Morreu,
acabou
Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Abril 1943
Eram inimigos
rancorosíssimos.
O ódio que sentiam,
reciprocamente, um pelo outro, não tinha limites.
Aguardava-se, para
cada momento, uma explosão
violentíssima desse ódio.
Só o assassínio de
um podia solucionar, para o outro, a situação; podia trazer serenidade e
segurança de vida ao outro.
E o assassínio veio.
Um tiro certeiro do
mais ágil abateu, já morto, o rival, em plena praça da igreja, quando a vítima
mal saia do templo.
Não houve
flagrante. Um passo favorável para a defesa do assassino, que o júri absolveu.
Fora da cadeia, foi
alvo de felicitações por parte dos amigos. Confiado, agora, na sua segurança e
serenidade de vida, a todos declarava, confiante e sereno:
- Agora, posso
viver tranquilo. Ele morreu, acabou-se...
*
Mas, não se havia
acabado, não, que a morte não acaba coisa alguma: tudo continua.
Nem o criminoso
teve mais serenidade e segurança, pois que súbita loucura o arrastou ao hospício.
Aí, no quarto forte, era de vê-lo transfigurado, os olhos fora das órbitas,
numa atitude que apavorava, a cavar, com os dedos escalvinhados e a sangrar, o
ladrilho do chão; a marrar com a cabeça, como se fora res bravia, as paredes; a urrar ferozmente, de meter
dó.
A psiquiatria foi
impotente para debelar-lhe o mal.
As medidas enérgicas
do hospício foram ineficientes para conte-lo quieto.
E o infeliz definhava dolorosamente,
desnutrido, visto que não se alimentava, machucado e imundo.
Foi assim que
apareceu, mais tarde, morto. Seu mal: terrível obsessão pelo assassinado.
Livre este então
para agir com maior ódio, porque ódio velho acumulado e acrescido do que
provocara seu assassínio, foi encontrar sua vítima ainda mais livre, por falta
de fé pura em Deus, de uma vida uma e honesta, de muita oração e vigilância -
que são as maiores garantias contra obsessões. O assassinado procurou então
exercer redobrada vingança.
E tirou-a, sem
piedade nenhuma, arrastando-o àquela obsessão pavorosa, a morte de seu corpo, a
perseguição terrível de espírito para espírito, porque o ódio continuou post-mortem.
A vingança e o ódio.
Ódio e vingança que
persistiram até que, numa sessão espírita, foram ambos doutrinados, abrindo-se-lhes
diante dos olhos da consciência, o mapa de suas responsabilidades e das consequências
de seus atos.
Morreu, acabou...
já não é mais do nosso tempo, graças ao advento do Espiritismo...
A morte não
extingue a vida, que continua para o bem ou para o mal.
Mais, talvez, para
o mal, em face da condição de planeta inferior, de provas e expiações, peculiar
à Terra.
Se não podemos, às
vezes, desvencilhar-nos de inimigos que vemos, porque de carne como nós muito
menos o poderemos de inimigos invisíveis: que não ouvimos nem sentimos, mas que
nos vêm perfeitamente, para os quais o nosso corpo é como se fosse de vidro; de
inimigos que leem os nossos pensamentos e sentimentos, como nós vemos a água
através do copo.
Que as forças
invisíveis que nos rodeiam nunca possam ver, através do vidro do nosso corpo, a
água dos nossos sentimentos e pensamentos turvada e negra pelas nossas impurezas
e imperfeições. A ausência de impurezas e imperfeições é a melhor garantia contra
aqueles que, cheios de ódio contra nós, desejam realizar aquilo que não
puderam, encarnados, perpetrar.
A oração e a vigilância,
eis outro meio fácil de empregar-se contra tais investidas do mundo invisível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário