Libertação
Espiritual
João Marcus (Hermínio Miranda)
Às vezes me preocupava o mecanismo das leis cármicas. Pensava
eu que a série de ações e reações se estendesse em espirais infinitas pelo
tempo a fora. E isso me parecia contrário à ideia que sempre formulei da
justiça divina.
Se ontem, num momento infeliz de desvario, estrangulei um
irmão, alguém teria que me estrangular no futuro, para que se cumprisse a lei.
Mas, o novo crime haveria de gerar, fatalmente, uma nova reação, abrindo outro
ciclo e assim por diante, “ad infinitum”. De mais a mais, não havia, também, a
dureza do “o por olho, dente por dente”?
Acontece, porém, que as leis divinas são muito mais
sábias e perfeitas do que sonhamos. Ao descer até nós, vindo das mais elevadas
esferas espirituais, o Divino Mestre nos trouxe a mensagem da verdade suprema
da vida - o amor. E como ele próprio dizia, não vinha destruir a lei mas faze-la
cumprir. Não se alterava a substância dos postulados cármicos: ficavam eles,
porém, esvaziados do seu conteúdo de inexorabilidade, para adquirirem o suave
colorido da reparação.
Ensinava o Amigo Sublime que só uma atitude poderia
quebrar o círculo vicioso: o amor" Na verdade, colocou tão alto o conceito
e a prática do amor entre as criaturas. que fêz disso a nota dominante, o tema,
o “leit motiv” (motivo condutor) de toda a sua insuperável pregação. A certa altura da
vida, com o poder de síntese e de acuidade de que era dotado, no mais alto
grau, como se quisesse deixar, numa só ideia, toda a sabedoria da Vida - disse
simplesmente: “Amai-vos uns aos outros,
como eu vos amei”. Já meditou o amigo leitor, com seriedade, na beleza e na
profundidade daquela simples frase? Ela contém, não somente o mandamento
supremo da lei - que séculos antes havia sido transmitido a Moisés -, como,
também, a afirmação de que ele, o Cristo, viera demonstrar e praticar a verdade
do amor e não somente pregá-la. Aqueles que vivessem tal filosofia da vida
estariam cumprindo a lei e seguindo os ensinos revelados pelos profetas através
das idades.
Estava o Mestre oferecendo, a cada um de nós, os recursos
necessários para que nós mesmos nos libertássemos das imposições do “olho por
olho”.
Bastava amar. Quando nos pedissem para caminhar mil passos,
caminhássemos mais dois mil por nossa conta. Se nos batessem em uma face,
oferecêssemos a outra. Era lícito perdoar sete vezes? perguntaram lhe. Não
sete, mas setenta vezes sete, foi a resposta.
Aí
está o ponto onde se quebra a corrente cármica, se o desejarmos: na prática do
amor e do perdão. Bem sabemos que é mais fácil falar que praticar, enquanto
estivermos contidos pela nossa imperfeição, mas se perdoamos aquele que em nós
feriu a lei e o ajudamos a recuperar-se. estaremos, por nossas próprias mãos, partindo
o círculo de ferro. Se ainda não atingimos a perfeição moral de oferecer a
outra face, caminhemos pelo menos a outra milha, os outros dois mil passos,
para oferecer a nossa prece em favor daquele que nos ofendeu. Esse gesto talvez
represente, nas telas infinitas do tempo, o progresso e a libertação de irmãos
aos quais provavelmente devemos tantas outras reparações.
Graças
a Deus, a despeito dos desacertos da época em que vivemos, há bastante beleza
moral neste mundo. Muitos espíritos se deixaram impregnar de tal forma por esse
perfume de amor e perdão, que imprimiram a marca de sua passagem na História.
Francisco de Assis, num transbordamento de amor
incontido, pregava tanto aos homens corno aos humildes seres da Criação,
procurando atrair todos para a luz. Tereza d'Ávila, em transportes de amor
sublimado pelo Mestre, vivia entre este mundo e o outro. Joana d'Arc, sob a
pressão desencadeada do poder terreno, não cessou de amar e perdoar. Ghandi, na
fragilidade física, era um gigante de força espiritual e moral no seu amor
pacifista pelos irmãos deserdados. Albert Schweitzer, mergulhado no coração da
selva afrícana, cura, ensina, educa, ampara sem outra paga que a satisfação de
exercer o amor pelo ser humano.
Conhecemos, pois, o caminho da recuperação, aquele que
leva para o Alto. É preciso rogar forças para que saibamos segui-lo; pedir a
Jesus que nos amplie a capacidade de amar e compreender. Não que essa atitude
seja de passividade inútil. Não. Amar, no mais puro sentido, é um programa de
ação, é um roteiro de lutas, porque implica, em primeiro lugar, o combate ao
nosso comodismo e às tendências egoísticas, incrustadas em nosso espírito
através dos milênios. Esse egoísmo cego talvez fosse necessário quando, na meia
luz da consciência que despontava em nosso ser, nos distantes períodos encarnatórios,
ainda não sabíamos que a vida continua depois da morte, Vivíamos, então,
agarrados ferozmente ao corpo físico e às coisas da matéria, e por ela
lutávamos, matávamos e roubávamos. Hoje não. Iluminados pela verdade superior,
sabemos que o corpo é mero instrumento - e dos mais nobres - de trabalho e de
evolução e, por estranho que pareça, quanto mais trabalhamos para os outros, mais
realizamos para nós mesmos. Vemos, assim, que o egoísmo se sublimou numa forma
superior de sentimento, pois que, por amor a nós mesmos e ao nosso progresso
espiritual, somos levados a amar os outros. Então, isto tudo não é belo e
maravilhosamente perfeito?
E quando dizemos que o amor é um programa de trabalho e
de luta é porque temos que exercê-lo ativamente, esclarecendo, pelejando contra
o erro, ajudando aos que precisam de ajuda, tolerando, enfim, porque essa é a
lei que nos oferece a chave da libertação.
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