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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Frederico Fígner


Frederico Fígner
por Viriato Corrêa
Reformador (FEB) Fevereiro 1947

Dos homens que, comigo, têm convivido durante os muitos anos que já carrego nos costados, incluindo os literatos, os artistas, os grandes vultos enfim, poucos me deram a bela impressão que me deixou Frederico Fígner. E ele não era poeta, nem prosador, nem pintor, nem escultor, nem cientista, não era nada do que se pudesse incluir no rol de qualquer modalidade intelectual. Era apenas um homem de uma profunda sinceridade, de uma radiosa, comovedora e dinâmica capacidade de ternura humana.

A impressão que, à primeira vista, Fígner dava a toda a gente era de uma flama. Aos 80 anos parecia um azougue. Aos 80 anos tinha as vibrações, os entusiasmos, as vivacidades das juventudes estouvadas. Quem o via pelas ruas, suado, chapéu atirado para a nuca, falando aqui, falando ali, numa pressa de moço de recados, pensava estar vendo um ganhador que, em cima da hora, corria para não perder a hora do negócio. No entanto, não era para ganhar que ele vivia a correr. Rico, muito rico, não precisava entregar-se à vassalagem do ganho. Corria para servir os outros, corria para ir ao encontro dos necessitados.

De manhã à noite não tinha um sossego. Ora, ia levar remédios a um doente, em Jacarepaguá; ora, ia levar dinheiro a uma velhinha, em Catumbi; ora, ia levar uma garrafa de leite a uma pobre mãe necessitada, em Madureira; ora, ia ver como estava passando um velhinho, no morro do Pinto. Não tinha horas certas para ninguém. Na sua casa comercial era um milagre ser encontrado. Entrava, saia e se lhe davam papéis para examinar, mal passava os olhos sobre eles e deles se esquecia, deixando-os sobre as mesas, perdendo-os às vezes.

Tudo nele era originalidade. Parecia um explosivo e tinha a doçura das crianças, parecia um desorganizado e no fim do dia conseguia realizar todos os deveres de caridade. Não fazia caso de dinheiro e o dinheiro lhe entrava, em enxurrada, pela porta a dentro. E mais do que tudo era judeu conciliado com Cristo: professava o Espiritismo com um ardor que, nós outros espíritas, nem sempre temos.

A vida de Frederico Fígner é um exemplo maravilhoso do maravilhoso poder do trabalho. Aos 12 (*) anos de idade deixava a sua Boêmia natal e seguia para os Estados Unidos. Levava três encargos pesados demais para um menino de calças curtas; ganhar dinheiro que pagasse as dívidas do pai que falira, arranjar o dote para uma irmãzinha que, em breve, seria moça, e viver, ou melhor, não morrer de fome. Aos doze anos, quando as crianças ainda brincam, ele já tem diante dos passos a escarpa de um grande drama. Ora está numa Oficina de relojoeiro, ora numa oficina de ourives, ora como guarda-freios de estrada de ferro, ora num hotel como cozinheiro, ora como mascate, no México, vendendo quinquilharias.

A sorte nunca anda a pé. É preciso que alguém a carregue. Quem carregou a sorte para os braços de Fígner foi um outro homem, que, como ele, desde menino, lutou pela vitória - Edison. O grande gênio americano que acabava de estarrecer o mundo com a descoberta do fonógrafo. Fígner, rapazote, vai ouvir a máquina falante. E, ali mesmo, a ouvi-la, imagina a fonte de dinheiro que aquilo lhe poderá dar por toda a América. Há nos seus bolsos umas pequenas economias. Com elas compra um fonógrafo. E com ele parte para Havana. De Havana segue para o Pará. É por ocasião da festa de Nazaré. O moço judeu que, até aquele momento não havia podido ganhar um vintém para as dívidas do pai e para o dote da irmãzinha, sente os primeiros clarões da fortuna.

Do Pará vai a Manaus, de Manaus ao Ceará, do Ceará a Pernambuco, à Bahia, ao Rio de Janeiro, a São Paulo, a Minas e ao Rio Grande do Sul, a Montevidéu e Buenos Aires, expondo a máquina assombrosa. Em 1892 estavam finalmente realizadas as três missões que trouxera da Boêmia: tinha dinheiro no Banco para se resguardar da fome, havia mandado pagar as dívidas do pai e dava à irmã, já em idade de casar, o dote que, na Europa, é indispensável para uma rapariga ter marido. Completava nessa ocasião 26 anos. Nada menos de 14 havia-lhe custado o drama da subida pela escarpada da fortuna. Nesses 14 anos vivera lances pungentes; estava preparado para avaliar os lances pungentes dos dramas alheios. A sua alma se refinara: os resíduos da maldade humana tinham sido transformados em virtudes de humanidade.

E isso fez de Frederico Fígner uma criatura impressionante. Quem com ele tivesse meia hora de conversa, quem durante um dia observasse os seus atos, nunca mais o esqueceria. Era do rol dos poucos homens que saem da bitola comum. Só faziaas coisas a seu modo -e fazia-as certas e quase sempre belas.

A história do seu casamento, que ele próprio me contou, é realmente curiosa. Em certo sábado, desesperado com a desordem em que vivia, resolveu casar-se. Mas, aqui no Rio, só conhecia uma moça. Havia de ser com ela! Mas, dela, sabia apenas que morava em Niterói. O bairro, a rua, o número da casa, o próprio nome da moça, não sabia. No dia seguinte, domingo, tocou-se para Niterói. Andou a cidade inteira esperando pelo acaso. Só à tarde o acaso chegou: passando por uma rua viu a moça à janela. Pediu licença para entrar e, lá dentro, fez o pedido de casamento. Um mês depois estava casado, com a senhora que foi a sua companheira querida de longos anos e mãe de seus filhos.

Frederico Fígner era um homem interessante. E, mais, e mais, um coração formosíssimo.  (Extraído de ‘A Noite’, de 27-2-47.)


(*) Pelas notas encontradas nos papéis de Frederico Fígner, foi aos 16 anos que ele partiu da Boêmia; parecendo-nos, pois, que tenha havido engano na informação verbal colhida pelo seu amigo Sr. Viriato Corrêa. - Nota de "Reformador".

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