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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
A MISSA
No
interesse... (digamos o termo próprio)- mercantil
-, de que lançou mão a igreja a tantos meios para aumentar sua propaganda
religiosa, nem mesmo se salvou a solenidade da oração. No entanto, basta abrir
o Evangelho e ler esta advertência do Mestre.
“Quando
orares, não sejas como os hipócritas que gostam de orar em pé nas sinagogas e
nos cantos das ruas, para serem vistos dos homens; mas entra no teu aposento e
fechada a porta, ora a teu Pai em secreto; e teu Pai que vê o que se passa em
secreto, te dará a paga. E não fales muito como os gentios, pois cuidam que
serão ouvidos pelo muito falar, porque o Pai sabe o que te é necessário, antes que
Ihe peças.”
Para
as boas inteligências isto patenteia claramente a inutilidade das preces longas
e sonoras, celebradas em horas aprazadas e impróprias.
A
igreja, porém, sufocando mais esse raciocínio, acha que Jesus errou; que não
soube o que disse; que a prece deve ter ostentação, ser celebrada a horas
certas e prolongar-se, nunca menos de trinta a quarenta minutos; que feita pelo próprio não tem valor; e
quando, elevada a Deus num aposento, a portas fechadas, não é também bastante.
Por isso, resolveu, por deliberação dos Concílios, adaptá-la a seu comodismo,
fazendo dela, ao mesmo tempo, uma fonte de renda.
Chamam
a isso – missa - e só deve ser celebrada por procuração, num templo vistoso,
ornamentado com ídolos multiformes e de todos os matizes.
Os
celebrantes devem estar vestidos a caráter, para o ato que deve ser tanto mais
espalhafatoso e tonitruante, quanto mais alto for o preço do ajuste. Aí, então,
será a missa realizada no altar mor e relativamente acompanhada de badalar de
sinos, músicas vocal e instrumental, grande profusão de velas
acesas, acólitos de categoria elevada, etc.
Quanto
às missas baratas, essas são ditas nos altares laterais, sem aparatos nem entusiasmo,
talvez por serem os respectivos santos aí, menos milagrosos, ou porque a alma
dos pobretões não mereça os cuidados que é preciso dispensar a todos que podem
pagar o luxo das orações.
Assim
sendo, a entrada no céu é para quem mais der.
Como
quer que seja, é mais uma desobediência ao Cristo, praticada pelos seus próprios
representantes e ao mesmo tempo a persuasão levada aos incautos de se
considerarem desobrigados de orar à Deus, por si e pelos seus entes queridos,
cuja salvação julgam comprar ao Criador, por intermédio dos seus ministros.
No
entanto Jesus disse, referindo-se às fingidas orações introduzidas pelos hipócritas
que torciam o sentido da lei:
“Guardai-vos
dos escribas que fazem todas as suas obras para serem vistos dos homens; por
isso, trazem suas compridas túnicas, grandes franjas e gostam de andar de
roupas largas; ter nos banquetes o primeiro lugar; que os saúdem na praça e que
lhes chamem mestres. São homens de rapina e corrupção
que a pretexto de largas orações, devoram as casas das viúvas e os bens dos órfãos.”
Esta
prevenção com os que andam de compridas túnicas, roupas largas... Enfim, Cristo
falava dos escribas e fariseus.
Além disso, ninguém pretenderá que a igreja
tivesse pago a Cristo a autoridade que assevera ter dele recebido para salvar
as almas, porque eIe mesmo recomendou:
“Dai
de graça o que de graça recebestes.” Como, pois, exige ele o pagamento da
salvação?
É
que o Concílio procurou acomodar a seu jeito aquele princípio, a fim de auferir
lucros com a prática da caridade
remunerada, pois acha que - de graça
só vive a igreja.
Jesus
demonstrou que “fora da caridade não há salvação», avisando, contudo, que a prática
desta virtude, só é considerada perfeita, quando “não saiba a mão esquerda o
que dá a direita”.
A
igreja pratica, justamente, o contrário, porque embolsa com a direita o
pagamento do pretenso benefício feito com a esquerda.
