Fato
estranho
por Delfino Ferreira
Reformador (FEB) Maio 1953
Distinto confrade nos
escreveu:
“Uma mulher estava sofrendo de pertinaz moléstia,
havia muito tempo, moléstia essa incurável.
Certa
noite, estando na casa somente o marido e o sogro, eis que ouvem um estampido,
e, ao acudirem, toparam com a mulher estendida, morta; no chão.
Aberto
inquérito, deram ao caso a sorte de suicídio, tendo o Juiz mandado arquivar o
processo com a anuência do Ministério Público.
Passados
tempos, mais ou menos um ano, o Juiz, talvez instigado por alguém, inimigo do
viúvo, chama um médium em sua casa e o Espirito comunicante - Bittencourt
Sampaio - disse tratar-se de um homicídio e que era necessário agir com energia,
dando-lhe outros conselhos.
Tenho
comigo que a comunicação referida não passa de mistificação, pois entendo que o
Espiritismo não se presta a investigações judiciais ou policiais; entretanto,
como minha opinião de nada vale, recorro aos mais entendidos", etc.
O assunto, pelas
circunstâncias que o cercam, é mais delicado que propriamente difícil de
esclarecer. De fato, se o Juiz - o que funcionou no processo - chama a sua casa
um médium, com o objetivo assentado de colher esclarecimento de um caso de
justiça criminal passado em julgado cerca de um ano atrás, e, o que é pior,
instigado talvez por um inimigo do viúvo, o que faz supor se lhe pretender
imputar a autoria da morte da esposa, a reunião mediúnica para tal convocada
carecerá do indispensável ambiente moral, a que alude o Livro dos Médiuns; e isto ainda que o médium fosse mantido alheio
ao assunto causa da reunião.
No caso em pauta, o motivo de suspeição avulta, em face
de o Espírito comunicante apresentar-se como sendo Bittencourt Sampaio, nome
que, naturalmente, conduz a pensar no notável homem público, jornalista, poeta
e grande espiritista, autor do extraordinário poema: A Divina Epopeia que é o Evangelho de João posto em versos,
guardando, entretanto, quase absoluta fidelidade ao texto, e que, desencarnado,
nos deu obras de profundo cunho cristão: “Jesus
perante a Cristandade”, “De Jesus
para as crianças” e, por fim, “Do
Calvário ao apocalipse”.
Não é de aceitar-se, sem meticuloso exame pelo menos, que
Espírito de tal nível de elevação - convicto de que toda culpa terá sua
reparação e seu autor o que em decorrência lhe competir, mesmo quando escape à
ação da lei humana - venha ao nosso plano para interferir em casos de tal
natureza.
Do exposto, entanto, não é de inferir-se neguem a
possibilidade da intervenção de Espíritos no esclarecimento de crimes, ou de
outros fatos. Os anais do Espiritismo, mesmo no Brasil, registam não poucos
exemplos de casos da natureza do aqui em causa e coroados de êxito,
principalmente com o conduzirem o criminoso à confissão, por causas de ordem
psicológica fáceis de se compreenderem.
Finalmente, como não nos cabe apreciar em que razões de
ordem processualística se poderá fundamentar o Juiz para a restauração do
processo, antes cumprindo nos limitemos à feição espiritista do Caso, e buscando
para ele o esclarecimento, por certo modestamente, pedido pelo missivista, o
resumimos assim:
a) Sem outros dados que os constantes na
transcrição supra, não é de aceitar haja sido Bittencourt Sampaio o Espírito
comunicante;
b) Face à fundada razão de suspeitar-se de apócrifa
a autoria da comunicação mediúnica em causa, é de se considerar, consequentemente,
também carecedora de confiança a própria comunicação;
c) De qualquer modo, entretanto, se tomada em
consideração, cumpre apurá-la rigorosa e honestamente;
d) Concordando com o missivista, em parte,
entendemos que o Espiritismo não pode ser empregado a serviço de investigações
judiciais, policiais, etc., POR ORA. E dizemos por ora, porquanto nossa evolução espiritual ainda não atingiu
nível propício a tanto, e, por isto mesmo, o fenômeno mediúnico ainda não
oferece margem para seu perfeito aproveitamento;
e) Não obstante, não é impossível a intervenção
de entidades espirituais, ostensivamente, por comunicações mediúnicas, escritas
ou faladas, cumprindo, todavia, mesmo quando tudo concorra para admiti-las
verdadeiras, apurá-las devidamente, com o máximo escrúpulo.
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