômenos espiritistas, seria para perguntar ao sábio Raupert, ao padre Luíz Salamero, ao tradutor da obra em cita, se Satanás é espírito, ou criatura de carne e osso, como todos eles e como nós? Raupert quis, com efeito, achar uma explicação para os fenômenos que observou, fora da ciência espiritista, a contento do clero, a quem alugou a sua pena. Daí, a novidade colimando (ir de encontro) não contrariar a infalibilidade clerical. Seja, porém, como fr, o fato é que o sábio de Londres não pode negar a evidência dos fatos. E diz, afirmando-os: “É convicção do autor que o melhor, se não o único meio eficaz de combate ao Espiritismo consiste em torna-lo conhecido, com verdade, sinceridade e lealdade” (Mesma obra, pag. III). Efetivamente, isto, porém, não agrada à Igreja. Nunca lhe agradou o exame livre daquilo que lhe contrarie as ensinanças (ensinamentos). À Igreja, bem não soa, a respeito do Espiritismo, aquele acerto de Gamaliel: “Se esta obra for dos homens, se desfará. Mas, se for de Deus, não podereis desfaze-la”. (Atos, 38-39). Das outras religiões, das ciências e das filosofias, aí em curso, não pede o Espiritismo outra coisa, senão aquilo que Raupert aconselha. Foi esse pândego de Raupert que escreveu, à pag. 158 da obra em cita, aquele episódio que pusemos no “Julga, leitor, por ti mesmo”, em que confessa a manifestação de um Espírito, que o faz perder o equilíbrio e cair; que arrasta pés na escada; que faz que os padres, que não creem na volta dos Espíritos à Terra, fujam deles?
O padre articulista da ‘Ave Maria’ cita, caluniando as irmãs Fox, outra grande autoridade contra o Espiritismo: o Padre Heredia. Possuímos, também, o livro de C. M. de Heredia S. J: ‘O Espiritismo e o Bom Senso’ que brevemente, se Deus no-lo permitir, mostraremos quanto vale, que vale tanto quanto o de Raupert, ou quanto o artigo do Padre Luis Salamero, ou quanto a Igreja dos três juntos.
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