Quando
Jesus expulsou os mercadores que faziam do templo um covil de ladrões,
condenou, implicitamente, o tráfico, das coisas santas, sob qualquer forma que
fosse. Ora, se Deus não vende a sua bênção, nem o seu perdão, nem a entrada no
seu reino, será admissível que o homem tenha o direito de as fazer remunerar?
A
igreja admite isso e ainda em seu beneficio estabelece a repetição de inúmeras
orações como único meio de tentar o Criador a recolher as almas que ele talvez houvesse resolvido abandonar.
Ora,
se para a salvação da alma, Deus só aceite muitas orações, há falta de caridade
dos padres para com aqueles por quem se dizem poucas ou nenhuma, por não
poderem pagar; se, ao contrário, a quantidade é desnecessária, há extorsão em
receber pagamento do supérfluo, que se torna inútil.
Se
Deus subordinasse sua clemência ao dinheiro é lógico que anularia a sua justiça
para com aqueles que não pudessem pagá-la.
Não!
Deus que é a Perfeição absoluta, não podia delegar a criaturas imperfeitas o
direito de vender a sua misericórdia!
Ela
é como o sol: irradia tanto para o rico como para o pobre desde que seja pedida
de coração. Não queiram vender a graça do Soberano do Universo quando se
considera imoral vender a dos soberanos da terra!
Mas
deixemos esse lado mercantil e estudemos o positivo valor das missas e suas
consequências:
Determinadas,
como são, as primeiras horas matutinas para as orações ao Senhor, o que é uma
condição imposta para se pensar nele, as fieis católicas são chamadas pela “voz
de Deus”.
Não
riam nem zombem os incrédulos: “voz de Deus”, segundo a opinião dos servos do
papa, é o som dos sinos.
Nestes
momentos em que, justamente, as boas esposas ou governantes, mais necessitam de
atender aos principais afazeres da casa, é precisamente quando são compelidas
pela igreja a orar e ouvir a missa, o que fazem com os olhos fitos no padre e o pensamento no lar que deixaram abandonado.
De
modo que, apesar de bem intencionadas que sejam, estas crentes nem servem a Deus
nem à família.
Este
raciocínio, porém, ainda não teve guarida no pensamento da turba ilaqueada.
A
preocupação primordial é ir à missa porque ir à missa é ‘chic’. Pouco importa o elemento heterogêneo que aí se reúne para as
orações.
Todavia,
como nos apraz auxiliar o esclarecimento do nosso semelhante, tentemos uma
revista no labirinto do templo. à hora da missa e examinemo-lo com sincera
imparcialidade:
Que
vemos aí?
Aqui
um personagem de destaque social, genuflexo sobre uma almofada de seda,
demonstrando não só o luxo e a vaidade perante Deus mas ainda que a oração para
Ele não vale o sacrifício da comodidade do crente.
Junto
a este, um agiota rezador de rosários, que empresta aos necessitados, a vinte e
trinta por cento e um católico que, nadando na abundância, repele os que não
têm um pão para matar a fome.
Ali,
um fervoroso beato que bate no peito e vive a desmoralizar a família do vizinho
e acolá um que faz o “sinal da cruz” com o punhal na cava do colete.
Mais
além, um que acabou de “tomar” água benta e está pronto para assassinar o
primeiro que lhe ganhar o dinheiro no jogo.
Deste
lado, uma senhora que se confessou e distribui carícias a seu predileto, enquanto
o marido moureja, amargamente, o dinheiro para lhe sustentar a vaidade.
Mais
adiante, namorados que se entreolham: outros que criticam as toaletes e os hábitos
do próximo e os demais preocupados em fazer notar seus brilhantes ou a madrepérola
da capa do breviário.
Olhemos
agora para cima: Lá estão as tribunas repletas de assistentes. São os membros
da irmandade e convidados íntimos que, para se destacarem da plebe comum, colocam-se
mais alto que o próprio Deus, visto que o altar lhes fica em plano inferior.
E,
como compensação e estímulo a tudo isso, o padre, no fim da missa, volta-se e abençoa a multidão.
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