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domingo, 26 de julho de 2020

Fato estranho



Fato estranho
por Delfino Ferreira
Reformador (FEB) Maio 1953

Distinto confrade nos escreveu:

            “Uma mulher estava sofrendo de pertinaz moléstia, havia muito tempo, moléstia essa incurável.
                Certa noite, estando na casa somente o marido e o sogro, eis que ouvem um estampido, e, ao acudirem, toparam com a mulher estendida, morta; no chão.
                Aberto inquérito, deram ao caso a sorte de suicídio, tendo o Juiz mandado arquivar o processo com a anuência do Ministério Público.
                Passados tempos, mais ou menos um ano, o Juiz, talvez instigado por alguém, inimigo do viúvo, chama um médium em sua casa e o Espirito comunicante - Bittencourt Sampaio - disse tratar-se de um homicídio e que era necessário agir com energia, dando-lhe outros conselhos.
                Tenho comigo que a comunicação referida não passa de mistificação, pois entendo que o Espiritismo não se presta a investigações judiciais ou policiais; entretanto, como minha opinião de nada vale, recorro aos mais entendidos", etc.

            O assunto, pelas circunstâncias que o cercam, é mais delicado que propriamente difícil de esclarecer. De fato, se o Juiz - o que funcionou no processo - chama a sua casa um médium, com o objetivo assentado de colher esclarecimento de um caso de justiça criminal passado em julgado cerca de um ano atrás, e, o que é pior, instigado talvez por um inimigo do viúvo, o que faz supor se lhe pretender imputar a autoria da morte da esposa, a reunião mediúnica para tal convocada carecerá do indispensável ambiente moral, a que alude o Livro dos Médiuns; e isto ainda que o médium fosse mantido alheio ao assunto causa da reunião.

            No caso em pauta, o motivo de suspeição avulta, em face de o Espírito comunicante apresentar-se como sendo Bittencourt Sampaio, nome que, naturalmente, conduz a pensar no notável homem público, jornalista, poeta e grande espiritista, autor do extraordinário poema: A Divina Epopeia que é o Evangelho de João posto em versos, guardando, entretanto, quase absoluta fidelidade ao texto, e que, desencarnado, nos deu obras de profundo cunho cristão: “Jesus perante a Cristandade”, “De Jesus para as crianças” e, por fim, “Do Calvário ao apocalipse”.

            Não é de aceitar-se, sem meticuloso exame pelo menos, que Espírito de tal nível de elevação - convicto de que toda culpa terá sua reparação e seu autor o que em decorrência lhe competir, mesmo quando escape à ação da lei humana - venha ao nosso plano para interferir em casos de tal natureza.

            Do exposto, entanto, não é de inferir-se neguem a possibilidade da intervenção de Espíritos no esclarecimento de crimes, ou de outros fatos. Os anais do Espiritismo, mesmo no Brasil, registam não poucos exemplos de casos da natureza do aqui em causa e coroados de êxito, principalmente com o conduzirem o criminoso à confissão, por causas de ordem psicológica fáceis de se compreenderem.

            Finalmente, como não nos cabe apreciar em que razões de ordem processualística se poderá fundamentar o Juiz para a restauração do processo, antes cumprindo nos limitemos à feição espiritista do Caso, e buscando para ele o esclarecimento, por certo modestamente, pedido pelo missivista, o resumimos assim:

                        a) Sem outros dados que os constantes na transcrição supra, não é de aceitar haja sido Bittencourt Sampaio o Espírito comunicante;
                        b) Face à fundada razão de suspeitar-se de apócrifa a autoria da comunicação mediúnica em causa, é de se considerar, consequentemente, também carecedora de confiança a própria comunicação;
                        c) De qualquer modo, entretanto, se tomada em consideração, cumpre apurá-la rigorosa e honestamente;
                        d) Concordando com o missivista, em parte, entendemos que o Espiritismo não pode ser empregado a serviço de investigações judiciais, policiais, etc., POR ORA. E dizemos por ora, porquanto nossa evolução espiritual ainda não atingiu nível propício a tanto, e, por isto mesmo, o fenômeno mediúnico ainda não oferece margem para seu perfeito aproveitamento;
                        e) Não obstante, não é impossível a intervenção de entidades espirituais, ostensivamente, por comunicações mediúnicas, escritas ou faladas, cumprindo, todavia, mesmo quando tudo concorra para admiti-las verdadeiras, apurá-las devidamente, com o máximo escrúpulo.

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