A Alma
do Progresso
Redação
Reformador (FEB) 1º de
Novembro de 1925
Alguns filósofos evolucionistas, notadamente Spencer (Herbert Spencer 1820-1903 filósofo, biólogo e
antropólogo inglês, um dos representantes do liberalismo clássico. Spencer foi
um profundo admirador da obra de Charles Darwin. É dele a expressão
"sobrevivência do mais apto." Fonte: Wikipédia), consideram a caridade como sendo uma falsa virtude,
inútil, funesta e, por isso mesmo, um estorvo ao progresso da humanidade. Na opinião
deles, a caridade é, pois, um mal, porque prolonga a existência dos indivíduos
que não merecem viver. Os desventurados caquéticos, os viciosos devem desaparecer,
para darem lugar aos indivíduos sãos e fortes.
Tentaram eles deduzir da observação da vida nas espécies inferiores,
uma lei de ordem geral que abrange o homem e firmasse o princípio bárbaro do
sacrifício dos fracos, dos tarados, dos indesejáveis, do rebutalho humano em
benefício dos fortes. Tal doutrina é a do bem do indivíduo e da espécie, é o
ego-altruísmo de Spencer. Mas, por brilhante que seja o renome do sábio materialista
inglês, não podemos aceitar esse altruísmo utilitário, porque fazemos distinção
entre o determinismo fatal das forças da natureza, ou entre as leis físicas,
que governam a evolução das espécies inferiores, e a lei moral, que é o imperativo categórico dos
seres inteligentes e livres.
Compreendemos que o filósofo deseje o melhoramento da espécie,
objetivando a felicidade humana, mas indispensável é que a sua concepção do
mundo se alargue e ele veja, além da substância,
o Espírito, além do acaso, ou das forças da natureza, a suprema inteligência, causa
de todas as causas. Porque o pensamento não pode alçar-se à compreensão dessa
regência superior do plano espiritual da humanidade e do universo, imaginou possível
a seleção, dentro da espécie humana, por meios violentos, que aberram da razão,
do bom senso e da moral.
Até ao advento da renascença cristã – a era espírita - a
humanidade vivera na ignorância da sua verdadeira razão de ser, das leis que prescreveram
as diversas posições e desigualdades entre os homem. Hoje, porém, o Espiritismo
lhe desvenda a sua alta missão, explica o por quê de tantos contrastes a causa
da existência dos seres incapazes e inúteis. Ela, a humanidade, o crisol onde
os Espíritos atrasados se purificam e sabemos que entre os dois planos - material e
moral - há um nexo infalível. A medida que o Espírito se depura, a matéria, que
é o instrumento do seu progresso, também evolui, aprimorando as formas.
O moral se reflete no físico, plasma a substância na proporção
exata dos méritos e deméritos do Espírito. Quanto mais inferior é uma
humanidade, tanto mais copioso os contrastes, tanto mais numerosos os males
físicos.
Na humanidade superior, dominada pelo ideal, a perfeição
das formas está na razão direta da beleza moral. Nela tudo é ritmo, porque o Espírito
deixou nas camadas inferiores, onde viveu e se purificou, todo os resíduos das
paixões cegas.
Ora, para, a humanidade chegar a essa altura, a que foi
destinada, de que há ela mister? Porventura de banir a caridade do computo da
atividade humana? Considera-la falsa virtude, inútil e funesta? Não, certamente.
A caridade é o buril das raças e dos povos bárbaros; é a domadora
das almas rudes;
é, enfim, a água que limpa
todas as manchas, na frase de Pedro, o apóstolo.
Não nos referimos, está claro, à caridade da esmola. Queremos
falar daquela que toca a alma dos desgraçados, dos pervertidos, dos párias do
mundo, que os encoraja para a luta e os regenera.
E, se na verdade, não se concebe caridade sem justiça,
porque são uma entidade mesma, evidente que o homem, desde a sua origem, a
conhece. Ele vem marchando, desde todos os tempos, ao lado de uma companheira
constante, ora com ela subindo a montanha aspérrima da purificação, ora rolando
pelos despenhadeiros.
É a dor. Sob o seu manto se escondem a justiça, que
corrige, e a caridade, que amansa. Ambas falam ao homem pela sensibilidade: ora
defendem, ora estimulam, ora purificam.
A caridade é o poder máximo que faz golfar das rochas
vivas a pura linfa do sentimento. Ela é a realeza dos céus e o manto de toda a
dureza. Onde pousa, deixa indelével traço. Se as feras indomáveis não lhe
resistem, se os irracionais não esquecem as blandícias de seus afagos, poderia
o Espírito ser o único rebelde?
A caridade é o amor de Deus, unindo as almas, cobrindo
todos os abismos que as separam, modificando todos os meios onde vivem. Seja
agente, seja paciente, a caridade beneficia sempre.
Finalizando, diremos com Gaston Sortais: “De outra maneira, nem a família nem a
sociedade poderia subsistir. Uma humanidade composta de cidadãos fortes e
robustos, unicamente unidos pelo interesse, seria mera coleção de belos
animais, constituiria uma humanidade moralmente depravada. Vale mais que ela
seja fisicamente menos perfeita, onde, porém, brilhe a caridade e o
devotamento. Esta a beleza excelsa, a perfeição verdadeira.” (1)
(1) Gaston Sortais, Traité
de philosophie” vol II, § 65
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